A história de “Cowboys From Hell”, o álbum que mudou o Pantera e o metal

Banda americana alterou completamente sua sonoridade para seu lendário quinto disco de estúdio

O Pantera estava fadado ao fracasso antes de ‘Cowboys From Hell’. Talvez eles mesmos entendessem dessa forma.

Os quatro álbuns iniciais da banda não traziam nada de muito especial. ‘Metal Magic’ (1983), ‘Projects In The Jungle’ (1984), ‘I Am The Night’ (1985) e ‘Power Metal’ (1988) – os três primeiros com Terry Glaze no vocal e o último, com Phil Anselmo – apenas replicam uma série de clichês, tanto do hard rock oitentista quanto do heavy metal “tradicional”, de nomes como Judas Priest.

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Apesar disso, sempre houve um tempero distinto na sonoridade do Pantera: o guitarrista Dimebag Darrell, que, à época, apresentava-se como Diamond Darrell. Esse diferencial ficou mais acentuado com a entrada de Phil Anselmo, dono de uma extensão vocal que ia dos agudos aos guturais com relativa naturalidade. A cozinha, até então, não apresentava nada de muito especial, mas isso mudaria em ‘Cowboys From Hell’.

Costumo dizer que esse álbum é do baterista Vinnie Paul. Foi ele, inclusive, o responsável por transformar o Pantera em uma banda diferenciada. Não só puxou o baixista Rex Brown para evoluir junto dele como, também, proporcionou ambiente para que Anselmo e Darrell se destacassem ainda mais.

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E tudo isso foi possível depois que o Pantera abandonou de vez a influência do hard rock oitentista para trabalhar em uma sonoridade mais pesada. “Muitas pessoas pensam que Phil foi o responsável por trazer o peso, mas não é verdade”, explicou Vinnie Paul, em entrevista à ‘Metal Hammer’, em 2010. “Meu irmão fez os riffs. Eu fiz as partes de bateria. Éramos fãs daquele tipo de música. Em 1983, dirigimos 200 quilômetros para assistir ao Metallica abrindo para o Raven em Tyler, no Texas”, completou.

Não só o Metallica influenciou essa transição: bandas como Soundgarden, Faith No More, Black Flag, Voivod e Overkill, entre outras, participaram desse caldeirão de influências que virou o Pantera. É importante lembrar que a mudança não foi tão brusca e que ainda há um resquício de hard rock e até do som do Judas Priest em ‘Cowboys From Hell’. Mas foi uma “senhora mudança”.

“Há coisas em ‘Cowboys From Hell’ que eu faria diferente, como ‘Shattered’, que traz um pouco do que foi o ‘Power Metal’. E algumas letras são meio clichês. Mas é um disco que mostra onde o Pantera estava naquele momento. No fim, quando fizemos ‘Primal Concrete Sledge’ no estúdio, dava para ver para onde estávamos seguindo e para onde eu estava indo com meus vocais”, disse Phli Anselmo, também à ‘Metal Hammer’.

Há quem diga que o Pantera começou a se levar a sério de verdade após Dimebag Darrell ser convidado para ser o novo guitarrista do Megadeth – e negar o convite. O músico disse que só aceitaria se pudesse levar o irmão Vinnie Paul como baterista, mas Dave Mustaine já havia contratado Nick Menza para a função. “Acho que isso fez todo mundo focar”, relembrou Vinnie Paul.

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Embora seja o quinto álbum do Pantera, ‘Cowboys From Hell’ é visto por muitos como o disco de estreia da banda. Não à toa: além da mudança de sonoridade, trata-se, de fato, do primeiro trabalho do grupo em uma grande gravadora. Os quatro anteriores saíram de forma independente, enquanto esse foi divulgado pela Atco Records após o quarteto ser “recusado mais de 20 vezes por cada gravadora dos Estados Unidos”, conforme brincava Paul.

“Nós tocávamos de forma muito entrosada e tínhamos muita confiança. Era como um trem desgovernado. Lançamos nosso primeiro disco quando eu tinha 17 anos e Dime tinha 15. Continuamos evoluindo desde então. Quando começamos a compor para ‘Cowboys From Hell’, sentíamos que a magia estava lá. Fomos rejeitados por todas as gravadoras, então, há muita raiva naquelas músicas”, disse o baterista.

‘Não tem tu, vai tu…’

O produtor Terry Date

As gravações de ‘Cowboys From Hell’ tiveram início no Pantego Sound Studio, em Arlington, no Texas, em fevereiro de 1990. Durou por dois meses, tamanho o entrosamento da banda.

A ideia era gravá-lo com Max Norman, renomado produtor de ‘Diary of a Madman’ (1981), de Ozzy Osborune, e que viria a trabalhar com o Megadeth nos anos 90. Norman aceitou o convite de início, mas o orçamento de US$ 30 mil para o trabalho foi superado pelos US$ 50 mil que outra gravadora havia oferecido para fazer ‘Wicked Sensation’ (1990) do Lynch Mob.

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A segunda opção era Terry Date, que havia gravado álbuns como ‘Louder Than Love’ (1989), do Soundgarden, e ‘The Years of Decay’ (1989), do Overkill. Deu certo: Date conseguiu não só organizar as ideias do Pantera, como, também, trabalhou os timbres e a ambientação sonora geral da forma que a banda precisava.

Os destaques de Cowboys From Hell

A faixa-título, que abre o álbum e foi o primeiro single, é um dos grandes destaques. Do som repetitivo que inicia a canção aos riffs caóticos que permeiam seu pesado andamento, tudo ali parece muito bem encaixado. “Sempre estávamos por aí vendo os caras do blues tocando em estúdio, pois o pai de Vinnie e Darrell era engenheiro de som. Íamos para o estúdio e ficávamos ouvindo aqueles músicos incríveis. Acho que foi daí que Dime tirou aquele groove blueseiro”, contou Rex Brown, à ‘Metal Hammer’, sobre a música em questão.

‘Primal Concrete Sledge’, na sequência, é outra faixa que merece ser citada. Curiosamente, a música foi composta em pouco tempo, já dentro do estúdio, e foi a última a entrar na tracklist. Apesar de seus pouco mais de 2 minutos de duração, a paulada acelerada desenhou bem o que o Pantera se tornaria no futuro. Brown diz, inclusive, que considera essa canção como “o elo” que conectou o grupo a seu álbum seguinte, ‘Vulgar Display of Power’ (1992).

“Essa surgiu por acidente. Fizemos todas as músicas e eu estava treinando algumas linhas de bateria, alternando entre tons e chimbal, com os pedais constantes. Dime ouviu, perguntou o que era e eu comentei que era uma batida nova na qual eu estava trabalhando. Ele disse: ‘não pare de tocar, tenho um riff’. Terry chegou e disse: ‘caras, não temos tempo para isso, preciso ir para Connecticut daqui 3 dias para mixar o disco’. Dime insistiu para gravarmos. É por isso que a música só tem 2 minutos: não tivemos tempo para trabalhar nela”, relembrou Vinnie Paul, à ‘Revolver’.

‘Psycho Holiday’, terceira da tracklist e segundo single do álbum, foi criada por Rex Brown após conseguir fazer com que Phil Anselmo viajasse. O vocalista estava pirando após ficar tanto tempo longe da família. Foi aí que o baixista marcou uma viagem para ele retornar à sua terra natal, Nova Orleans.

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“Na época, eu morava com Rex. Quando voltei da viagem, olhei para o telefone e um caderno ao lado dizia ‘psycho holiday’ (‘feriado psicótico’) com os horários da viagem. Eu era o psicótico. Virou piada interna e Vinnie Paul comentou que era um ótimo título de música”, comentou Phil Anselmo, à ‘Metal Hammer’.

Terceiro single e uma das músicas mais diferentes do Pantera naquele momento, ‘Cemetery Gates’ era como uma balada de vários climas. Das passagens calmas aos intensos berros e solos, mostrava todo o poder de fogo da banda. Os vocais são tão complexos que Phil Anselmo chegou a quebrar uma cadeira, de raiva, no meio das gravações.

“Era apenas minha segunda vez em estúdio e eu odiava aquilo. Havia uma nota que chegava duas vezes em ‘Cemetery Gates’ que eu fiquei tentando por horas e não conseguia atingir. Quebrei uma cadeira de tão frustrado”, revelou Anselmo, á ‘Metal Hammer’. Ele acabou recebendo um conselho de Terry Date: beber vinho do Porto. Era algo que Chris Cornell, do Soundgarden, tomava – e ajudava a soltar a voz. Acabou dando certo.

‘Domination’, outra canção de destaque em ‘Cowboys From Hell’, soa como o elo que conecta esse disco tanto a ‘Power Metal’ quanto a ‘Vulgar Display of Power’, de certa forma. Era pesada e repleta de groove, mas trazia uma essência heavy tradicional em alguns momentos que acabava por convencer até os ouvintes mais “conservadores”.

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O início da glória do Pantera

Há momentos em que, realmente, falta um pouco de coesão em ‘Cowboys From Hell’. Músicas como ‘Shattered’ e ‘Heresy’, por exemplo, poderiam se encaixar melhor em ‘Power Metal’. Todavia, canções como ‘Medicine Man’ e ‘The Sleep’, além das que destaquei separadamente, eram tão diferenciadas que seria uma questão de tempo até o Pantera cair no gosto do público.

E isso realmente aconteceu, mas não sem demandar muito trabalho antes. A turnê de divulgação de ‘Cowboys From Hell’ teve mais de 300 shows. Os caras excursionaram com Exodus e Suicidal Tendencies, além de realizarem apresentações solo, até que chamaram atenção de um ilustre novo fã: Rob Halford, vocalista do Judas Priest, uma das bandas que mais influenciaram o Pantera. Acabaram convidados para abrir uma turnê do Priest na Europa em 1991, o que ajudou a dar ainda mais visibilidade.

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“Sem dúvida, eles me influenciaram. Todos no Judas Priest paravam para vê-los tocando. Você precisa saber o que está rolando em torno de você, porque você ganha muitas ideias e inspiração de bandas novas e empolgantes. E o Pantera mudou o jogo. […] Eles tinham os riffs, o groove, o carisma, o poder”, relembrou Rob Halford, à ‘Metal Hammer’, em 2018.

‘Cowboys From Hell’ teve, no geral, boas vendas. Levou algum tempo para conquistar disco de ouro – e platina – nos Estados Unidos, mas o enorme sucesso de ‘Vulgar Display of Power’, logo em seguida, tratou de fazer justiça ao primeiro álbum realmente bom do Pantera.

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Todavia, o legado deixado por ‘Cowboys From Hell’ vai muito além das vendas. Com esse álbum e os seguintes, o Pantera apresentou um novo jeito de se fazer metal. É curioso, especialmente, que tenham surgido em um momento onde a música pesada estava cada vez mais padronizada, a exemplo do hair metal, ou menos intensa, já que até as bandas de thrash metal estavam abrandando suas sonoridades.

O quarteto texano se tornou uma espécie de “resistência do peso”. E, depois, de ‘Cowboys From Hell’, nunca mais olharam para trás. Simplesmente ficaram cada vez mais pesados.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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