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Crítica: “Não! Não Olhe!”, de Jordan Peele, derrapa com roteiro problemático

Aclamado diretor acerta em escolha de elenco e cenas de suspense, mas não conecta ideias que deveriam guiar sua própria crítica e dar sentido à obra

Para conceber seu terceiro filme, “Não! Não Olhe!” (“Nope” no título original), o diretor americano Jordan Peele claramente se inspirou em muitos clássicos do cinema. Não faltam referências a ele, visto que estamos falando de um cineasta premiado com Oscar e responsável por dois dos melhores longas da última década: “Corra” e “Nós”, terrores clássicos magistrais carregados de críticas sociais.

Uma espécie de revisitação moderna ao gênero western conduz a nova obra. Traz suspense, terror e comédia, bebendo da fonte de filmes como “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” (Steven Spielberg) e “Sinais” (M. Night Shaymalan).

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Por tudo isso, havia muita expectativa em torno de “Não! Não Olhe”. Infelizmente, porém, estamos diante de um filme mediano.

Falta pedaço no roteiro

“Não! Não Olhe!” conta a história dos Haywood, uma família negra pioneira em adestramento de cavalos para Hollywood. Após a morte misteriosa do pai, interpretado pelo lendário ator Keith David, os irmãos se veem à beira da falência e com algo rondando suas terras pelo ar.

Ao se darem conta que é um OVNI, passam a tentar capturar, de toda forma, imagens sobre o gigantesco objeto na esperança de lucrar com isso. Ao mesmo tempo, somos apresentados a um acontecimento do passado. Em uma gravação de uma sitcom de sucesso, um chimpanzé adestrado se descontrola e destrói todo o set de filmagem – inclusive, matando praticamente a todos que lá estavam.

Como nos antecessores, há críticas sociais válidas por aqui. O cineasta nos traz uma ideia de cowboy negro, já tão esquecido pelo cinema, e reflete sobre a importância da história dos negros na participação da construção da própria Hollywood. Há ainda, em tom crítico mais forte, ponderações sobre quem busca obter dinheiro e fama custe o que custar. Em tal situação, capturar uma imagem que lhe renda milhões e manchetes vale mais do que sua própria vida. Talvez tenha também alguma crítica envolvendo animais e seus instintos, mas não é explícita.

O problema é que o roteiro e a montagem pecam demais. Falta algo. Algum diálogo para amarrar melhor as coisas ou alguma cena para deixar tudo um pouco mais claro.

Em meu ver, há uma crítica não-confirmada com ligação à seguinte ideia: sempre que você olhar para aquele objeto voador, sua vida se vai. A partir daí, tem-se duas perspectivas interessantes. Uma delas é a do consumismo. Quantas vezes não somos levados para um destino sombrio por nossos olhos observarem algo? A outra é quase religiosa: ao olhar para cima, para a criatura em questão, você é devorado. Provavelmente um comentário destinado aos religiosos que tanto olham para cima e acabam devorados por aquela figura que ninguém compreende ou atesta a própria existência.

Ainda assim, faltou muito do filme de Jordan Peele. Não há um capricho final para que suas mensagens fossem melhor passadas. Deste modo, o resultado é apenas um longa mediano, com boas cenas em dados momentos. O ritmo extremamente lento não seria demérito não fosse o roteiro problemático.

Por outro lado, a escolha de elenco foi acertada. Daniel Kaluuya, como o protagonista OJ, entrega o que já é esperado de um ator deste nível. A interpretação de Keke Palmer para Emerald Haywood, irmã de OJ, também se destaca pelo tempo cômico perfeito e química com Kaluuya. O elenco também traz o ótimo Steven Yeun e os corretos Brandon Perea e Michael Wincott.

O público terá boas interpretações, uma comédia refinadíssima, cenas lindas para se ver no IMAX, poucos e bons momentos de suspense e só. “Não! Não Olhe!” é um filme nota 6,5 que se vende como algo a mais, mas esse “algo a mais” talvez tenha ficado esquecido na cabeça de Peele ou na sala de montagem.

Comparação com M. Night Shyamalan

M. Night Shaymalan é um bom ponto de alerta para Jordan Peele. Sinto amor e respeito pela forma como o cineasta indiano escreve e coordena seus suspenses – é fora do normal. “O Sexto Sentido”, “Sinais”, “Corpo Fechado” e “A Vila” são alguns dos destaques de sua obra.

Porém, com o passar do tempo, Shaymalan se perdeu. Hoje, seu nome é sinônimo de decepção. Ainda assim, seu talento é forte a ponto de ele conseguir entregar materiais fortes, como a assustadora primeira metade de “Fim dos Tempos”, o bom “Fragmentado” (que tinha potencial para ir muito além) e o mais recente “Tempo”, que só não entra na lista de seus melhores por conta do final.

Jordan Peele sofre com algumas comparações – algumas até preconceituosas, como o título de “Tarantino negro” –, mas não há como não traçar alguns paralelos. Como Shyamalan, Peele tem o terror e o suspense como preferências. Porém, o americano vem da comédia e insere pitadas cômicas de forma primorosa em meio ao caos assustador. Também há preocupação em realizar um cinema mais crítico, o que ele conseguiu com êxito até agora.

A impressão passada é que em “Não! Não Olhe!”, o diretor só queria narrar um grande terror e suspense baseado em filmes de questões extraterrestres. Um “Sinais” ou “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” para chamar de seu. Porém, a introdução de um ponto de vista crítico à sociedade não se conectou e lhe custou a perda do caminho original.

Se Peele continuar a trilhar o caminho de Shaymalan, poderá se perder. Talvez seja hora de Peele focar apenas em uma coisa dentro de seus filmes, nem que seja só pelo entretenimento.

No fim das contas, o público se vê diante de uma bagunça que não assusta ou perturba, nem cria questionamentos ou reflexões. Sinal de alerta para um cineasta que vinha de dois acertos.

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Raphael Christensen
Raphael Christensenhttp://www.igormiranda.com.br
Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

4 COMENTÁRIOS

  1. Então… o filme todo tem vários exemplos de dominação, e muitas metáforas… primeiro é a dominação do homem branco dentro do mercado cinematográfico. O negro, mesmo participando do processo de criação sempre trabalhou nos bastidores… é o caso dos irmãos, ele o domador de cavalos e ela que o faz tudo…. A relação dos irmãos tbm é uma relação de dominação. O menino sempre foi “domado” pelo pai. E a menina não tem quem domine ela. Ela faz o que quer, a hora que quer e fala o quer… desde a cena que ela chega atrasada no estudio (mostra que ela não segue regras) até nas cenas que ela nunca faz nada do que o irmão manda. Depois… o sinal que dominação é olhar. Quando vc encara uma pessoa ou um animal vc enfrenta. Por isso o olhar pra baixo demonstra submissão. E quando o irmão aponta pra irmão com os dedos nos olhos ele tá dizendo, tô de olho em vc, vou te dominar. Ela nunca aceitou isso. Mas ao mesmo tempo é essa técnica de dominação que ele domina que salva a vida deles quando o ataque do alien começa. Por isso o título do filme. E as várias vezes que ele se recusa ele fala NOPE.
    A figura do alien é o ser onipresente, que está no céu, acima de tudo comandando. Se alimentando daqueles que ele passa a dominar. Daí dá pra fazer várias relações com a dominação do homem branco sobre o negro, a dominação da religião, a opressão. Enfim, o alien é aquele animal selvagem que se alimenta, que suga, que destrói tudo. Ele domina. Ele é Hollywood, como diz o ditado popular: “Hollywood chews people up and spits them out”, algo como “Hollywood mastiga pessoas e as cospe”. …

    Exatamente o que o alien faz… e que só é destruído quando mastiga o cowboy branco.

    Crítica ao apagamento dos atores negros, asiáticos e latinos. Crítica a maneira exploratória de Hollywood que suga animais e humanos. Os shows de espetáculo, a mídia e o abuso do uso de imagens a qualquer custo (dá se a vida em trica de imagens). A estupidez humana no seu auge. E no final, os negros que salvam a pátria. Uma mulher que é agil, faz de tudo um pouco e dá um baile de inteligência no final.

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