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Crítica: “O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder” triturou uma grande história

Primeira temporada da série mais cara de todos os tempos chegou ao fim com roteiro amador que transformou narrativa imponente em algo vazio e monótono

Ao adquirir os direitos de “O Senhor dos Anéis”, o Amazon Prime Video elevou o nível das produções televisivas e nos prometeu um espetáculo – que nem de longe veio. Em sua primeira temporada, “O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder” erra não apenas com relação a tudo que J.R.R Tolkien pensou para esse universo como também ao que se propõe enquanto entretenimento televisivo.

*Atenção: spoilers de “O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder” a seguir!

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Uma jornada iniciada

Ao todo, Tolkien descreveu seu universo em Quatro Eras. A última ficou inacabada, portanto, há apenas um leve início de vislumbre do que seria.

“O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder” se passa exatamente no fim da Primeira Era, onde Morgoth, senhor do escuro, é derrotado. Após esse acontecimento – brevemente retratado na série –, entramos na Segunda Era, onde se viveu um momento de paz após a vitória em cima do inimigo.

A série da Amazon Prime Video foca neste período em especifico ao juntar ideias criadas do zero por seus showrunners J.D Payne e Patrick McKay e dois dos livros de Tolkien, “O Silmarillion” (que eles não têm o direito ao uso) e “Contos Inacabados de Númenor e da Terra-Média”. A Amazon também não tem os direitos da Primeira e Terceira Eras (correspondente ao filme “O Senhor dos Anéis”)

Na série, são tempos de paz a todos – exceto para Galadriel (Morfydd Clark). A elfa guerreira permanece em estado de atenção e luta, buscando vestígios do que restou de Morgoth e que poderia levá-los a uma nova guerra.

O senhor dos erros

Desde o início, os criadores de “O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder” deixam claro que a obra é baseada em Tolkien, sem ligação com a trilogia de filmes de Peter Jackson (“O Senhor dos Anéis” e “O Hobbit”). Não há problema nisso. É estabelecida, assim, a necessidade de abrir a cabeça para novas ideias.

Porém, as decisões são equivocadas, o roteiro cansa e faltam acontecimentos dramáticos. Fora a ausência de personagens carismáticos. Torna-se quase impossível criar laços com o que é mostrado em tela.

A situação se soma a um excesso de filosofias que nem mesmo Tolkien escreveu em seus livros, adaptações de momentos importantes da história que se resumem a situações ou frases patéticas e um clima estético que mais se aproxima de uma novela bíblica do que o universo de “O Senhor dos Anéis”. Por mais que a obra tenha fortes ligações com religião, ainda assim, existe uma fina linha que separa um visual descrito por Tolkien de algo que seria exibido facilmente na Record TV.

Elenco irritante

Enquanto a rival HBO entra para a história com um elenco extraordinário e personagens bem desenvolvidos em “A Casa do Dragão”, a Amazon, com seu produto mais caro, foi na direção oposta. O elenco do novo seriado foi muito mal escalado. Faltaram poder de conquista e carisma, além das composições não serem agradáveis.

As exceções são o ator Robert Aramayo, que interpreta o jovem elfo Elrond, e seu grande e melhor companheiro de cena, Owain Arthur, que dá vida ao extraordinário e carismático Durin IV. A dupla de longe é a melhor da produção.

Morfydd Clark é uma atriz extraordinária, mas em “Os Anéis do Poder” ela nos entrega uma protagonista insuportável. Galadriel é irritante e mimada. Faltam justificativas para suas ações, uma vez que ela declara abertamente que nem ela mesmo sabe por que luta, já que simplesmente não consegue parar.

Por muito se debateu sobre as mudanças feitas na obra com a intenção de trazer diversidade. São os casos de Disa (Sophia Nomvete), a primeira e única anã negra em uma produção de Tolkien, e Arondir (Ismael Cruz Córdova), o primeiro elfo negro. Disa é uma personagem carismática e interessante – ainda que tenha recebido pouquíssimo tempo de tel –, mas é complicado aceitar que somente ela seja negra em um reino inteiro de anões.

Por sua vez, o elfo não compromete a história e é o único que tenta trazer um pouco de movimento à trama. Contudo, além da falta de carisma do ator, também é difícil entende-lo como elfo uma vez que ele também é único na Terra Média inteira. Não só isso: Arondir não é delicado, não demonstra técnica ou habilidades, é grosso tal qual um boxeador. O argumento talvez ficaria mais sólido se houvesse um povo inteiro de anões e elfos negros para justificar, mas do jeito que está, fica fora de compreensão – afinal, se todos são de um jeito, como é que somente esses dois seriam diferentes?

Ainda assim, o incômodo maior é com o novo personagem criado: Halbrand (Charlie Vickers), que depois se revela como sendo ninguém menos do que Sauron. O ator não tem a força necessária para dar vida a um dos maiores vilões de todos os tempos. Não dá para comprar a ideia de que aquele é Sauron.

Em “Os Anéis de Poder”, a ideia é que estamos diante de Annatar, uma das versões que Sauron usa para manipular Celebrimbor (Charlie Edwards) e, assim, ajudá-lo no início da forja dos anéis de poder. O roteiro se constrói de forma péssima, pois poderia focar muito mais na questão de manipulação, mas preferiu-se flertar com mais um romance entre o falso Rei do Sul e Galadriel.

É de se espantar que tudo de ruim que aconteça seja por culpade Galadrial. Se ela tivesse permanecido no barco rumo às terras imortais, não teria encontrado com Sauron, que consequentemente – pelo roteiro da série – não teria chego em Celebrimbor. É difícil aceitar que esta elfa se tornará um dos seres mais sábios e poderosos da Terra Média.

Menos é mais

Reagi negativamente ao anúncio inicial de “O Senhor dos Anéis” como uma série. O estilo de história não combinaria com o formato que um seriado de televisão pede.

Para além, a decisão de não envolver o diretor Peter Jackson também é um erro monumental. Jackson pode ter cometido alguns erros em “O Hobbit”, mas ainda é, de longe, as mãos mais seguras para se lidar com Tolkien. A experiência do público seria diferente ao assistir uma obra ciente de que faz parte do mesmo universo de filmes indicados quase 40 vezes ao Oscar.

Ao menos trouxeram o mesmo compositor, Howard Shore, responsável pela trilha impecável de toda a obra de Peter Jackson, volta em “Os Anéis de Poder”. O músico não faz feio: a trilha é maravilhosa ao soar forte e ao mesmo tempo delicada. A abertura é uma das melhores do ano. Shore sabe como ninguém traduzir o universo de Tolkien em melodias.

O universo criado por J.R.R. Tolkien é muito diferente, por exemplo dos contos políticos de George R.R. Martin. “O Senhor dos Anéis” é uma aventura fantasiosa carregada por um drama muito especifico que não se sustenta episódio por episódio. Todo o enredo da primeira temporada de “O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder” se distribui em aproximadamente oito horas, mas poderia ser resumido em um filme de duas horas de modo bem mais dinâmico. Cortaria-se, assim, as invencionices dos showrunners ao apostar em diálogos e personagens melhor trabalhados.

Diferentemente de “Game of Thrones”, “O Senhor dos Anéis” não traz grandes e violentas mortes, questões políticas ou traições. Também não há cenas visualmente impactantes, sejam no âmbito da violência ou do sexo. Trata-se de um universo de fantasia que se sustenta entre pilares de drama e aventura, envoltos de uma grandiosidade em estética e escrita que não permite certos alongamentos. Nem mesmo Peter Jackson teve sucesso ao querer inventar em cima de Tolkien. A trilogia “O Hobbit” apresenta quase três horas em cada filme sendo que o material original é minúsculo. Resultado: nem de longe teve a mesma glória que a trilogia antecessora.

A Amazon tinha em mãos uma história rica e grande demais que merecia ter sido trabalhada de outra forma. Os quase US$ 500 milhões só para a primeira temporada ofereceram boa direção e impacto visual, mas nada além.

Roteiro amador

As decisões criadas pela sala de roteiristas são surreais. Nada acontece nos cinco episódios iniciais. Não há trama, drama ou caminho. É culpa do formato seriado: as questões que envolvem este universo são simples e não precisam de tanto, já que não há muito para segurar dramaticamente falando.

Além das filosofias baratas anteriormente citadas, há erros de continuidade absurdos. Um deles traz Galadriel sendo encontrada no mar e levada a Númenor. Do nada, ela aparece com sua armadura élfica. De onde saiu aquela armadura se nem na Terra Média ela estava? Não foi do barco, já que ela usava apenas uma túnica branca antes de se lançar ao mar.

Todo romance envolvendo Arondir e Bronwyn (Nazanin Boniadi) é insuportável. Peter Jackson também tentou inventar algo assim na Terra Média em “O Hobbit” e não deu certo. Sem contar o arco de Theo (Tyroe Muhafidin), em posse do artefato do mal que transformaria as terras do Sul em Mordor, e a solução infantil que o roteiro encontra para que o artefato volte para as mãos do mal.

Os elfos pessimamente trabalhados e adaptados. Criaturas magníficas perderam todas as suas características em “Os Anéis de Poder”. Nunca que Legolas (Orlando Bloom) seria feito de prisioneiro por Arondir – e mesmo que fosse, escaparia sem problema algum.

O núcleo dos anões é o mais interessante, mas a série não se empenha e dar a real dimensão da grandeza de Khazad-dûm. A obra buscou contar o momento em que os anões descobrem o minério mithril e cavam tão profundamente que despertam o Balrog – criatura que será a responsável pela queda do reino anão. Contudo, a profundidade da história aqui retratada é a de que apenas uma parede separava os anões de seu aniquilador. A cena é linda, mas ter o Balrog despertado após uma única folha de árvore cair em sua frente é no mínimo fazer o telespectador de burro: teria ele o sono mais leve de toda a Terra Média?

Os tão aguardados pés-peludos, descendentes dos Hobbits, são uma decepção colossal. Faltou carisma. A todo momento o roteiro tenta nos forçar uma versão nova de Frodo (Elijah Wood) e Sam (Sean Astin) com as pequenas Nori (Markella Kavenagh) e Poppy (Megan Richards), mas não conseguem. Retratados quase que de forma suja, os pequeninos não cativam. Quando um deles morre, nos damos conta que nem o nome do personagem decoramos – e ele só morre no último episódio.

A missão dos pés-peludos nessa temporada é a introdução de Gandalf, que inicia a obra como sendo apenas o estranho que caiu do céu e depois passa para Sauron de modo esdrúxulo. O roteiro inventa alguns seguidores com ares de grandeza, mas que no fundo são burros o bastante para se confundirem. Vem, então, a confirmação de que ele se trata de um mago e ao fim, para confirmação, usa uma frase clássica que Gandalf diz para Frodo: “Na dúvida, use sempre o seu nariz”. Uma cena que emociona muito mais por você se lembrar de Ian McKellen na trilogia de Peter Jackson como Gandalf do que pelo novo ator incumbido de tal missão, Daniel Weyman. Em sete episódios o personagem mal sabe falar até que no último, do nada, transforma-se em alguém sábio o suficiente para falar frases filosóficas.

Fantasia esvaziada

“O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder” peca em muitos sentidos. Nenhum arco de acontecimentos leva a querer ver mais. Trata-se de uma produção fantasiosa vazia, que parece fazer uso do nome da obra original apenas para tentar atrair alguma atenção.

A história da Segunda Era é rica para quase além da história original de “O Senhor dos Anéis”. Fosse pensada para um épico e grande filme, com foco maior na obra de Tolkien, seria mais um momento histórico do cinema.

Infelizmente, a tendência é narrar alguns dos momentos mais incríveis deste universo – a criação dos anéis de poder, a queda de Númenor e a derrota de Sauron – de um jeito fraco, com problemas de ritmo e carisma.

*Todos os episódios de “O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder” já estão disponíveis no Amazon Prime Vídeo.

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Raphael Christensen
Raphael Christensenhttp://www.igormiranda.com.br
Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

4 COMENTÁRIOS

  1. Caramba!!!
    finalmente um site que descreve em palavras toda minha indignação!!! Vejo outros sites como Omelete e etc que me sentia sozinho em pensar que nem o nome dos personagens eu consegui gravar. Eu achava muito ruim, eu gostar muito de Tolkien e não conseguir ter nenhuma sintonia com a série. Eu pensava se os sites de críticas foram pagos para falar bem. Foi quase por inteiro ridículo, com excessão do Shore e alguns cenários.

  2. Melhor análise q li até presente data. Parabéns, concordo plenamente c sua crítica. Eu tava c expectativas altas e pensei q por isso podia ter me chateado, mas vi q MT gnt tava c receio e deu pra ver pq. Vi a série qnd lançou e agora. Realmente não dá…

  3. Concordo em gênero número e grau, assistir a transformação de algo tão grandioso em algo tão e ruim é revoltante. Ja tentei ver uma vez não conseguir, me esforcei ao maximo em tentar assistir novamente de forma desapegada, mas nao adiantou é ruim demais. Sofrível e menos que péssimo! O pior e ver esses sitis falando bem e dando nota otima kkkk eles deveria ter vegonha na cara, com certeza fora. Comprados para engolir essa paródia que chama de série.

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