“My nose is clean and lordy, don’t need no sedation”, canta Steven Tyler na faixa que dá nome a “Permanent Vacation”, o nono álbum de estúdio do Aerosmith. Em tradução livre para o português, seria algo como: “Meu nariz está limpo, não precisa de sedativos”.
Livre dos velhos hábitos cocaleiros e gozando de uma recém-conquistada popularidade graças ao sucesso que a regravação de “Walk This Way” pelo Run-D.M.C. fez na programação da MTV em 1986, a banda logo pegou carona — ou, melhor, foi obrigada a pegar — no filão das hairbands que tomavam conta das paradas de sucessos da época.
A fim de posicionar os já veteranos Tyler (vocais), Joe Perry (guitarra), Brad Whitford (guitarra), Tom Hamilton (baixo) e Joey Kramer (bateria) lado a lado com aqueles que se diziam influenciados por eles, a Geffen Records, na figura de seu principal caça-talentos, bolou um plano de batalha ostensivo, o qual será desenhado nas linhas a seguir.
O verdadeiro álbum da “volta”
Embora o álbum anterior “Done with Mirrors” (1985) tenha marcado o retorno dos guitarristas Joe Perry e Brad Whitford ao Aerosmith e sido vendido como a “volta” da banda, as expectativas comerciais não foram correspondidas.
As duas músicas de trabalho foram “Let the Music Do the Talking” — uma regravação da faixa-título do primeiro álbum do Joe Perry Project com letra e melodia modificadas — e “Shela”. Nenhuma delas emplacou. Consequentemente, o disco de ouro, indicativo de 500 mil cópias vendidas nos Estados Unidos segundo critério da Recording Industry Association of America (RIAA), só viria oito anos mais tarde.
Por isso, “Permanent Vacation” é frequentemente considerado o verdadeiro álbum da “volta”, já que foi o primeiro genuinamente popular do grupo desde a reunião. Além das vendas que ultrapassam a casa dos cinco milhões, três singles entraram no top 20 americano.
Apresentando os compositores de fora
Não obstante “Permanent Vacation” ter sido o primeiro trabalho livre de aditivos tóxicos feito pelos outrora denominados Toxic Twins Steven Tyler e Joe Perry, a sobriedade aqui talvez não seja o X da questão.
O que mudou mesmo em relação ao modus operandi de álbuns anteriores foi a inclusão, por insistência de John Kalodner, profissional de Artistas e Repertório (A&R) que trabalhava diretamente com a banda junto à gravadora, de compositores de fora.
Inicialmente a contragosto do grupo, Kalodner trouxe a bordo uma trinca que fez a diferença: Desmond Child, Holly Knight e Jim Vallance.
Mais conhecido dos três, Child foi coautor de “I Was Made for Lovin’ You”, do Kiss, que posteriormente lhe rendeu uma parceria com o Bon Jovi, resultando em hits como “You Give Love a Bad Name” e “Livin’ on a Prayer”. Fora do rock, escreveu “How Can We Be Lovers?” (Michael Bolton) e, pasme, “Livin’ La Vida Loca” (Ricky Martin).
Já Knight, embora tenha tentado carreira de musicista à frente de grupos como o Spiders e o Device, bombou mesmo no rol das compositoras e é quem assina alguns dos maiores sucessos de artistas como Tina Turner e Pat Benatar. “The Best” (Turner) e “Love is a Battlefield” (Benatar) são de sua autoria.
Por fim, Vallance tende a ser lembrado como grande parceiro de composição de Bryan Adams e corresponsável por clássicos do naipe de “Heaven” e “Summer of ‘69”. Contudo, em seu currículo constam ainda “What About Love”, do Heart, e “Don’t Forget Me (When I’m Gone)”, principal música pela qual o Glass Tiger é lembrado e que rendeu a Jim o Juno Awards de Música do Ano em 1986.
Caras que são moças, moças que são anjos
Acostumados a compor à sua maneira, Steven Tyler e Joe Perry não receberam de braços abertos as colaborações de fora. Tão logo viram o quanto isso poderia ser valioso — no sentido mais vendedor da palavra —, baixaram as armas e se deixaram levar por aqueles que, inegavelmente, manjavam do riscado.
O gelo foi quebrado quando Tyler apresentou a Desmond Child uma música nova na qual estava trabalhando, inicialmente de nome “Cruisin’ for the Ladies”. Child achou o título e a letra enfadonhos, mas enxergou potencial no riff à AC/DC de Perry. Após uma revisão completa — incluindo a escrita de uma letra baseada em quando Tyler avistou Vince Neil, do Mötley Crüe, pela primeira vez e pensou se tratar de uma mulher —, estava pronto um dos carros-chefes do vindouro álbum: “Dude (Looks Like a Lady)”.
Child também foi responsável por apresentar à dupla as power ballads. Com “Angel” — que, reza a lenda, foi composta em cinco minutos —, o Aerosmith obteve seu maior sucesso nos Estados Unidos até aquele momento, ficando em 3º lugar nas paradas de singles e tomando de assalto as rádios FM do país.
A faixa ainda baixou o decreto de que nunca, jamais, em hipótese alguma, o grupo lançaria um álbum que não tivesse pelo menos uma balada. O quão alto voaram “Amazing”, “Crazy” e “I Don’t Wanna Miss a Thing” quando de seus lançamentos é a prova de que a decisão foi das mais auspiciosas.
A chave da porta de trás
Mas nem tudo em “Permanent Vacation” é rompimento e atualização. Que o diga “Hangman Jury”, curiosamente escolhida como primeira música de trabalho.
Seu fundamento sonoro e temático é o blues; mais especificamente a faixa “Linin’ Track”, de Huddie Ledbetter, o mesmo Leadbelly que caiu no conhecimento de toda uma geração de fãs de rock em razão do cover de “Where Did You Sleep Last Night” lavrado pelo Nirvana em seu MTV Unplugged.
Outro vínculo com o passado é mantido em parte das letras, como na de “Rag Doll”. Apesar do crédito compartilhado com Holly Knight e Jim Vallance, é o puro suco de Steven Tyler e Joe Perry quando se juntam para falar sacanagem.
Inicialmente chamada de “Rag Time”, numa alusão ao gênero musical norte-americano do século XIX — daí a ideia para a seção de sopros —, a música se metamorfoseou num catadão de metáforas sobre sexo, com direito a duplos-sentidos e uma nem tão sutil referência à prática anal; a exemplo do que o Kiss, outrora rival do Aerosmith, havia feito em “Nothin’ to Lose”, de seu álbum de estreia.
Sucesso imediato e turnê arriscada
Produzido por Bruce Fairbairn — também indicação de John Kalodner — e trazendo na ficha técnica nomes como Bob Rock (creditado como engenheiro de som), Mike Fraser (hoje produtor do AC/DC, na época engenheiro assistente) e George Marino, “Permanent Vacation” chegou às lojas no dia 18 de agosto de 1987. Não tardou a figurar entre os mais vendidos tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, onde bateu a impressionante marca de 100 mil cópias.
Visando à maximização total dos lucros, a Geffen pôs o Aerosmith na estrada com um de seus mais novos contratados, o Guns N’ Roses, como banda de abertura. A turnê foi movida a tudo que é tipo de droga que equivaleu a uma prova de fogo para Steven Tyler e seus companheiros recuperados do vício.
Nenhuma recaída foi documentada. Ainda bem.
Aerosmith – “Permanent Vacation”
- Lançado em 18 de agosto de 1987 pela Geffen Records
- Produzido por Bruce Fairbairn
Faixas:
- Heart’s Done Time
- Magic Touch
- Rag Doll
- Simoriah
- Dude (Looks Like a Lady)
- St. John
- Hangman Jury
- Girl Keeps Coming Apart
- Angel
- Permanent Vacation
- I’m Down (cover dos Beatles)
- The Movie
Músicos:
- Steven Tyler (vocal, piano, gaita, órgão, surdina)
- Joe Perry (guitarra solo em todas as faixas exceto 10 e 12, guitarra solo e rítmica na faixa 1, backing vocals, pedal steel na faixa 3)
- Brad Whitford (guitarra rítmica em todas as faixas, guitarra solo e rítmica na faixa 1, guitarra solo nas faixas 8, 10 e 12)
- Tom Hamilton (baixo)
- Joey Kramer (bateria)
Músicos adicionais:
- Drew Arnott (mellotron nas faixas 9 e 12)
- Tom Keenlyside (clarinete, saxofone tenor, arranjo de trompa nas faixas 3 e 5)
- Ian Putz (saxofone barítono nas faixas 3 e 5)
- Bob Rogers (trombone nas faixas 3 e 5)
- Henry Christian (trompete)
- Bruce Fairbairn (trompete, violoncelo, backing vocals)
- Scott Fairbairn (violoncelo)
- Mike Fraser (surdina)
- Morgan Rael (tambores de aço)
- Jim Vallance (órgão nas faixas 3 e 4)
- Christine Arnott (backing vocals na faixa 12)
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