Cinco anos e oito dias após seu primeiro álbum como artista solo, Harry Styles retorna com sua terceira obra no formato. “Harry’s House” chega pela própria gravadora do artista, Erskine, em parceria com a Columbia / Sony, em uma pegada diferente tanto do debut homônimo quanto de “Fine Line” (2019).
Para um músico que faz parte de um grupo bem-sucedido, sair em carreira solo sempre é um caminho complicado. Especialmente os dois primeiros trabalhos definem o que vem na sequência. Harry, que motivou o fim (ou hiato) do One Direction ao optar por seguir sozinho (não muito tempo após outro colega, Zayn Malik, ter deixado a formação antes mesmo do grupo ser encerrado), parecia saber disso.
É por isso que seus dois primeiros álbuns foram tão certeiros. A estreia homônima de 2017 deixou claro que ele estava disposto a explorar outros caminhos, por isso, os flertes com o rock setentista foram precisos. Mostraram que ele era mais do que um cantor de boyband. Em “Fine Line”, o pop apareceu mais e em canções ainda mais radiofônicas, contudo, sem abdicar de elementos do rock, do indie e até do folk. É dele que vem “Watermelon Sugar”, grande hit solo do artista até aqui.
Styles, novamente ciente da direção que sua carreira precisa seguir, sabia que precisaria oferecer algo mais em seu terceiro trabalho. Não dava para jogar tão em segurança. De tal mentalidade, surgiu “Harry’s House”, um trabalho que, ao mesmo tempo, soa confortável e surpreendente. Não inovador: surpreendente.
O conforto, além de limitar e repetir suas parcerias com Kid Harpoon e Tyler Johnson, está nas referências já conhecidas. O rock que tanto apareceu no debut e ficou mais tímido no segundo disco, aqui, parece sumir de vez. No lugar, entram sonoridades que remetem ao synthpop dos anos 1980, gênero submetido a um revival intenso por grandes popstars nos últimos anos. Funk, R&B e folk, também pincelados em registros anteriores, voltam com mais força nesta nova obra.
Nada novo em termos estilísticos. E precisamos parar de esperar inovação a cada trabalho de um grande artista/grupo, especialmente do pop ou de gêneros mais consagrados do rock. O que diferencia é a abordagem. Segue errando quem pensa que Harry Styles é apenas um artista pop disposto a reproduzir o que mandam empresários ou produtores. Há canções aqui que dificilmente entrariam em um disco pop convencional.
A dançante abertura “Music for a Sushi Restaurant” é uma delas. Embora apresente ganchos melódicos irresistíveis, a faixa poderia soar “vazia demais” por um Max Martin da vida. E vem daí o grande acerto estilístico do trabalho: mesmo com o uso de bateria programada na maioria das canções, o instrumental soa orgânico. Há músicos tocando. Há músicos pensando em arranjos. Há músicos bolando saídas melódicas menos óbvias. Há respiro.
A funky “Late Night Talking”, por sua vez, já é mais formatada aos padrões típicos do pop. Soa como hit em potencial. Na sequência, Harry erra a mão: “Grapejuice” e “As It Was” exageram nas referências à estética oitentista. A primeira não engrena; a segunda até soa convincente, mas incomoda que seja um pastiche de A-ha.
Felizmente, o trabalho fica mais regular a partir da quinta faixa. “Daylight”, por exemplo, surpreende pelas mudanças de andamento – é uma faixa que começa totalmente inclinada ao pop ganha contornos roqueiros, no embalo de sua letra repleta de referências ao abuso de drogas.
Logo após, duas baladas. “Little Freak”, a primeira, ainda é embebida por sintetizadores, mas violões começam a dividir espaço. Um pop padrão, mas efetivo, com grande linha de baixo de Pino Palladino. “Matilda”, por sua vez, é uma das melhores faixas do disco. Difícil não associar a letra sobre alguém com problemas familiares ao filme homônimo de 1996, que se tornou um clássico cult de “Sessão da Tarde” após fracassar nas bilheterias. Guiada apenas por violão, a canção é envolvente e traz a performance vocal mais delicada de Harry até aqui.
A segunda parte do álbum é mais interessante que a primeira. Novamente explorando a funk music, “Cinema” tem guitarra (gravada por John Mayer) e baixo na linha de frente – o que é ótimo. “Daydreaming”, mais uma vez com Mayer nas seis cordas e Pino Palladino nas quatro, é soul até o osso. Pudera: o empréstimo de “Ain’t We Funkin’ Now” é tamanho que os compositores do hit dos Brothers Johnson lançado em 1978 são creditados como coautores. E temos aqui mais uma interpretação vocal grandiosa do protagonista.
“Keep Driving” pode não convencer tanto pela falta de variações melódicas, mas “Satellite” pega de jeito justamente pelo que não há na faixa anterior. Instrumentos e intensidade entram de forma gradual. Aqui, a estética oitentista complementa em vez de comprometer a experiência.
“Boyfriends” compensa a falta de sutileza no forçado discurso meio “antihomem” da letra com uma performance musical caprichada. É mais uma balada folk com belo dedilhado nas cordas de Ben Harper e suavidade nas vozes. Serve quase como um interlúdio para a densa “Love of My Life”, que até remete à faixa-título de “Fine Line” (também posicionada no encerramento), mas é mais compacta e chama mais atenção por seus detalhes, como as transições e o uso pontual, mas repetidamente certeiro, de guitarras e violões no apoio.
Difícil definir “Harry’s House” como o álbum defintivo de Harry Styles quando há dois antecessores tão fortes. Mas dá para enxergar esse trabalho como o retrato ideal do momento do cantor. O resultado mais intimista aqui obtido parece ter sido influenciado pela pandemia, mas ao mesmo tempo estamos falando de um artista que, naturalmente, evoluiu muito nos últimos anos.
Acima de tudo, este novo trabalho cria expectativa para o que vem por aí. Será que alguma das faixas do repertório se tornará hit como “Watermelon Sugar”? Como essas canções soarão ao vivo? E o mais importante: o que mais nos oferecerá um artista que já fez tudo isso em apenas 28 anos de vida? Seguimos de olho nas respostas.
Ouça “Harry’s House” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.
O álbum está na playlist de lançamentos do site, atualizada semanalmente com as melhores novidades do rock e metal. Siga e dê o play!
Harry Styles – “Harry’s House”
Faixas:
- Music for a Sushi Restaurant
- Late Night Talking
- Grapejuice
- As It Was
- Daylight
- Little Freak
- Matilda
- Cinema
- Daydreaming
- Keep Driving
- Satellite
- Boyfriends
- Love of My Life
Músicos:
- Harry Styles – vocais (todas as faixas), apito (faixa 3), glockenspiel (4, 10), teclados (11)
- Alayna Rodgers – backing vocals (faixas 1, 2, 8, 9)
- India Boodram – backing vocals (faixas 1, 2, 8, 9)
- Mitch Rowland – baixo, percussão (faixa 1); bateria (4, 10), guitarra elétrica (10)
- Kid Harpoon – bateria eletrônica (1, 2, 4–6, 10, 13), guitarra (1–6, 8–11, 13), sintetizador (1, 2, 4–6, 8–11, 13), baixo (2–11, 13); programação, pandeiro (2); bateria (3, 4, 8, 9, 11), teclados (3, 8, 10), piano (3, 7), violão (6, 7, 13), percussão (8)
- Tyler Johnson – bateria eletrônica (1, 3–6, 8, 10, 13), guitarra (1, 5, 6), sintetizador (1, 4–11, 13), backing vocals (2, 5, 9), programação (2, 3, 13), trompa (3), teclados (3, 9–11), piano (4, 9, 13), baixo (8, 10, 11), órgão (9, 11)
- Ivan Jackson – trompete (1)
- Rob Harris – baixo, guitarra (3)
- Hal Ritson – programação (3)
- Jeremy Hatcher – programação (3–5, 8, 11, 13), guitarra (11)
- Richard Adlam – programação (3)
- Doug Showalter – guitarra, percussão (4)
- Pino Palladino – baixo (6, 9)
- Dev Hynes – violoncelo (7)
- Joshua Johnson – saxofone (7)
- John Mayer – guitarra elétrica (8, 9)
- Sammy Witte – programação, sintetizador (8)
- Cole Kamen-Green – trompa (9)
- Ivan Jackson – trompa (9)
- Sarah Jones – percussão (10)
- Ben Harper – violão, guitarra, slide guitar (12)
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