As duas décadas passadas desde o seu lançamento reforçaram o status de título mítico do power metal ostentado por “Rebirth”. O quarto álbum de estúdio do Angra faz jus ao nome, pois consistiu não só num renascimento para a banda após a saída do vocalista Andre Matos — que levou a tiracolo o baixista Luís Mariutti e o baterista Ricardo Confessori — como lhe proporcionou um novo pico de popularidade, traduzido em feitos de abrangência global e números impressionantes dentro do Brasil.
Da formação responsável por “Rebirth”, apenas o guitarrista Rafael Bittencourt e o baixista Felipe Andreoli seguem a bordo e, fazendo as honras de capitão, é o primeiro quem comanda o Angra na presente turnê que visa à celebração de vinte anos do disco — com um ano de atraso em razão da pandemia — tocando-o na íntegra pela primeira vez.
Na última sexta-feira (1º), foi a vez de o Rio de Janeiro ser contemplado. O local, já um velho conhecido da banda, foi o Circo Voador — palco ao qual o Angra subiu outras cinco vezes, a última em 2018 durante a “Ømni World Tour”.
A poucas horas do início da festa, a produtora responsável anunciou nas redes sociais: ingressos esgotados. Mas mesmo sem a confirmação em caráter oficial daria para supor isso. Casa lotada para receber Bittencourt, Andreoli, Fabio Lione (vocal), Marcelo Barbosa (guitarra) e Bruno Valverde (bateria). Se mais por saudade dos shows presenciais ou mais pela memória afetiva ninguém poderia afirmar, mas depois de duas horas nas quais não faltaram motivos para sorrir e vibrar, cravar um porquê não faria a menor diferença.
Além de “Rebirth” na íntegra — o que significou a inclusão de “Visions Prelude” pela primeira vez no set ao vivo —, o repertório abrangeu todos os álbuns de estúdio lançados pelo Angra por meio da inclusão de uma música de cada. Apenas o EP “Freedom Call” (1997) passou em branco.
A decisão dividiu opiniões. Por mais que ninguém tenha verbalizado, fica nítido na expressão de parte dos presentes certo descontentamento — afinal, pela lógica estabelecida, músicas como “Angels Cry” (do álbum homônimo de 1993 do qual “Carry On” foi a escolhida) e “Make Believe” (de “Holy Land”, 1996, representado por “Nothing to Say”), perderam espaço para “The Rage of the Waters” e “Upper Levels” dos menos celebrados “Aqua” (2010) e “Secret Garden” (2014).
Tocado como uma única suíte de 1h de duração, “Rebirth” ecoou gritos de outrora e agiu feito uma máquina do tempo, levando cada um dos espectadores, que tinham idade e discernimento na época, de volta para 2001. No telão, alternavam-se o anjo assinado por Isabel Amorim com espectros multicoloridos e o mesmo logotipo amarelo e cor de laranja que estampava as vestes de pelo menos metade dos presentes e os produtos vendidos num muitíssimo bem-abastecido estande de merchandising — Paulo Baron, né, meu povo?
“Nova Era” (precedida pela instrumental “In Excelsis” em playback), “Millennium Sun”, “Acid Rain”, “Heroes of Sand”… só essa sequência inicial já é arrebatadora por si só. Mas a resposta do público a “Unholy Wars”, “Judgement Day” e “Visions Prelude” — com Lione substituindo a subida estratosférica de Edu Falaschi no trecho final por uma abordagem operística que provocou reações mistas — mostrou que “Rebirth” é, sim, daqueles discos que sobrevivem ao implacável teste do tempo na íntegra. A paixão com que o refrão de sua faixa-título foi entoado que o diga. Só não se emociona quem já morreu.
Dado que o último show do Angra antes do atual giro tinha sido em 2019, era de se esperar que houvesse algumas pontas soltas ou mesmo que os cinco — acompanhados pelo tecladista Dio Lima e pelo percussionista Guga Machado — até se atrapalhassem um pouco; e estaria tudo bem caso isso acontecesse. Mas, de fato, o único tropeção da noite foi culpa do retorno, que deu pau num momento crucial de “Metal Icarus”. Levando ao pé da letra a máxima jazzística que diz que o erro nada mais é do que um improviso, a banda logo se emendou e conduziu a faixa, uma das mais queridas do inacreditavelmente pouco falado “Fireworks” (1998), a seu esplendoroso final.
Quem dispunha de bateria no celular fez questão de levantá-lo com a lanterna acesa para proporcionar o clima sugerido por Lione antes da baladaça “Bleeding Heart”. Embora a letra não fale de amor, “The Shadow Hunter” foi a que talvez tenha feito mais corações dispararem, seja pela complexidade de seu arranjo — que inclui fraseados dificílimos tocados por Rafael no violão —, seja pelo fato de “Temple of Shadows” (2004) figurar, talvez tecnicamente empatado com “Rebirth”, entre os discos do Angra preferidos dos que têm entre 30 e 40 anos.
O final, surpreendendo um total de zero pessoas, coube a “Carry On”, talvez o maior hino do heavy metal brasileiro e a música capaz tanto de fazer a molecada querer tocar guitarra quanto desmotivá-la a ponto de largar o instrumento. Sob ruidosa ovação e com o pote de mana vazio, o Angra deixou o palco triunfante, de cabeça erguida e com a promessa de um regresso à capital fluminense tão logo o novo disco, sucessor de “Ømni” (2018), esteja pronto.
A abertura da noite coube ao Allen Key, grupo que obteve destaque após sagrar-se vencedor da primeira edição do concurso Girls Rock, em dezembro de 2020. Destaque para a vocalista Karina Menasce, que além da voz privilegiada é detentora de exuberante presença de palco. No repertório, cortes autorais misturaram-se a um inusitado cover de “Judas”, da cantora Lady Gaga.
Angra – ao vivo no Rio de Janeiro
- Local: Circo Voador
- Data: 1º de julho de 2022
- Turnê: Rebirth 20th Anniversary Tour
Repertório:
- Crossing / Nothing to Say
- Black Widow’s Web (Rafael e Fabio nos vocais)
- In Excelsis / Nova Era
- Millennium Sun
- Acid Rain
- Heroes of Sand
- Unholy Wars
- Rebirth
- Judgement Day
- Running Alone
- Visions Prelude
- The Course of Nature
- Metal Icarus
- The Shadow Hunter
- The Rage of the Waters
- Bleeding Heart
- Upper Levels
Bis:
- Unfinished Allegro / Carry On
Mais vídeos a seguir.
“Heroes of Sand”:
“Judgement Day”:
“Metal Icarus”:
“Bleeding Heart”:
Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Facebook | YouTube.