Como “Frampton Comes Alive!” redefiniu a carreira de Peter Frampton

Prodígio da guitarra na virada dos anos 1970 viu seu ao vivo duplo se tornar o mais vendido da história até então

Conhecida por dar empurrõezinhos naqueles que ficam bem na foto, a imprensa musical britânica tirou Peter Frampton, então líder do The Herd, para ídolo teen de 1968. Mas o músico, nascido em Beckenham no dia 22 de abril de 1950, tinha outros planos: ser reconhecido mais como cantor, guitarrista e compositor do que como um rostinho bonito.

Para tal, deixou o cabelo crescer e, em 1969, formou o Humble Pie com o ex-Small Faces Steve Marriott. Dois anos e cinco álbuns depois, buscando uma direção mais melódica, com crescente ênfase na guitarra e nos refrães, optou pela carreira solo. Aproveitou para mudar de ares e radicou-se nos Estados Unidos, já o mercado de referência para a indústria fonográfica mundial.

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Entre 1972 e 1975, gravou quatro álbuns de razoável sucesso no país, mas quando o quarto deles, “Frampton” (1975), estagnou em 300 mil cópias vendidas, descobriu que beleza, talento e bons contatos não bastavam. Com seu empresário Dee Anthony e Jerry Moss da A&M Records, concluiu que o jeito talvez fosse apostar no que havia dado certo para o Kiss e os transformado de jogadores de time de várzea em craques de seleção: um álbum ao vivo.

A estratégia não era novidade para Peter Frampton: em 1971, o ao vivo “Performance Rockin’ the Fillmore” do Humble Pie havia ganhado disco de ouro e rendido ao grupo seu maior hit com “I Don’t Need No Doctor”; posteriormente refeita por W.A.S.P., Great White e muitos outros. Só que desse sucesso Peter só tinha ouvido falar, uma vez que sua saída se deu antes de o álbum iniciar sua escalada nas paradas.

Dos palcos para as fitas

De março a novembro de 1975, o músico gravou muitos de seus shows utilizando uma unidade móvel de gravação. Da apresentação no Winterland, em San Francisco, em 14 de junho, obteve o grosso do que se tornaria “Frampton Comes Alive!”. De outra, no Memorial Auditorium de San Rafael, na véspera, aproveitou somente os números acústicos.

Overdubs, segundo ele, não foram feitos. Ao Riverfront Times, declarou:

“Essa foi uma regra que estabeleci. Nada de overdubs.”

Ao seu lado, a que talvez tenha sido sua melhor banda, ainda que montada muito às pressas para cair na estrada sem demora:

  • no baixo, Stanley Sheldon, o mesmo que gravou com Tommy Bolin no álbum “Teaser” (1975);
  • na bateria, John Siomos, recrutado junto a Todd Rundgren para o qual havia prestado serviços no clássico “Something/Anything?” (1972);
  • alternando entre guitarra base e teclados enquanto provia backing vocals campeões, Bob Mayo, que seguiria braço direito de Peter até sofrer um infarto fulminante em fevereiro de 2004 (curiosamente, pouco mais de um mês após a morte de Siomos).

Formato duplo era necessário

Na autobiografia “Do You Feel Like I Do?”, ainda inédita no Brasil, Peter conta que, na sua cabeça, um álbum simples bastaria; ideia logo refutada por Moss:

“Lembro-me de que o lado A era ‘Somethin’s Happening’, ‘Doobie Wah’ e ‘I Wanna Go to the Sun’; e o B, ‘Lines on My Face’ e ‘Do You Feel Like We Do’. […] Ao término da audição da mixagem teste, ele [Moss] perguntou: ‘Cadê o resto?’. Fiquei surpreso. ‘Você gostou tanto assim?’, respondi. ‘Eu amei! Mas cadê ‘Show Me the Way’, ‘Wind of Change’ e ‘Baby, I Love Your Way’?”

Contei a ele que não havia gostado tanto das versões que havíamos gravado dessas, e ele foi categórico: ‘então faça novas gravações. Adoraria que esse fosse um álbum duplo’. […] Gravamos ‘Show Me the Way’ em Commack, Long Island, com Eddie Kramer, e ‘Baby, I Love Your Way’ em Plattsburgh, Nova York, com Chris Kimsey.”

Aos poucos, sucesso

Lançado em 6 de janeiro de 1976, “Frampton Comes Alive!” levaria três meses para chegar ao topo da parada da Billboard, nos Estados Unidos. Nesse ínterim, rádios de todo o país começaram a tocar as músicas do álbum. Mesmo “Do You Feel Like We Do?”, com seus 14 minutos de duração, era tocada sem cortes.

A demanda por shows foi aumentando; Frampton e banda chegaram a fazer vinte em vinte dias. Da mesma forma, o tamanho das casas a recebê-los também aumentou. No estádio JFK na Filadélfia, reuniu 115 mil pessoas, seu maior público até então.

Sem camisa, Peter estampou a capa da Rolling Stone. Recebeu indicação à categoria Álbum do Ano do Grammy de 1977 – sendo derrotado por Stevie Wonder e seu “Songs in the Key of Life” – e estrela na Calçada da Fama de Hollywood.

Peter Frampton na capa da edição 211 da revista Rolling Stone, publicada em 22 de abril de 1976

Além disso, fez a indústria inteira sacar que álbuns ao vivo, antes vistos como algo que as gravadoras topavam para satisfazer o ego de seus artistas, poderiam ser comercialmente viáveis – que o digam Eagles, Phil Collins, Bruce Springsteen

Estouro definitivo – e queda na sequência

A consagração definitiva, porém, viria quando “Frampton Comes Alive!” se tornou o primeiro LP duplo a vender mais de dois milhões de cópias e, de quebra, tirou de “Tapestry” (1971), de Carole King, o título de álbum mais vendido de todos os tempos até o momento.

Em “Do You Feel Like I Do?”, Frampton reflete sobre o megaestrelato repentino:

“Ter um álbum nas paradas era um sonho para mim – é um sonho para qualquer artista. […] Mas ter o álbum mais vendido de todos os tempos é muito diferente. O medo bateu forte, pois eu sabia que seria difícil manter a peteca no ar. […] Levei seis anos para compor as músicas que aparecem no ‘Comes Alive!’ e, agora, teria seis meses para compor as que entrariam em seu sucessor, que não poderia ser outro álbum ao vivo.”

Não só o sucesso gigantesco do álbum nunca foi repetido, apesar das várias tentativas – a primeira delas, “I’m In You” (1977), trazendo Stevie Wonder, Ringo Starr e Mick Jagger, conquistou disco de platina triplo, mas o mundo parecia ignorar que Frampton tinha esse novo trabalho na praça, pois “Comes Alive!” ainda voava alto nas paradas. No ano seguinte, a participação no filme pastelão “Sgt. Pepper’s Lonely Heart’s Club Band” (1978) ao lado dos Bee Gees, sepultou de vez sua popularidade.

Passados 46 anos de seu lançamento e com vendas estimadas em 16 milhões de cópias, “Frampton Comes Alive!” ainda ecoa o que escreve Cameron Crowe, da Rolling Stone, no encarte do LP:

“Um testemunho de Peter Frampton em seu hábitat natural”.

Para o melhor e para o pior, sua carreira sempre esteve e estará ligada a este trabalho.

Peter Frampton – “Frampton Comes Alive!”

Lançado em 6 de janeiro de 1976.

Músicos:

  • Peter Frampton (vocal, guitarra solo)
  • Bob Mayo (guitarra base, piano, órgão Hammond, vocal)
  • Stanley Sheldon (baixo, vocal)
  • John Siomos (bateria)

Tracklist:

Lado um

  1. Introduction/Something’s Happening
  2. Doobie Wah
  3. Show Me the Way
  4. It’s a Plain Shame

Lado dois

  1. All I Want to Be (Is by Your Side)
  2. Wind of Change
  3. Baby, I Love Your Way
  4. I Wanna Go to the Sun

Lado três

  1. Penny for Your Thoughts
  2. (I’ll Give You) Money
  3. Shine On
  4. Jumpin’ Jack Flash

Lado quatro

  1. Lines on My Face
  2. Do You Feel Like We Do
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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

1 COMENTÁRIO

  1. Muito bom, Marcelo! Resumiu bem o que foi esse CLÁSSICO. Eu sempre achei a história desse duplo ao vivo parecida com a trajetória do Kiss até o Alive I e agora você me confirmou isso.

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