A história de “Bad”, o álbum mais feroz de Michael Jackson

Como suceder o disco mais popular da história? Fazendo outro quase tão bem-sucedido quanto

Michael Jackson estava no topo da indústria da música de um jeito que nenhum artista solo antes esteve. “Thriller” quebrou todos os recordes concebíveis de vendas e redefiniu os parâmetros de sucesso dali em diante.

Em 2019, a Newsweek caracterizou a situação do cantor da seguinte maneira:

“Como diabos você faz outro disco depois de ‘Thriller’? É como fazer uma sequência da Bíblia.”

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A resposta encontrada por Michael e Quincy Jones foi provar que o rei do pop ainda era mau.

“Thriller” e tretas

Apesar de “Thriller” ter sido um sucesso esmagador de vendas, o período após o lançamento ficou mais marcado pelas polêmicas envolvendo Michael Jackson e sua família do que lembramos. Em vez de sair em turnê para promover o álbum, o cantor foi convencido a se reunir com seus irmãos para um disco e uma série de shows do Jackson 5 batizada “Victory”.

Além da tour, foi estabelecido um contrato com a Pepsi para os irmãos estrelarem a nova campanha publicitária da companhia. Os Jacksons receberam US$ 5 milhões, um valor inédito para garotos-propaganda.

Foi filmando um comercial para a Pepsi que o cantor sofreu seu acidente mais famoso, sendo atingido por fogos pirotécnicos. Jackson sofreu queimaduras de segundo grau no couro cabeludo. Durante o período de internação, ele fez sua terceira rinoplastia, alterando significativamente sua aparência.

A turnê de “Victory”, apesar do público de dois milhões de pessoas nos Estados Unidos, foi um fracasso. Protestos da comunidade afroamericana com relação ao preço abusivo dos ingressos fizeram Michael doar sua parte da renda, estimada entre US$ 3 milhões e US$ 5 milhões, para caridade.

Enquanto isso, os custos estratosféricos da produção causaram uma acumulação de prejuízos tão grande que o principal financiador dos shows, Chuck Sullivan, dono do time de futebol americano New England Patriots, precisou vender o estádio onde eles jogavam para cobrir as dívidas.

Além disso, as tensões entre os irmãos chegaram a um ponto de ebulição. Michael não era simplesmente o membro do Jackson 5 mais bem-sucedido: ele era o único a conseguir sucesso. Todos seus irmãos haviam fracassado na busca do estrelato solo. Ver o caçula dos cinco no topo do mundo atiçou os ciúmes de todos.

No último show da turnê, Michael anunciou sua saída definitiva do grupo, rompendo de vez com sua família.

Como Joyce McCrea, uma funcionária da família falou à Spin em 1987 sobre a ruptura :

“Foi devastadora. Essa foi a culminação da pior experiência dele com a família. O tremendo sucesso de Michael afetou todos os membros da família dele. Alguns estão com ciúmes, existe negação, existe toda a gama de emoções humanas. Jackie é o mais amargurado, o mais magoado pelo sucesso de Michael, porque ele se pensa quem colocou Michael na frente do grupo pra começo de conversa. Ele também é o mais velho. Existe uma presunção que ele criou Michael.”

Michael não estava somente em crise com sua própria família. Sua aquisição do catálogo dos Beatles arruinou sua amizade com Paul McCartney. O elo do cantor com Diana Ross também se desfez, embora em circunstâncias menos dramáticas.

Mais confusão

Talvez o conflito mais importante desse período tenha sido do cantor com sua religião. Michael Jackson foi criado dentro da comunidade das Testemunhas de Jeová e a temática de suas canções desagradava profundamente as pessoas no comando da seita.

O fim da picada foi o clipe de “Thriller”, que aborda diversos temas sobrenaturais e sexuais. O quartel-general das Testemunhas nos Estados Unidos divulgou uma nota para condenar o vídeo quando começou a passar frequentemente na MTV. Pressões sobre Michael o fizeram repudiar publicamente o trabalho, prometendo nunca mais fazer algo remotamente parecido.

Em meio a tudo isso, o artista não possuía mais privacidade, sendo constantemente seguido por tabloides e fãs onde quer que fosse. Foi nessa época que a imprensa começou a comentar sobre o clareamento de sua pele. O cantor demonstrava sintomas de vitiligo e lúpus cutânea desde 1983 e estava fazendo uso de maquiagem e cremes de clareamento para esconder os efeitos da doença.

Essa mudança na aparência e reportagens de hábitos estranhos, como dormir em câmaras hiperbáricas, ter um chimpanzé de estimação e supostamente comprar a ossada de John Merrick, o Homem Elefante, mostravam um tratamento diferente do normalmente oferecido à celebridades brancas.

Michael Jackson era o homem negro mais famoso da história do entretenimento àquele ponto e se encontrava mais famoso que qualquer branco. Além disso, acumulava poder com as aquisições de catálogos. A mudança na opinião pública, ou na apresentação dele à opinião pública, após isso foi pronunciada. 

Nessa época surgiu o apelido Wacko Jacko para se referir ao cantor, cortesia de tabloides ingleses. A alcunha tinha uma conotação racista forte, uma vez que Jacko era uma gíria associada a macacos no Reino Unido.

No ensaio “Here Be Dragons”, publicado no livro “The Price of the Ticket”, o escritor americano James Baldwin escreveu sobre como essa mudança refletia um problema maior nos Estados Unidos:

“A cacofonia de Michael Jackson é fascinante, na medida em que não é sobre Jackson. Espero que ele tenha o bom senso de saber isso e a boa sorte de tirar sua vida das mandíbulas de um sucesso carnívoro. Ele não será facilmente perdoado por ter virado tantas mesas. Porque ele pegou o anel de latão, e o homem que quebrou a banca em Monte Carlo tem nada em comparação a Michael. Todo esse ruído é sobre a América, como o desonesto guardião da vida dos negros e da riqueza; os negros, especialmente os homens, na América; e a queima, a culpa americana enterrada; e sexo e papéis sexuais e pânico sexual, sucesso, dinheiro e desespero.”

Ao contrário do que Baldwin desejava, Michael estava planejando mergulhar de cabeça mandíbulas adentro.

“Bad” e os 100 milhões

Mesmo durante todas essas polêmicas, Michael Jackson trabalhava incansavelmente com Quincy Jones no que seria o sucessor de “Thriller”. Mais de 60 músicas foram compostas entre 1985 e 1987, mas o processo era constantemente atrapalhado por obrigações contratuais com seus patrocinadores ou por períodos de baixa autoestima do cantor.

Em meio a tudo isso, ele abandonou as sessões para estrelar em “Captain EO”, um filme dirigido por Francis Ford Coppola para ser exibido exclusivamente na Disneylândia. Ao saber que o cantor havia composto músicas para a trilha deste, o presidente da gravadora ameaçou processar ele e a Disney.

Ainda assim, algo interessante estava ocorrendo no estúdio. Jackson era dito ter dois objetivos principais com o próximo disco. O primeiro era criativo. Ele baixou uma ordem a seus colaboradores de que queria sons nunca antes ouvidos por ouvidos humanos. O segundo demonstrava o aspecto mais terreno de sua ambição: 100 milhões de álbuns vendidos.

Para isso, foi reunida uma equipe de músicos e inovadores técnicos em seu estúdio em Hayvenhurst, apelidado de O Laboratório. Experimentações eram feitas diariamente com sintetizadores de ponta como o Fairchild CMI e o Synclavier PSMT.

Interessado em ir mais a fundo nessa tecnologia, Michael e Quincy recrutaram nomes como Denny Jaeger, um especialista no Synclavier que acabou contribuindo para “Dirty Diana” e “Smooth Criminal”. Numa entrevista para a Vanity Fair, ele falou sobre a experiência de trabalhar no disco:

“Michael estava sempre à procura de algo novo. Quantas coisas poderíamos inventar nós mesmos ou encontrar através de pesquisa? Tinha muito disso acontecendo. Isso era o lema do Laboratório.”

Michael Jackson humanizado e maduro

Em meio a essas inovações sonoras, Michael fazia questão de humanizar a música, seja através de sua performance ou capturando momentos espontâneos. Durante as sessões que renderam a faixa-título do disco, o organista Jimmy Smith havia acabado de gravar uma tomada quando alguém perguntou se os ruídos feitos pelo músico haviam sido captados sem querer.

O cantor na hora fez questão de fazer mais uma tomada da faixa, dessa vez capturando intencionalmente todos os aspectos sonoros da performance do organista. Em meio ao pop futurista, Michael buscava na espontaneidade e paixão de herois como James Brown o necessário para elevar tudo.

“Bad” também marcou a maturidade de Michael como compositor. Nove das 11 faixas do disco foram compostas pelo cantor, explorando todos os temas de sexualidade, paranoia, superexposição na mídia, além de reflexão pessoal. Tudo explorado em “Thriller” era levado mais à fundo nesse álbum.

Além disso, a sonoridade também levava tudo aos extremos. Os elementos responsáveis pelo sucesso crossover de “Thriller” agora eram maximizados. O rock era mais pesado, os grooves mais suingados, as baladas mais dramáticas. O clima geral era praticamente messiânico.

Iconografia

Estar armado de um disco do calibre de “Bad” não era suficiente. Os clipes precisavam ser ainda melhores que os de “Thriller”. Para o vídeo da faixa-título, Michael recrutou Martin Scorsese para a direção. Durante as gravações, os dois constantemente brigavam devido ao desejo do cantor de controlar todos os aspectos criativos de sua obra.

O roteiro do clipe, escrito por Richard Price, era uma resposta à “Amor, Sublime Amor”, famoso musical inspirado por Shakespeare contendo um debate sobre a experiência de não ser branco nos EUA. 

Ecoando a letra da canção, o curta de 18 minutos trata de um garoto negro estudante de escola particular, tentando fazer uma vida melhor para si, mas sendo tentado pelo seu passado violento. 

Michael e Scorsese acabaram fazendo as pazes, mas o orçamento final de US$ 1,5 milhão fez de “Bad” um dos clipes mais caros da história até então.

Vários clipes de canções do disco fizeram parte do longa experimental “Moonwalker”, uma antologia de curtas que incluíam além dos vídeos performances ao vivo, documentários, além de animações surrealistas.

O principal destaque desse filme ficou para o clipe inédito de “Smooth Criminal”, durante o qual Michael e seus dançarinos fizeram o passo famoso onde todos se inclinam quase sobrenaturalmente para frente.

No making of do clipe (transcrição via Vanity Fair), o cantor articula para o diretor Colin Chivers e o coreógrafo Vincent Paterson como ele queria tudo – linguagem visual e dança – culminando na ponte da canção:

“É por isso que erguemos uma montanha e trazemos tudo abaixo. Quero que a música represente como nos sentimos. Tem que ditar nossa emoção, nossos humores. Estamos expressando como todos se sentem. Entendem o que digo? Estamos soltando tudo que quisemos dizer para o mundo. Paixão e raiva e fogo!”

Não superou, mas mesmo assim

“Bad” não bateu “Thriller”, mas ainda assim 36 milhões de cópias colocam o disco entre os maiores sucessos da história da indústria musical. Topo das paradas em 26 países, incluindo os EUA e o Reino Unido. Álbum mais vendido do ano de 1987 e 1988. Em 1991, era o segundo LP mais popular da história, atrás apenas de seu antecessor.

A turnê subsequente, a primeira vez que Michael cruzava o mundo como artista solo, arrecadou US$ 125 milhões, fazendo dela a mais bem sucedida da década de 80. Foram 123 shows em 15 países, com 4.4 milhões de espectadores. 

Michael continuou o sucesso com seu lançamento subsequente, “Dangerous”, que o fez abraçar a sonoridade contemporânea do R&B e as influências do hip-hop graças à presença do produtor Teddy Riley, o ajudando a transicionar para os anos 90 com sua reputação intacta.

Contudo, foi “Bad” o disco responsável por mostrar ao mundo que Michael era sim o maioral.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

1 COMENTÁRIO

  1. Michael Jackson fez parte da minha geração em termos de música, conhecimento e até nos games…lembro de jogar Moonwalker no poderoso Mega Drive e da versão Fliperama!!!! Cresci vendo Video clipes, shows e algumas raras entrevistas dele!!!! Tem muito metaleiro que tem medo de assumir de gostar das músicas de Michael, eu assumo…gostava do disco Bad, marcou muito para mim!!!! Valeu!!!!

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