Admito: não estava tão empolgado assim para o show realizado pelo Sons of Apollo, no último sábado (13), em São Paulo. Os motivos não estavam exatamente ligados à música do supergrupo, que lançou dois álbuns muito bons nos últimos anos: os culpados eram o frio na capital paulista e a dificuldade para ir embora da casa de eventos, Tokio Marine Hall, via transporte público após a meia-noite.
Ainda bem que fui teimoso. Senti que não poderia deixar de conferir Jeff Scott Soto (voz), Ron “Bumblefoot” Thal (guitarra e responsável por me conceder uma ótima entrevista – clique para assistir), Mike Portnoy (bateria) e Derek Sherinian (teclados) em ação.
Também queria ver Billy Sheehan – seria minha terceira vez, já que assisti um de meus baixistas favoritos com o Mr. Big em 2011 e com o The Winery Dogs em 2016 –, mas “restrições de viagem” fizeram sua vaga ser ocupada pelo nome mais indicado em território sul-americano: Felipe Andreoli, que curiosamente vi em ação três vezes no mesmo palco somente neste ano (as outras foram com o Matanza Ritual e o Angra).
A passagem por São Paulo estava marcada desde abril de 2020, mas foi adiada duas vezes em função da pandemia. Inicialmente, a banda passaria apenas pela capital paulista e pelo Rio de Janeiro (que rolou em 11/08), mas as mudanças de data permitiram também a inclusão de Curitiba (09/08) e Brasília (14/08). Santiago, no Chile (16/08), e Buenos Aires, na Argentina (18/08), completam o itinerário.
*Fotos de Raphael Mastandréa / Sonoridade Underground
Aberturas bem selecionadas
Duas bandas ficaram encarregadas de abrir os trabalhos: Opus V, inicialmente, e Lufeh, na sequência. Infelizmente, não cheguei a tempo de acompanhar por completo o show da primeira banda – formada por Paulo Lima (vocal), Claudio Passamani (guitarra), Lucas Araujo (guitarra), Tiago Moreira (baixo), Miguel Muniz (bateria) e Dio Lima (teclados) –, mas deu para assistir às duas músicas finais: “Railroad of Faith” e “A New Empire Rise”.
A julgar por essas faixas, deu para sentir que a escolha do quinteto fez sentido para o evento. Competentes em suas performances, os músicos não escondem das composições as fortes influências do metal progressivo. Por vezes, também se inclinam a elementos power, seja pela construção dos refrães ou inserção dos teclados de Dio Lima, contudo, é o prog que dita a regra.
Ainda que cada integrante tenha se saído bem em sua função, há de se destacar individualmente a forte presença do baixo de Tiago Moreira (algo raro no segmento) e o domínio técnico de Miguel Muniz, baterista que tem apenas 16 anos de idade. Como ponto a ser aprimorado, vale citar a presença de palco ainda tímida dos integrantes, em especial do frontman Paulo Lima, ao menos nos momentos que pude acompanhar.
Um vídeo parcial da música “A New Empire Rise” e o setlist completo, conforme repassado pelo colega Vagner Mastropaulo, estão disponíveis abaixo. Clique aqui para conhecer mais sobre o Opus V.
- Get Out Of My Way
- Ichtus Factor
- Universe Of Truths, Pt. 1
- Railroad Of Faith
- A New Empire Rise
Não demorou muito até que o Lufeh montasse o palco e iniciasse sua apresentação. A banda é comandada pelo baterista de mesmo nome do projeto, conhecido especialmente pelo envolvimento com o Oficina G3. O grupo cristão também faz parte do currículo de outros três integrantes: o baixista Duca Tambasco, membro desde 1994; o tecladista Gera Penna, que colaborou como produtor de álbuns como “Além do que os Olhos Podem Ver” (2005) e “Elektracustika” (2007); e o guitarrista Téo Dornellas, lembrado por ter trabalhado com o cantor PG em sua carreira solo. O vocalista americano Dennis Atlas completa a formação.
A escolha do Lufeh para abertura também foi acertada, não só por encaixar-se bem à proposta sonora da atração principal, como também pela competência dos músicos. Não é fácil fazer metal progressivo e é ainda mais complicado construir uma identidade própria em um gênero que por vezes se perde em seus exageros, mas o quinteto se saiu muito bem ao fugir de alguns clichês e apresentar um som que não se limita ao prog.
Um dos responsáveis por fazer o projeto estourar a “bolha prog” é Dennis Atlas. O visual ligeiramente extravagante, com direito a uma calça de ginástica a-la David Lee Roth, contrastava com uma performance vocal sóbria que buscava mais complementar do que roubar a atenção do afiado instrumental. Ponto positivo para o cantor, que claramente estava se divertindo muito no palco e mostrou empolgação até ao contar para o público que sua primeira visita a um supermercado brasileiro havia ocorrido no dia anterior.
Fora a já mencionada competência na execução individual de cada instrumentista (todos são inegavelmente mestres em suas áreas), há de se elogiar o capricho na escolha dos timbres – outro elemento que os distancia de alguns clichês do segmento. Téo Dornellas e Duca Tambasco, em especial, optam por sons mais clássicos e orgânicos que vez ou outra os aproxima de estilos mais tradicionais do rock e metal. Em tempos de captadores superpoderosos e modelos de instrumento com vinte cordas, é bom ter um “respiro” nesse sentido.
Meu atrevimento, porém, não deixaria passar batido um ponto de atenção a uma banda repleta de gente tão competente: o visual. Nada contra a citada calça de ginástica, já que neste caso a situação é coletiva. Musicalmente o entrosamento era visível (e isso é o mais importante), mas ao olhar para o palco, parecia que cada integrante vinha de uma banda diferente. É importante transmitir unidade em todos os sentidos, não só no som.
Ainda assim, que bom que o único ponto de atenção é estético. Com ótima performance e repertório autoral redondo, o Lufeh tem tudo para ir longe. Músicas como a arrojada “The Unknown”, a melódica “My World” e a groovada “Escape”, todas presentes no álbum “Luggage Falling Down” (2020), foram alguns dos destaques.
Um vídeo de “My World” e o setlist completo, conforme repassado pelo próprio Lufeh, estão disponíveis abaixo. Clique aqui para conhecer mais sobre a banda Lufeh.
- Find My Way
- The Unknown
- Doors
- My World
- Escape
- Trial of Escapade
- The Edge
“Sons of São Paulo”
Embora o anúncio original confirmasse o início do show principal às 22h, uma atualização colocou a performance para 22h15. Pontualmente neste horário, foi tocada a introdução pré-gravada de “Goodbye Divinity” enquanto cada integrante do Sons of Apollo subia ao palco – e era recebido por fãs aos gritos.
Quando a música que também abre o álbum “MMXX” (2020) começou a ser performada de verdade, a plateia foi ao delírio de vez. As reações durante esta canção e o setlist no geral se dividiam entre cantar junto especialmente o refrão e ficar boquiaberto com a precisão técnica da performance como um todo. Assistir a esses caras ao vivo é como colocar o disco para tocar. Execuções, timbres, volumes… no geral, tudo foi reproduzido do exato jeito que nos acostumamos a ouvir no CD/streaming.
“Fall to Ascend”, outro grande som do álbum mais recente, colocou em evidência outros elementos que fizeram este show ser tão bom: o peso oferecido pelos instrumentos doubleneck e timbragens da dupla Ron “Bumblefoot” Thal + Felipe Andreoli e o domínio que Jeff Scott Soto apresenta das funções de frontman. Além de gigantesco cantor que preserva suas capacidades mesmo no alto de seus 56 anos, JSS fica tão à vontade no palco que transforma tudo aquilo em uma grande festa. Interações como diálogos e danças bem-humoradas durante as seções instrumentais ajudaram muito a quebrar o gelo de um show que, dado o rigor técnico da performance, poderia ficar “sério” demais.
Na sequência, um pequeno intervalo para a primeira conversa formal de Soto com o público. O vocalista relembrou a espera de 2 anos e meio para a banda enfim voltar ao Brasil (ainda que ele, sozinho, tenha feito shows por aqui em 2020 – no formato live no Manifesto Bar – e no início deste ano), afirmou que tinha certeza de que todos os fãs estariam presentes mesmo com todo esse atraso e brincou: “aqui não somos mais o Sons of Apollo, mas sim o Sons of São Paulo”.
Passado o diálogo, a pesada “Signs of the Time” foi apresentada e, novamente, todos os elementos ouvidos no álbum foram reproduzidos por aqui. Além dos sons graves notados nos riffs, Bumblefoot se destacou por seu solo impactante enquanto todo o restante do instrumental toca de forma suave. Como JSS, Mike Portnoy também se mostrou à vontade e chegou a tocar alguns compassos em pé, levando a plateia ao delírio.
O baterista também ficou a cargo de introduzir com um breve solo de bateria a música “Wither to Black”, guiada por um groove raro entre bandas de veia mais progressiva. Aliás, é bom deixar claro: a influência prog não impede o Sons of Apollo de flertar com outras ramificações do rock e metal. A presença de fortes refrães em quase todas as músicas e de riffs pesados aproxima o grupo do hard rock e até de subgêneros mais alternativos. E tudo é feito com naturalidade, o que é ótimo.
Durante nova pausa para bater um breve papo com o público, Soto se arriscou no português ao dizer que tudo aquilo ali era “do car#lho”. O cantor lembrou que todos os integrantes têm história com São Paulo e apresentou a música seguinte, “Alive”, explicando que sua letra fala sobre sair vivo do vício em álcool – que, no Brasil, causou 18,4% mais mortes em 2020 na comparação com 2019. Quase uma semibalada, a faixa representou um dos momentos mais melódicos do show.
O momento afável em termos de harmonia musical logo foi seguido por dois dos números mais caóticos do repertório: “Asphyxiation”, com direito a JSS usando megafone no meio da música, e a acelerada “Lost in Oblivion”, trazendo mais um breve solo de bateria em seu miolo. Mas logo o ritmo caiu novamente para a bela “Desolate July”, carregada de emoção em virtude dos tributos feitos.
Jeff lembrou que a faixa foi composta em homenagem a David Z, seu colega no projeto Soto morto aos 38 anos de idade, em 2017, num acidente de trânsito com o Adrenaline Mob. Porém, o cantor também dedicou a performance a seu pai, Joe V. Soto, falecido no último mês de julho aos 79 anos. Sentimentos à parte, a performance fez justiça a Bumblefoot, que voltou a se mostrar peça essencial do supergrupo não apenas pelo talento na guitarra como também pelos backing vocals mais agudos, com bom entrelace à voz de JSS.
Depois de tantas músicas cantaroláveis e algumas bem melódicas, era hora do Sons of Apollo agradar aos mais entusiastas do lado prog da força. A primeira neste sentido, “King of Delusion”, é claramente guiada por Derek Sherinian, responsável por uma passagem de teclado que se repete ao longo da faixa.
Precedida por Soto dizendo que não gosta de chamar o novo álbum de “2020” (“vocês sabem o que aconteceu…”) e uma execução improvisada do hino nacional brasileiro por Bumblefoot, a longa “New World Today”, com seus 16 minutos de duração, trouxe todos os integrantes dando show em meio a compridas passagens instrumentais e precisas mudanças de andamento. O solo de baixo no miolo da canção foi tocado perfeitamente por Felipe Andreoli, que nem parecia substituto e foi merecidamente ovacionado pelos presentes.
Por falar em solo, Sherinian foi o único integrante a ter um momento totalmente individual no palco – não fez feio, como esperado, e ainda preparou a plateia para “Coming Home”, música cantada a plenos pulmões ao encerrar o set regular. No meio da canção, o soltíssimo Jeff Scott Soto incentivou variados coros dos presentes: de “I’m coming home” a “Sons of São Paulo”, passando por “vira vira vira” enquanto entornava um copo de caipirinha. O drink tipicamente brasileiro certamente é uma das razões que fazem o vocalista gostar tanto do nosso país.
Seja para fazer um charme ou dar um tempo para retomar o fôlego, o quinteto deixou o palco e fez um pequeno intervalo antes de voltar para o bis com “God of the Sun”. Naquela que foi a sua quarta troca de figurino, Soto surgiu com uma camisa da seleção brasileira de futebol como homenagem a um público que, como naquela noite, sempre o recebeu tão bem. Ainda que longa e progressiva, a canção que abre o álbum de estreia do grupo, “Psychotic Symphony”, não abdica dos fortes ganchos melódicos. Uma boa escolha para encerrar o set, concluído de vez com uma gravação de “Happy Trails” (original de Roy Rogers e Dale Evans, na versão do Van Halen).
Além da técnica, coragem
Em seu show, o Sons of Apollo impressionou por uma série de fatores. Alguns deles já foram descritos no texto, como a perfeição nas performances individuais / coletiva e a capacidade de Jeff Scott Soto em deixar um show prog menos sisudo e mais divertido.
Fora isso, também chamou atenção que o grupo tenha conseguido encher uma casa com capacidade para 4 mil pessoas na pista e entretido com um repertório exclusivamente de músicas próprias. E o último aspecto citado, em especial, merece destaque.
Dado o vasto currículo de todos os envolvidos, seria muito fácil arquitetar um setlist com menos canções autorais e mais versões para hits do passado. Ninguém os criticaria por isso. Alguns desavisados até poderiam comparecer ao evento esperando releituras de Dream Theater e Yngwie Malmsteen ou covers de Queen (sempre bem interpretados por JSS), só para citar alguns exemplos.
Que bom que isso não aconteceu. Ainda bem que os caras não caíram nessa tentação e tiveram coragem de bancar as obras criadas para esse projeto. Seria um desperdício deixar de lado composições tão fortes, responsáveis por fazer do Sons of Apollo um dos poucos supergrupos que se sustentam não apenas pelo peso dos nomes envolvidos, para apresentar uma “noite de covers”.
No fim das contas, os fãs agradecem – e, como visto na fria noite de sábado em São Paulo, retribuem.
Sons of Apollo – ao vivo em São Paulo
- Local: Tokio Marine Hall
- Data: 13 de agosto de 2022
- Turnê: MMXX
Repertório:
- Goodbye Divinity
- Fall to Ascend
- Signs of the Time
- Wither to Black
- Alive
- Asphyxiation
- Lost in Oblivion
- Desolate July
- King of Delusion
- New World Today
- Figaro’s Whore + Solo de teclado de Derek Sherinian
- Coming Home
Bis:
- God of the Sun
*Fotos de Raphael Mastandréa / Sonoridade Underground
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