Era visível a cara de satisfação de Rivers Cuomo, líder do Weezer, no Parque Ibirapuera após mudar a letra de “Beverly Hills” para “São Paulo, Brazil” no fim do refrão da música de mesmo nome. A troca meio desajeitada numa rima fraca e sem sentido mostrou o quanto à vontade estiveram a banda e seu tímido vocalista/guitarrista durante uma apresentação vigorosa e nostálgica para um público empolgado em São Paulo, no último domingo (2).
Em show único no país ao qual visitou pela terceira vez, o Weezer foi a atração principal do festival organizado pela Índigo, selo da produtora 30e focado na música independente. É difícil precisar quantas pessoas estiveram no tradicional Parque Ibirapuera, na zona sul da capital paulista. Talvez lotasse uma casa do porte do Espaço Unimed. Mas qual seria a graça de passar uma tarde enclausurado num local fechado?

Otoboke Beaver e Judeline
O sábado ensolarado não se repetiu no domingo paulistano e, provavelmente, não animou o público a desfrutar do cenário de natureza proporcionado pelo Ibirapuera. Da chuva incômoda da manhã na cidade, pelo menos, permaneceu apenas uma garoa durante a apresentação do quarteto japonês Otoboke Beaver, primeira banda a tocar atrás do Auditório Oscar Niemeyer.

Os vestidos coloridos das japonesas não combinavam com o clima cinzento, úmido e ainda frio do parque. A comunicação animada e bem-humorada da guitarrista Yoyoyoshie no palco enquanto a banda reproduzia seu punk cheio de mudanças bruscas de tempo e gritos em coros, com influências garageiras e do movimento riot grrrl, agradou o bom público que chegou cedo para vê-las. Nada tão intenso como dizem ter sido a performance solo no Cine Joia, também em São Paulo, dois dias antes, mas o suficiente para deixar boa impressão.

Por outro lado, a espanhola Lara Fernández Castrelo, que responde artisticamente como Judeline, fez um show bem deslocado das demais atrações do domingo e do gosto predominante do público presente. O pop latino com acento indie foi reproduzido no palco pela simpática artista de 22 anos acompanhada de dois músicos, um tocando bateria cheia de efeitos eletrônicos e outro na maior parte do tempo controlando samplers e mais bases pré-gravadas — inclusive muitos dos vocais ouvidos no Ibirapuera.

Havia ainda um dançarino, usado às vezes até como um banco ou cavalo para a performance mais teatral da cantora. Ao fim do set, Judeline chamou mais a atenção pela encenação no palco do que pela música a um público majoritariamente afeito às guitarras.

Mogwai
Se ouvir guitarras era o desejo de quem comprou o ingresso para o domingo, o Mogwai foi a atração perfeita para dar sequência ao fim de tarde, com um tímido sol tentando aparecer entre as nuvens. O ambiente aberto não foi o melhor lugar para se deixar imergir pelo show do grupo escocês de post-rock. Houve até pedidos por volume mais alto, algo inviável numa área sem isolamento acústico dentro de um parque público.

A quarta visita do Mogwai ao Brasil teve um repertório que privilegiou seu disco mais recente, “The Bad Fire” (2025). Apesar de conhecido por suas faixas instrumentais alternando atmosferas silenciosas e barulhentas, quase metade das músicas executadas continham vocais.
Em “God Gets You Back”, que abriu o set, a voz cheia de efeitos do guitarrista e tecladista Barry Burns ficava etérea e parecia um outro instrumento. Diferente de “Ritchie Sacramento”, na qual a letra melodiosa entoada pelo guitarrista principal Stuart Braithwaite tomava um formato mais próximo do tradicional.

Durante o respiro introspectivo da longa instrumental “Mogwai Fear Satan” — clássico da banda tocado no meio do set —, as poucas conversas ao fundo da pista atrapalharam menos do que o som dos aviões em rota de pouso no aeroporto da proximidade. Mas, de um jeito inusitado, tudo pareceu contribuir com a tensão prévia às explosões catárticas de riffs distorcidos e ruidosos vindos na sequência.

Bloc Party
O Bloc Party subiu ao palco já de noite e nem parecia ser a segunda principal atração. Com som cristalino e efeitos de luzes hipnotizantes, o grupo inglês retornou ao Brasil 17 anos depois de sua estreia com um show digno de headliner.
Em quase uma hora de set, a banda comandada pelo carismático e afinado vocalista Kele Okereke mostrou seu repertório que variou do pós-punk ao rock eletrônico, como se fosse praticamente uma adaptação indie deste milênio para a evolução sonora do Joy Division ao New Order.

O show, assim, teve tudo para transformar o Parque Ibirapuera numa pista de dança. O público, porém, tendia mais a se mover timidamente contemplando os sapatos. Quando Harry Deacon conduzia faixas como “Like Eating Glass” nas linhas de baixo, as reações eram melhores em relação às que ele abandonava o instrumento pelos sintetizadores, casos de “Mercury” ou “The Love Within”.
Após a dramática “This Modern Love” encerrar a apresentação do Bloc Party, apesar de uma latente ansiedade pelo show do Weezer, não havia sinal de insatisfação com o grupo inglês no Parque Ibirapuera.

Weezer
Poucos minutos antes do horário programado para o Weezer subir ao palco, o som mecânico comandado por diversos DJs entre os shows cessou para a execução de músicas do Van Halen e do Kiss. A mudança de atmosfera na pista foi visível na espera do grupo de Rivers Cuomo, que apareceu de cavanhaque e camisa flanelada, além dos óculos característicos. Para transportar de vez o público de volta aos anos 1990, a apresentação começou com “My Name is Jonas”, faixa de abertura de seu disco de estreia.
O cartaz promocional do festival prometia um show de celebração aos trinta anos do homônimo disco azul do Weezer, lançado em 1994. O repertório, porém, trouxe oito de suas dez músicas. A decisão funcionou. “The World Has Turned And Left Me Here”, uma das “desprestigiadas”, até manteria o ritmo enérgico da apresentação. Por outro lado, a longa e introspectiva “Only in Dreams” talvez não ajudasse a manter a empolgação constante durante os setenta minutos que a banda esteve no palco.

Sem se preocupar em executar as faixas do disco na sequência e com o apoio de vídeos no telão ao fundo do palco acompanhando cada música, o Weezer montou um repertório baseado em seus maiores hits tocados quase sempre sem intervalos ou introduções. Nem precisava: em segundos, o público já vibrava ao reconhecer as demais canções do álbum azul, como “No One Else” ou “Surf Wax America”. O entusiasmo foi o mesmo para os celebrados singles “Dope Nose”, “Island in the Sun” ou “Beverly Hills” — aquela em que o tímido Cuomo sorria como se tivesse feio uma traquinagem ao trocar a rima final do refrão para “São Paulo, Brazil”.

Ajudou muito, também, o retorno de Josh Freese na bateria e a apresentação como um quinteto, como já havia ocorrido entre 2007 e 2012, quando integrou o Weezer pela primeira vez. A força das batidas do músico — de currículo que vai de Guns N’ Roses, Offspring e Foo Fighters a Nine Inch Nails, Devo e A Perfect Circle — veio aliada a um ataque triplo de guitarras, com Patrick Wilson, baterista original da banda, revezando o instrumento com um violão.

Essa liberdade para soar mais guitarreiro pôde ser sentida com a execução de parte de “Run, Devil, Run”, único momento do set extraído dos EPs “SZNZ” (2022), usada como uma transição entre a cadenciada “Perfect Situation” e a pesada “Hash Pipe”. Ou no duelo entre Cuomo e Brian Bell antes de “Pink Triangle”, uma das quatro músicas do segundo álbum da banda, o então renegado “Pinkerton” (1996), que provocou um hiato do Weezer nos anos seguintes.
Apesar do show dedicado primordialmente ao álbum de estreia, a aclamação do público a faixas como “Why Bother?” e “El Scorcho” mostrou como o trabalho é hoje cultuado, com direito até à execução de “I Just Threw Out the Love of My Dreams”, espécie de lado B incluído no EP “The Good Life” (1997). Sem nenhuma cantora convidada no palco no Ibirapuera como ocorrera em outras apresentações da turnê, o próprio Cuomo reproduziu ao seu jeito os vocais femininos originais da música, composta para sua inicialmente idealizada ópera rock “Songs from the Black Hole”, engavetada à época.

Apesar da participação efusiva ao longo de quase todo o repertório, o auge da cantoria, como esperado, veio para os singles do disco de estreia do Weezer. “Undone – The Sweater Song” foi tocada ainda na primeira metade do set, enquanto “Say It Ain’t So” teve direito a uma parada para o público berrar sozinho o seu refrão antes de fechar a parte regular do repertório.

Não demorou muito para o Weezer voltar ao palco e sem qualquer conversa, “Buddy Holly” despertou a frenesi digna de um dos maiores clássicos do rock dos anos noventa para encerrar uma noite nostálgica no Parque Ibirapuera.
Weezer — ao vivo em São Paulo
- Local: Área Externa do Auditório Ibirapuera
- Data: 2 de novembro de 2025
- Produção: 30e
Repertório:
- My Name Is Jonas
- Dope Nose
- No One Else
- Perfect Situation
- Run, Raven, Run (parcia)
- Hash Pipe
- Surf Wax America
- Undone – The Sweater Song
- Island in the Sun
- Holiday
- In the Garage
- Why Bother?
- You Gave Your Love to Me Softly
- Pink Triangle
- Beverly Hills
- I Just Threw Out the Love of My Dreams
- Pork and Beans
- El Scorcho
- The Good Life
- Say It Ain’t So
Bis:
- Buddy Holly

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