Entrevista: Bruno Sutter fala sobre Massacration e fazer humor com música no Brasil

Prestes a realizar mais shows com banda que o consagrou, intérprete de Detonator elegeu seu personagem favorito de “Hermes e Renato” e refletiu sobre legado

Pense num cara que, se dorme, dorme no máximo quatro horas por noite. Bruno Sutter não é político em campanha, mas seu codinome é trabalho. Fora do humorístico “Hermes e Renato”, responsável por projetá-lo nacionalmente, Sutter se multiplica: é cantor de heavy metal (não só com o ficcional Massacration), radialista, piloto de automobilismo, colecionador de discos e embaixador do rock para a criançada.

O gancho para a entrevista que você lerá abaixo é a vindoura e curtíssima temporada de shows do Massacration. Na pele do vocalista Detonator, Sutter encarna o filho do Deus Metal e eleva sua voz à estratosfera cantando músicas como “Metal Bucetation” e “Metal Massacre Attack”, que estouraram nos bons e velhos tempos da saudosa MTV Brasil.

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Embora não lance nada desde 2020, ano do single “Metal Galera”, o grupo volta à estrada para apresentações que, segundo Bruno, são para toda a família e cuja lotação atesta a sobrevivência do Massacration ante o implacável teste do tempo. Após passagens por Curitiba, Jaraguá do Sul e Santo André em outubro, a agenda inclui os compromissos listados abaixo.

Entrevista com Bruno Sutter (Massacration)

Criação, humor e longevidade

O Massacration, a banda da galera, está com novos shows marcados. Como está sendo a preparação para eles?

Já foram três shows e agora vem mais, né? Tem sido tudo muito legal porque a repercussão tem sido ótima, todos os shows muito cheios. O último deu 30 mil pessoas, lotadíssimo. É muito bacana ver que o Massacration envelheceu bem e se tornou um grupo consolidado dentro da cena rock e heavy metal do Brasil.

Vocês agora vêm fazendo reuniões esporádicas, lançam uma música aqui, outra ali. Queria saber se rolam planos para um terceiro álbum de estúdio, uma turnê de fato com mais datas, ou se isso hoje em dia é algo difícil de conciliar em razão das demais atividades de todos os envolvidos.

É justamente por isso, né? Não somos somente músicos. Temos um trabalho junto à mídia muito extenso. Tanto o trabalho videográfico do “Hermes e Renato” que eles fazem ainda no YouTube quanto o meu programa de rádio. Também participo de programas de televisão, então fica difícil fazer uma turnê do Massacration. A gente encaixa isso nos nossos horários para conseguir tanto lançar as músicas quanto fazer os shows. Fora que hoje a gente está vivendo uma época mais de singles, né? Então é uma coisa que ajuda a gente a valorizar o lançamento de cada música. Quando você lança uma música e um videoclipe, isso já é motivo para sair em turnê. Então, acredito que seja mais vantajoso o lançamento de singles esporádicos.

Mas você ainda é um cara que, pelo que estou vendo aí, ainda consome álbuns, né? Posso dizer que você é um colecionador de discos/entusiasta da música no formato físico?

De discos de vinil, com certeza! Tenho uma coleção bem extensa. Vem de criança, né? Na época em que o CD tomou conta, tive a sorte de não me desfazer dos meus discos de vinil. No início dos anos 1990, eu via coisas absurdas, tipo o pessoal dar dez discos de vinil em troca de um CD. Tenho aqui toda a coleção do Black Sabbath, Iron Maiden, Deep Purple, Judas Priest, Uriah Heep.

Uma curiosidade que tenho sobre o Massacration é em relação ao processo criativo da banda. Gostaria de saber se a composição das músicas e a escrita das letras é semelhante ao que seria a redação de um esquete do “Hermes e Renato”, por exemplo.

Certamente é. A gente primeiro faz a parte instrumental. Na época do Fausto [Fanti], a gente ia para um estúdio e fazia a composição à moda antiga mesmo. O Fausto chegava com um riff, o Marco Antônio ficava no baixo e eu ia para a bateria, fazendo a bateria e a voz. Assim, montava o instrumental. Depois, íamos para a sala de redação do “Hermes e Renato” e fazíamos a letra em cima da linha de voz que eu havia feito. Consideramos mesmo as letras do Massacration um esquete do “Hermes e Renato”. Isto que eu acho muito bacana do Massacration: é um produto com o selo “Hermes e Renato” de qualidade.

E como passou a ser o processo depois da morte do Fausto [em 2014]?

A tecnologia ajudou a gente a trabalhar de maneira mais econômica no sentido de não precisar ir a um estúdio para compor, né? Agora levo meu estúdio portátil e aí o Marco Antônio, eu ou o pessoal vem com uma ideia de riff, a gente grava no meu computador, eu monto a estrutura de bateria, baixo etc. e aí no mesmo local a gente já faz a letra. O processo de criação é parecido, só que agora a gente tem ajuda da tecnologia e pode fazer isso remotamente.

Na minha opinião, a grande sacada visual e temática do Massacration é a tiração de sarro do estereótipo do headbanger fundamentalista. Ainda tem muita gente que fica p#ta por causa dessas piadas?

Nossa sátira é na verdade uma sátira/homenagem, né? Somos metaleiros desde criança. Fausto e Marco Antônio faziam aula de guitarra. Eu canto na noite desde os meus 13 anos. Então [o Massacration] era uma coisa que a gente queria fazer dentro do nosso escopo humorístico. Queríamos poder mostrar nosso lado musical. E são sátiras musicais de vários estilos, né? “Unidos do Caralho a Quatro”, “Humor Negro”, “Pira, Pirá, Pirô” etc. Só que o rock e o heavy metal são muito especiais para todos nós, que crescemos nos anos 1980 e 1990. Daí houve uma demanda para que o Massacration tivesse uma vida maior. Foi o João Gordo que botou pilha para a gente gravar um disco.

A pegada do Massacration é mais ou menos a mesma das sátiras dos outros estilos musicais. A gente pega o estereótipo mais galhofa, que é o cara que é radical pra caramba: “Quanto mais agudo, melhor é o cantor”, “Somente o heavy metal importa, o resto é lixo” etc. É curioso porque as críticas que recebemos são justamente porque tivemos um grande destaque. É como diz o ditado chinês: “Prego que se destaca toma martelada”. Todo mundo quer pegar quem está em primeiro, é natural isso. Eu procuro ver com naturalidade, pois se até Jesus foi crucificado… É bom que haja críticas, até mesmo as destrutivas, pois mostra que o Massacration é um produto de bastante sucesso.

“Nossa sátira é na verdade uma sátira/homenagem, né? Somos metaleiros desde criança.”

Bruno Sutter

Trabalho de imagem e dubiedade lucrativa

De todos do “Hermes e Renato” você foi o que melhor soube trabalhar a sua imagem e o seu nome pra além do grupo. Queria que você comentasse como isso impactou na sua carreira.

Eu já tinha uma carreira antes de entrar no “Hermes e Renato”, né? Apesar de ser muito jovem e estar numa cidade pequena como Petrópolis, eu já tinha uma carreira musical, então sempre trabalhei junto à mídia. Quando estava no “Hermes e Renato”, eu era meio que o relações-públicas do grupo: respondia os e-mails, falava mais com as pessoas. Sempre tive esse dom de me comunicar, então, quando saí do “Hermes e Renato”, isso já era natural da minha parte. E os outros caras são tímidos, né? É curioso isso. Você não imagina que o pessoal seja tímido com a câmera desligada.

Justamente por sempre ter tido essa coisa de comunicador que quando saí do “Hermes e Renato” eu fui procurar ter um programa de rádio. Acho, inclusive, que serviu de inspiração para o grupo correr atrás das coisas, colocar mais a cara na mídia e se divulgar. Fiz isso quando saí do “Hermes e Renato” e funcionou. Hoje em dia não faço mais parte do “Hermes e Renato” no sentido de estar no grupo para a criação de conteúdo, mas participo dos shows do Massacration e da peça de teatro. Sou uma espécie de D’Artagnan ali, um agregado.

Ter feito parte do “Hermes e Renato” de certa forma dificulta as pessoas de te levarem a sério quando você lança algo “sério”, como o seu disco solo?

Já refleti muito sobre isso. Sim e não, né? Fui eleito três vezes o melhor vocalista de heavy metal do Brasil como Bruno Sutter, não como Detonator. Acho que isso aconteceu devido à notoriedade que criei dentro do “Hermes e Renato”, à curiosidade que isso causou nas pessoas. E vendo que essa curiosidade foi vista de uma maneira positiva, dados os resultados que o disco teve, essa é a parte positiva. A parte negativa é: eu sou um humorista, e aqui no Brasil existe um preconceito muito grande. Ou você é uma coisa ou é outra. Nos Estados Unidos não vejo isso. Lá o humorista está no topo da cadeia midiática, é visto com muito respeito. Aqui é o contrário. Então, quando lanço um produto de heavy metal “sério”, o pessoal acha maneiro, mas não consegue não dar risada. Entrego o serviço, dou o recado. Funciona, mas ao mesmo tempo tem essa dubiedade. Vejo isso de uma forma divertida porque, apesar de os mais radicais não levarem a sério, todo mundo vai aos shows e compra os discos. Já devo ter vendido por volta de 40 mil cópias. Acredito que eu seja um dos maiores vendedores de discos independentes do Brasil. Não me levam a sério, mas me sustentam muito bem!

Fanatismo invasivo

Recentemente, o Serj Tankian, do System of a Down, deu uma entrevista falando que volta e meia ele está na rua e é surpreendido por alguém que se aproxima dele gritando “Wake up!”, da música “Chop Suey!”. Você também sofre esse tipo de abordagem? As pessoas se aproximam de você cantando uma música do Massacration ou falando algum bordão de personagem seu?

Sim, cara, e isso é que legal de você trabalhar com mídia e com humor. As pessoas te cumprimentam como se fossem suas amigas. Existe um respeito, mas, ao mesmo tempo, um carinho. Já tenho esse costume de a pessoa chegar, “Bruno Sutter!”, e eu já cumprimento como se fosse um conhecido. Isso é legal pra c#ralho. Essa coisa de não se levar a sério em certos aspectos, como é o caso do System of a Down, que é uma banda politicamente engajada, mas com resultados videográficos divertidos, abre uma brecha para que musicalmente as pessoas possam ser sérias e divertidas e dá margem para as pessoas fazerem coisas como essa, que são engraçadas pra c#ralho. O Adriano [Pereira], que faz o Joselito, é o que mais sofre com isso. E o engraçado é que ele é um dos caras mais low-profile do “Hermes e Renato”, super na dele. Teve uma vez que ele estava saindo do metrô, chegou um cara correndo e deu um tapão na cabeça dele. “Ow, Joselito!”, e pá! [Risos]

“Apesar de os mais radicais não levarem a sério, todo mundo vai aos shows e compra os discos.”

Bruno Sutter

Existem fãs que extrapolam os limites? Você já passou por alguma situação do fã cruzar essa linha do carinhoso e amigável e ser invasivo?

Isso é muito normal de acontecer, justamente porque a pessoa acha que é sua amiga. Quando você trabalha com humor e entrega isso às pessoas, elas se identificam tanto que acabam confundindo. Eu costumava fazer lives diárias do meu programa de rádio. Parei de fazer justamente porque as pessoas extrapolavam os limites. Começaram a se achar amigas íntimas, então chegou ao ponto de rolarem situações invasivas. Tinha pessoas que eu cumprimentava num dia, cumprimentava no outro, e, se eu não cumprimentava no terceiro ou quarto dia, a pessoa vinha cobrar: “Ué, por que não me cumprimentou? O que foi que eu te fiz?” Daí concluí que é melhor manter uma certa distância. Vai que numa dessas aparece um fã tipo o que matou o John Lennon? “Fala comigo, p#rra!” É f#da, né?

“Hermes e Renato” seria cancelado hoje?

De todos os personagens que você interpretou no “Hermes e Renato”, tem algum que você olhe hoje e pense, “esse foi o melhor que eu já fiz”?

Cada personagem é um filho, mas existem alguns pelos quais tenho um carinho especial, tipo o Padre Quemedo. Virou até meme agora, né? Ressuscitaram o Padre Quemedo por causa do Padre Ken, Kevin, Kelvin… o candidato padre lá. O pessoal falando: “O Padre Quemedo está no debate [presidencial]!”

Suponho que você tenha respondido isso algumas vezes já, mas um programa com o humor tipo o do “Hermes e Renato” hoje em dia, não dá para imaginar, né?

Difícil. Vivemos numa época tão polarizada e quanto mais a sociedade entende seus direitos e evolui, mais o humorista tem dificuldade de satirizar coisas que não são mais satirizáveis. Outro dia passou no “Fantástico” uma matéria sobre gordofobia. O “Hermes e Renato” tinha um quadro chamado Banha News, que era sobre gordos. Hoje em dia fica muito difícil imaginar um programa como o “Hermes e Renato” na TV e até mesmo na internet. Imagino que o Porta dos Fundos deva ter um bom escritório de advocacia para tomar conta de tudo que eles fazem!

Tive que ressignificar minha forma de fazer humor. Hoje em dia, resolvi ir mais para o lado musical com humor do que ser um humorista que faz música. Evidencio muito isso no meu programa de rádio. É um programa leve, bem-humorado, que não bate em ninguém, sabe? Acho que meu legado como humorista já está bem-consolidado dentro do que fiz com o “Hermes e Renato”. A ideia hoje é colher os frutos disso: com os shows do Massacration, a peça do “Hermes e Renato”, meu programa de rádio, os discos que eu faço e com o Detonator, que é uma coisa mais direcionada para o público infantil. O que estou fazendo é um trabalho de incentivo à renovação do rock pelas crianças. Todas as terças-feiras tenho um programa de rádio no qual as crianças pedem música. É muito valoroso de se fazer e dá resultado. O último show do Massacration estava lotado de famílias inteiras. Pais com crianças no colo e as crianças cantando as músicas! É uma boa pegada de humor para se fazer atualmente.

“Quanto mais a sociedade entende seus direitos e evolui, mais o humorista tem dificuldade de satirizar coisas que não são mais satirizáveis.”

Bruno Sutter

Futuro, legado e importante lição

Pensando no futuro, o que você ainda gostaria de fazer do ponto de vista artístico?

Gostaria muito de seguir a carreira de dublador. É um trabalho muito nobre e que te valoriza até o fim da sua vida. E gostaria de manter minha voz em alta performance tanto para cantar quanto para dublar. Você vê o Bruce Dickinson? Cantando em alta performance até hoje e beirando os 70 anos. Isso é um desafio grande. Espero conseguir preservar minha voz até ficar velhinho e conseguir viver dela.

E depois que você não estiver mais entre nós, como espera ser lembrado?

Acho que como uma pessoa que levou alegria para as pessoas. O que a gente leva da vida são os sentimentos bons. O resto todo fica aqui, os bens materiais. O que levamos são as amizades, os sentimentos bacanas. Quando participei desse reality show, “A Ilha”, eu percebi que as pessoas gostam muito de ver confusão, treta. Fui para lá com outra cabeça, querendo levar um clima leve, um clima de humor. Muita gente não me entendeu. “Esse cara é forçado”. Não vou me sujeitar a baixaria. Uma coisa que me perguntaram quando fiz a entrevista para o programa foi: “Vale tudo para ganhar 500 mil reais?”. Não vale, nem a pau. Não vou deixar de ser eu mesmo ou vestir um personagem que crie confusão ou cause sentimentos negativos por dinheiro. Existe uma vida além do programa de TV. Reality show: para mim, é muito mais um “show” do que a “reality”. Lá dentro todo mundo se leva a sério demais. Vamos fazer diferente. Então é isto que eu gostaria de deixar: uma imagem de alegria, de um bom trabalho feito para divertir as pessoas.

No fim das contas, os “forçados” são aqueles que tentam se levar a sério demais. Para eles, vale tudo por 500 mil reais.

Pois é. Acho que aqueles que se levam a sério demais na vida que são os verdadeiros palhaços.

Agenda – Massacration em 2022

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Marcelo Vieira
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Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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