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Conceito e inovações: como Marvin Gaye fez história com o álbum “What’s Going On”

No início da década de 70, Marvin Gaye era um artista consagrado, mas passava por um dos períodos mais difíceis de sua vida. A depressão causada por uma perda trágica, os problemas com drogas e a pressão da gravadora Motown, além da situação do mundo naquele momenot, resultou em “What’s Going On” (1971), seu álbum mais importante e que, carregado de letras de protesto, é considerado o primeiro disco conceitual da história do soul / R&B.

O sucesso de Gaye veio ainda na década de 1960, com duetos românticos com Tammi Terrell que emplacaram como hits especialmente nos Estados Unidos. Infelizmente, a parceria terminou com a morte da jovem cantora de 24 anos, em 1970, devido a um tumor no cérebro diagnosticado 3 anos antes.

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A partir daí, o artista passou a ficar mais recluso e parou de fazer shows. Desenvolveu-se uma depressão severa, não só pela perda, como também pelos problemas causados pelo uso de drogas e pelo divórcio com Anna Gordy, com quem estava desde 1963. Ele chegou a tentar suicídio.

Foi quando ele viu que precisaria mudar – em todos os aspectos, inclusive na música.

Começa a nova fase de Marvin Gaye

A primeira obra nascida dessa fase complicada foi a música “What’s Going On”, que dá título ao trabalho. A composição trazia uma pegada mais orientada ao jazz, acumulando também influências do gospel e arranjos eruditos.

Na época, a faixa trouxe ainda mais problemas ao cantor: Berry Gordy, presidente da gravadora Motown e seu ex-cunhado, era contra aquela nova sonoridade. Considerava um “suicídio musical”.

A Motown acabou arriscando mesmo assim e lançou a música como single, antes do álbum como um todo. Gordy só deu o braço a torcer depois que viu o sucesso que a faixa conquistou, oferecendo liberdade a Gaye para tocar o projeto da forma que preferisse. O presidente, claro, não se arrependeu disso.

O conceito de “What’s Going On”

As experiências vivenciadas por Marvin Gaye naquele momento, evidentemente, influenciaram o conceito que rege as letras de “What’s Going On”. Porém, a ideia para aquelas composições só se estabeleceu depois da já mencionada faixa-título, que foi desenvolvida a partir de uma criação de Obie Benson, membro do grupo The Four Tops.

A canção foi composta depois de Benson presenciar um caso de violência policial contra um protesto pacífico. O assunto pareceu ter acendido um botão na cabeça de Marvin Gaye, que começou a escrever o álbum a partir dessa ideia.

Nas letras, o artista contou a história de um veterano da Guerra do Vietnã – inspirado no próprio irmão, Frankie Gaye, que lutou na guerra – que retorna aos Estados Unidos para encontrar um cenário nada agradável: violência, questões sociais, pobreza, vício em drogas.

Em entrevista à Rolling Stone, Gaye comentou:

“Em 1969 ou 1970, comecei a reavaliar todo o meu conceito do que eu queria que minha música dissesse. Fiquei muito afetado pelas cartas que meu irmão estava me mandando do Vietnã, bem como a situação social aqui em casa. Percebi que tinha que deixar minhas próprias fantasias para trás se quisesse escrever músicas que alcançassem as almas das pessoas. Eu queria que as pessoas dessem uma olhada no que estava acontecendo no mundo.”

Inovações

Dessa forma, “What’s Going On” apresenta um ciclo de músicas que se interligam e tocam em temas polêmicos, o transformando, basicamente, em um álbum de “músicas de protesto”, como eram chamadas na época. Isso foi inédito dentro do campo do soul e do R&B.

Além disso, o trabalho foi pioneiro em abordar questões ecológicas, uma pauta que, na década de 1970, estava longe de ter a importância devida. O grande exemplo dessa preocupação está na faixa “Mercy Mercy Me (The Ecology)”.

Musicalmente falando, o disco não fugiu do soul/R&B que consagrou Gaye nos anos anteriores, mas acrescentou elementos diversos que deixaram o trabalho muito rico. Há elementos que vão do funk ao jazz, do blues ao erudito, mas tudo de forma bem homogênea.

O caráter unitário do álbum também foi um diferencial dentro de seu gênero. “What’s Going On” fez com que os artistas de música negra em geral trabalhassem seus discos como obras completas, com início e fim, em vez de produzirem pensando nos singles, nos hits que emplacariam nas rádios e seriam vendidos em compactos.

Ambicioso, “What’s Going On” entrega tudo aquilo que promete. Não à toa, vendeu muito bem: foram duas milhões de cópias comercializadas em apenas um ano e somente nos Estados Unidos, sendo o maior sucesso da carreira de Gaye e da própria Motown até aquele momento.

Além disso, serviu como inspiração para muitos artistas que surgiram depois e segue citado como um dos melhores trabalhos musicais da história, mesmo mais de três décadas após a morte de seu artista – Gaye foi assassinado pelo próprio pai em 1984, com apenas 44 anos de idade.

Recentemente, “What’s Going On” foi reconhecido pela revista Rolling Stone como o melhor álbum da história, em uma nova votação que buscava atualizar seu top 500 de discos mais importantes. Um reconhecimento justo a um trabalho que, cinco décadas depois, ainda soa relevante.

* Texto desenvolvido em parceria por Igor Miranda e André Luiz Fernandes. Pauta, edição geral e argumentação-base por Igor Miranda; redação geral e apuração adicional por André Luiz Fernandes.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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No início da década de 70, Marvin Gaye era um artista consagrado, mas passava por um dos períodos mais difíceis de sua vida. A depressão causada por uma perda trágica, os problemas com drogas e a pressão da gravadora Motown, além da situação do mundo naquele momenot, resultou em “What’s Going On” (1971), seu álbum mais importante e que, carregado de letras de protesto, é considerado o primeiro disco conceitual da história do soul / R&B.

O sucesso de Gaye veio ainda na década de 1960, com duetos românticos com Tammi Terrell que emplacaram como hits especialmente nos Estados Unidos. Infelizmente, a parceria terminou com a morte da jovem cantora de 24 anos, em 1970, devido a um tumor no cérebro diagnosticado 3 anos antes.

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A partir daí, o artista passou a ficar mais recluso e parou de fazer shows. Desenvolveu-se uma depressão severa, não só pela perda, como também pelos problemas causados pelo uso de drogas e pelo divórcio com Anna Gordy, com quem estava desde 1963. Ele chegou a tentar suicídio.

Foi quando ele viu que precisaria mudar – em todos os aspectos, inclusive na música.

Começa a nova fase de Marvin Gaye

A primeira obra nascida dessa fase complicada foi a música “What’s Going On”, que dá título ao trabalho. A composição trazia uma pegada mais orientada ao jazz, acumulando também influências do gospel e arranjos eruditos.

Na época, a faixa trouxe ainda mais problemas ao cantor: Berry Gordy, presidente da gravadora Motown e seu ex-cunhado, era contra aquela nova sonoridade. Considerava um “suicídio musical”.

A Motown acabou arriscando mesmo assim e lançou a música como single, antes do álbum como um todo. Gordy só deu o braço a torcer depois que viu o sucesso que a faixa conquistou, oferecendo liberdade a Gaye para tocar o projeto da forma que preferisse. O presidente, claro, não se arrependeu disso.

O conceito de “What’s Going On”

As experiências vivenciadas por Marvin Gaye naquele momento, evidentemente, influenciaram o conceito que rege as letras de “What’s Going On”. Porém, a ideia para aquelas composições só se estabeleceu depois da já mencionada faixa-título, que foi desenvolvida a partir de uma criação de Obie Benson, membro do grupo The Four Tops.

A canção foi composta depois de Benson presenciar um caso de violência policial contra um protesto pacífico. O assunto pareceu ter acendido um botão na cabeça de Marvin Gaye, que começou a escrever o álbum a partir dessa ideia.

Nas letras, o artista contou a história de um veterano da Guerra do Vietnã – inspirado no próprio irmão, Frankie Gaye, que lutou na guerra – que retorna aos Estados Unidos para encontrar um cenário nada agradável: violência, questões sociais, pobreza, vício em drogas.

Em entrevista à Rolling Stone, Gaye comentou:

“Em 1969 ou 1970, comecei a reavaliar todo o meu conceito do que eu queria que minha música dissesse. Fiquei muito afetado pelas cartas que meu irmão estava me mandando do Vietnã, bem como a situação social aqui em casa. Percebi que tinha que deixar minhas próprias fantasias para trás se quisesse escrever músicas que alcançassem as almas das pessoas. Eu queria que as pessoas dessem uma olhada no que estava acontecendo no mundo.”

Inovações

Dessa forma, “What’s Going On” apresenta um ciclo de músicas que se interligam e tocam em temas polêmicos, o transformando, basicamente, em um álbum de “músicas de protesto”, como eram chamadas na época. Isso foi inédito dentro do campo do soul e do R&B.

Além disso, o trabalho foi pioneiro em abordar questões ecológicas, uma pauta que, na década de 1970, estava longe de ter a importância devida. O grande exemplo dessa preocupação está na faixa “Mercy Mercy Me (The Ecology)”.

Musicalmente falando, o disco não fugiu do soul/R&B que consagrou Gaye nos anos anteriores, mas acrescentou elementos diversos que deixaram o trabalho muito rico. Há elementos que vão do funk ao jazz, do blues ao erudito, mas tudo de forma bem homogênea.

O caráter unitário do álbum também foi um diferencial dentro de seu gênero. “What’s Going On” fez com que os artistas de música negra em geral trabalhassem seus discos como obras completas, com início e fim, em vez de produzirem pensando nos singles, nos hits que emplacariam nas rádios e seriam vendidos em compactos.

Ambicioso, “What’s Going On” entrega tudo aquilo que promete. Não à toa, vendeu muito bem: foram duas milhões de cópias comercializadas em apenas um ano e somente nos Estados Unidos, sendo o maior sucesso da carreira de Gaye e da própria Motown até aquele momento.

Além disso, serviu como inspiração para muitos artistas que surgiram depois e segue citado como um dos melhores trabalhos musicais da história, mesmo mais de três décadas após a morte de seu artista – Gaye foi assassinado pelo próprio pai em 1984, com apenas 44 anos de idade.

Recentemente, “What’s Going On” foi reconhecido pela revista Rolling Stone como o melhor álbum da história, em uma nova votação que buscava atualizar seu top 500 de discos mais importantes. Um reconhecimento justo a um trabalho que, cinco décadas depois, ainda soa relevante.

* Texto desenvolvido em parceria por Igor Miranda e André Luiz Fernandes. Pauta, edição geral e argumentação-base por Igor Miranda; redação geral e apuração adicional por André Luiz Fernandes.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioCuriosidadesConceito e inovações: como Marvin Gaye fez história com o álbum "What's...
Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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