Crítica: “Arremessando Alto” consagra de vez Adam Sandler como bom ator

Drama esportivo da Netflix traz vibração de clássico esportivo e coroa de uma vez por todas um intérprete nem sempre reconhecido por seu talento

O público parece estar se cansando da fórmula que durante anos fez a roda do cinema girar – especialmente por conta da avalanche de conteúdo que temos hoje, inclusive dos seriados originais. Talvez seja necessário um pouco mais de “Pacificador” (série da HBO Max) ou “Coringa” (filme de Todd Phillips) e menos “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” ou “Aquaman 2”. Quem sabe…

Da mesma forma, é importante compreender que as produções de streaming não são cinema: são uma variação necessária da sétima arte. A forma nova de se fazer longas deve ser aclamada e reconhecida – algo que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas se recusa a fazer ao mudar novamente as regras do jogo e obrigar que as obras do streaming sejam exibidas nas telonas para que possam concorrer ao Oscar.

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É um retrocesso, pois graças a essa variação do cinema, temos a chance de assistir pela Netflix a obras como “Hustle” – com título pessimamente traduzido para o português como “Arremessando Alto” –, um dos ótimos filmes de 2022.

Drama esportivo com contornos clássicos

“Arremessando Alto” conta a história de Stanley Sugerman (Adam Sandler) é um respeitado olheiro da NBA. Contratado pelo Philadelphia 76ers, o profissional não só é bom em encontrar talentos, como também é um expert em basquete no geral.

Para alcançar o sonho de se tornar técnico, ele se vê obrigado a encontrar um grande talento escondido por ai. E encontra: o espanhol Bo Cruz (Juancho Hernangómez), cai dos céus para os braços de Stanley que, agora, tem pouco tempo para transformá-lo em um fenômeno da NBA.

O filme é uma carta de amor ao basquete. Os olhos de Adam Sandler brilham durante todos os 117 minutos da obra – afinal, estamos falando de uma das grandes paixões do astro. A história mostra um pouco dos bastidores, das peneiras, das pessoas poderosas envolvidas por trás da modalidade, da paixão dos novos jogadores, do amor e conhecimento daqueles que ficam amis escondidos e, principalmente, daqueles que fazem o esporte acontecer em quadras comuns.

Por mais simples que o enredo possa parecer, o diretor Jeremiah Zagar consegue trazer para o longa uma alma muito próxima aos clássicos esportivos dos anos 90 e início dos anos 2000. O drama passa por toda a clássica jornada do herói esportivo, que é descoberto, falha, ouve um discurso inspirador de seu mestre, se levanta, começa a treinar, se supera, falha novamente, se levanta de novo e, enfim, encontra um final feliz.

“Arremessando Alto” é um típico produto do gênero esportivo clássico. Sem surpresas, mas feito com coração, emoção e amor ao basquete. Prazeroso, remete a produções como “Duelo de Titãs” (2000), com Denzel Washington, ou “Um Domingo Qualquer” (1999), com o grande Al Pacino.

As imperfeições de “Arremessando Alto”

Embora seja um ótimo drama esportivo com alma antiga, “Arremessando Alto” tem suas falhas. A falta de tempo de tela na construção dos malvados poderosos é uma delas. O bom ator Ben Foster (“A Qualquer Custo”), que interpreta Vince Merrick, necessitava talvez de aparecer um pouco mais – até para que pudéssemos ter noção de como são essas péssimas pessoas que também fazem o esporte acontecer ou não.

Por outro lado, mesmo rápida, a participação do lendário ator Robert Duvall é interessante. O vencedor do Oscar de melhor ator por “Tender Mercies” de 1983, interpreta Rex Merrick, o homem forte por trás do Philadelphia 76ers que demonstra todo o amor que muitos antigos apaixonados pela modalidade têm. Com o esporte cada vez mais empresarial, é bonito relembrar as pessoas que entregam o coração a isso.

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Há ambivalência, ainda, à ousada escolha de Jeremiah Zagar em usar jogadores reais da NBA como atores. Ganha-se bastante nas cenas que envolvem o jogo em si, que se tornaram bem reais. Todavia, perde-se em qualidade de atuação.

Em alguns momentos, o diretor até consegue tirar boas cenas dos atletas enquanto intérpretes, principalmente de Juancho Hernangómez. O ala-pivô do Utah Jazz, que interpreta Bo Cruz, carrega aqui a missão de protagonismo do filme. Entretanto, por não ser um ator profissional, escorrega em muitas cenas – deixando nas costas de Adam Sandler a missão de corrigir tudo.

Com vocês, o ator Adam Sandler

Se você ainda tem preconceito com Adam Sandler, é melhor parar de passar essa vergonha. O astro de comédias de gosto duvidoso já deixou claro há tempos que é um grande ator de ofício quando o trabalho o permite ser dessa forma.

Sandler é um bobalhão das comédias, mas me fez soluçar de chorar em “Click” (2006). Por amor ao cinema, estudei um pouco mais sobre seu trabalho e me surpreendi. Alguns de seus trabalhos de destaque em tempos passados incluem “Embriagado de Amor” (2002), junto do magistral diretor Paul Thomas Anderson, e “Trocando os Pés” (2014), onde ofereceu uma interpretação contida, sofrida e amargurada, mas bem verdadeira.

Sua rendição definitiva se deu em “Joias Brutas”, também disponível na Netflix. Nas mãos dos irmãos Josh e Benny Safdie (Josh e Ben), Adam Sandler mostrou ao mundo que é um ator de ofício. Trata-se de um filme visceral, com uma interpretação perturbadora, frenética e incontrolável do ator — que recebeu uma ligação de ninguém menos que o gigante Daniel Day-Lewis (“Lincoln”) o parabenizando pelo seu trabalho.

Alguém que recebe a ligação de um dos maiores atores da história merece respeito. Faltou isso da Academia, que o excluiu da disputa pelo Oscar de melhor ator em 2020, mas o National Board of Review — um dos poucos prêmios que se equipara ao Oscar — acertou ao premiá-lo.

Em “Arremessando Alto”, Sandler volta a mostrar o grande ator que é. A performance é contida, verdadeira e traz as devidas nuances em cada momento necessário. E, além de tudo, apresenta o brilho nos olhos que o sonhador personagem exige.

Esperado, mas ótimo

“Arremessando Alto” já está disponível na Netflix. Além de todos já mencionados, o filme também conta com a atriz Queen Latifah e a lenda da NBA LeBron James que, ao lado de Adam Sandler, trabalha na produção do longa.

Ainda que esperado, é um ótimo longa. Agora sabemos que Adam Sandler tem buscado um posto de maior consagração como o grande ator que é e não como o bobalhão das boas comédias ruins. Talvez falte a força necessária para ir mais longe do que isso, mas tudo é possível – afinal, até o momento, ele nos ofereceu uma das melhores interpretações de 2022 em minha opinião.

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Raphael Christensenhttp://www.igormiranda.com.br
Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

1 COMENTÁRIO

  1. Ótimo texto! Parabéns pelo mesmo!!!
    Concordo em cada vírgula. Adam Sander me surpreendeu em “Jóias Brutas”. Esperava neste novo filme uma”sessão da tarde” melhorada. E é!!! Só que infinitamente emocional, com aquele clima do esporte mais competitivo que conheço. Adam arrebentou, vendeu sua alma a esta pequena obra, tornando essa película a mais linda deste ano!!! Adam já é o meu Oscar de ator para o ano!!!

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