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Os singles de “Dirt”, do Alice in Chains, comentados por Jerry Cantrell

Guitarrista analisa as cinco músicas de trabalho do mais bem-sucedido álbum lançado pela banda

Quando “Dirt”, segundo álbum de estúdio do Alice in Chains, foi lançado em 29 de setembro de 1992, o Los Angeles Times publicou uma resenha fulminante na qual dizia:

“Ouça-os rosnar. Ouça-os gemer. Ouça-os tentar soar como o Nirvana ou o Mother Love Bone ou algo assim, mas chegar mais perto do Kansas […] Neste álbum, que não tem nem o benefício da ingenuidade levemente charmosa do primeiro [‘Facelift’ (1990)], o Alice in Chains é pomposo, túrgido, sem riffs, uma chatice. E o grupo nem soa roqueiro — este álbum é sobre competência, não sobre ideologia.”

No fim das contas, a banda riria por último. “Dirt” entrou na parada da Billboard na 6ª posição e venderia mais de 4 milhões de cópias somente nos Estados Unidos.

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Muito desse sucesso se deve ao fato de o disco ter tocado tanta gente. Ao contrário das músicas de “Facelift”, as de “Dirt” foram escritas a partir de experiências emocionais e pessoais, quase como um diário particular, e os cinco singles dele extraídos evidenciam isso.

Ao longo dos anos, não foram poucas as vezes que os integrantes do Alice in Chains foram convidados a falar ou tiveram a oportunidade de escrever sobre “Dirt” e seus momentos mais decisivos. A seguir você confere o que pensa o guitarrista Jerry Cantrell a respeito de “Would?”, “Them Bones”, “Angry Chair”, “Rooster” e “Down in a Hole”.

Os singles de “Dirt”, do Alice in Chains

“Would?”

O primeiro single de “Dirt” foi lançado três meses antes de o álbum chegar às lojas. Escrita por Cantrell como uma homenagem ao amigo Andrew Wood, vocalista do Mother Love Bone, que morreu de overdose em 1990, “Would?” apareceu pela primeira vez na trilha sonora do filme “Vida de Solteiro”. Sobre a música em uma entrevista de 2017 — ano do 25º aniversário do longa escrito e dirigido por Cameron Crowe —, o guitarrista disse:

“A morte do Andy [Andrew Wood] foi realmente significativa para todos nós; foi uma espécie de prenúncio de coisas que afetariam diretamente a nós e a nossos amigos. ‘Would?’ era eu pensando nele como todos nós fizemos, e tentando deixar isso de lado meio que escrevendo uma pequena ode a ele. Porque ele não estava mais lá, e tudo estava decolando… Foi legal poder usar essa música; foi muito comovente, pensei, porque nós meio que o carregamos conosco.”

Além de prestar uma homenagem a Wood, a letra de “Would?” também rechaça aqueles que o julgavam em razão do vício. Assim escreve Jerry no encarte do box set “Music Bank” (1999):

“Sempre odiei aqueles que julgam as decisões que os outros tomam, então [a letra de ‘Would?’] foi direcionada às pessoas que têm por hábito julgar.”

“Them Bones”

O medo da morte inspirou Cantrell, único autor do single seguinte de “Dirt”, “Them Bones”. No encarte de “Music Bank”, ele relata:

“Eu estava pensando sobre a mortalidade, que mais cedo ou mais tarde vamos acabar em uma pilha de ossos. É uma certeza para todo ser humano, acredite você em vida após a morte ou não, quando morrermos, é isso. Me assusta pensar que todos as coisas bonitas, o conhecimento e as experiências pelas quais você passou terminam quando você termina; o pensamento de que quando você fecha os olhos pela última vez, se foi para sempre.”

Embora consista num manual sobre como lidar com a mortalidade, o guitarrista garante que a letra deve ser interpretada de outra maneira, mais positiva. À revista Rip, em 1993, ele falou:

“Em vez de ter medo, aproveite o tempo que você tem. Viva o máximo que puder, divirta-se o máximo possível. Ponha o medo de lado e viva. Use o que lhe resta, e use bem.”

“Angry Chair”

Quando criança e aprontava, Layne Staley era posto de castigo pelo pai sentado numa cadeira em frente ao espelho. Em “Angry Chair”, uma das poucas músicas do Alice in Chains inteiramente creditadas ao vocalista, ele traça um paralelo entre essa memória da infância e os diferentes cárceres da vida adulta.

Foi também a primeira vez que Staley contribuiu com um riff de guitarra para o grupo; dado que não é visto com indiferença por Cantrell, que assim escreveu no encarte de “Music Bank”:

“[‘Angry Chair’ é] uma música brilhante. Sinto muito orgulho do Layne por tê-la escrito. Quando comecei a aprimorar meus vocais, ele foi muito solidário, e eis aqui um bom exemplo dele se aprimorando na guitarra e escrevendo uma obra-prima.”

“Rooster”

Esta talvez seja uma das músicas mais pessoais já escrita por Cantrell. Trata-se de um tributo a seu pai, um veterano de guerra cujo apelido era Rooster (Galo), que serviu nas Forças Armadas dos EUA durante a Guerra do Vietnã.

Na letra, uma aula sobre resiliência: o protagonista é enviado para o front de batalha, deixando mulher e filho para trás, assiste à morte de companheiros e faz o que pode para se manter vivo, mesmo sob a mira dos inimigos que tentam a todo custo “liquidar o Galo”.

Uma publicação no Instagram oficial do Alice in Chains de 8 de setembro traz o guitarrista recordando-se de quando escreveu a música:

“Lembro que escrevi ‘Rooster’ quando estava hospedado na casa do Chris Cornell, que tinha um pequeno quarto de hóspedes, em West Seattle. Eu estava pensando no meu pai e no que ele passou em sua vida, as várias incursões pelo Vietnã, as coisas com as quais ele teve que lidar… comecei a me colocar no lugar dele e a me perguntar: ‘Eu teria feito melhor?’ ‘Eu poderia ter feito melhor?’”

Em entrevista à revista Guitar, Cantrell contou como o pai reagiu ao ouvir a música pela primeira vez:

“Ele só nos viu tocar uma vez, e eu dediquei essa música para ele; no dia, estávamos abrindo para o Iggy Pop num clube. Nunca vou esquecer […] Ele estava lá no fundo da plateia com seu grande [chapéu] Stetson cinza e suas botas de cowboy — ele não nega que nasceu em Oklahoma — e, no final, ele tirou o chapéu e o brandiu no ar. E estava se acabando em lágrimas. Essa música significa muito para mim.”

“Down in a Hole”

Embora muita gente associe a letra a Staley — provavelmente em razão da performance arrebatadora no “MTV Unplugged” gravado e lançado em 1996 —, não foi a respeito dele que Cantrell escreveu “Down in a Hole”, single derradeiro de “Dirt”, lançado quase um ano após o álbum chegar às lojas.

O guitarrista tinha em mente outra pessoa próxima: sua então namorada, Courtney Clarke.

A letra também não é sobre o “buraco” do vício em drogas, mas sim sobre as inseguranças e as dúvidas inerentes a um relacionamento a dois. No encarte de “Music Bank”, Cantrell posiciona “Down in a Hole” no seu top 3 pessoal da banda, e reflete quase que de maneira enigmática:

“Fiz para o amor da minha vida. É a minha realidade, o caminho que escolhi e de uma forma estranha meio que predisse onde estamos agora. É difícil para nós dois entendermos… mas a vida não conduz a muito sucesso com relacionamentos de longo prazo.”

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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