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Como o Alice in Chains transformou sua ruína em arte com álbum de 1995

Originalmente concebido como trabalho solo de Jerry Cantrell, terceiro disco de estúdio da banda acabou sendo o último com Layne Staley

Durante um hiato entre 1994 e 1995, enquanto o Alice in Chains enfrentava instabilidades internas e cada integrante seguia caminhos paralelos, o guitarrista Jerry Cantrell aproveitou o tempo livre para gravar demos em seu estúdio caseiro. À época, teve a colaboração de Scott Rockwell, baterista da banda Gruntruck.

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As sessões começaram despretensiosamente, mas logo migraram para o Bear Creek Studios, em Woodinville, Washington. Lá, além de Rockwell, juntaram-se ao projeto o baixista do AIC, Mike Inez, e as irmãs Ann e Nancy Wilson, do Heart.

Nenhum dos envolvidos sabia àquela altura que aquelas gravações preliminares não seriam apenas parte de um projeto solo de Cantrell — estavam, na verdade, dando os primeiros passos na criação do terceiro disco oficial do Alice in Chains.

Duas músicas desse período embrionário viriam a integrar o álbum: “Again”, que se tornaria um dos singles do trabalho, e “Frogs”, cuja origem tem uma história peculiar, como relembrou Cantrell:

“Perto do lago havia uns sapos incríveis, que coaxavam alto pra caramba. A gente colocou o microfone do lado de fora e gravou. Custou dez mil dólares pela semana. A única coisa que levamos dali foram os sapos.”

A declaração bem-humorada contrasta com a carga emocional do disco homônimo que mais tarde seria reconhecido como o último álbum de estúdio da banda com Layne Staley nos vocais. A produção foi marcada por tensões constantes, mas também por lampejos de criatividade pura — como o registrado à beira do lago em Woodinville.

Caminhos Cruzados

Apesar de os números recém-conquistados apontarem para a estrada, o Alice in Chains optou por não embarcar em uma turnê em 1994. Até um convite para se apresentar ao lado do Metallica no meio do ano acabou sendo recusado de última hora. Nisso, cada integrante resolveu cuidar de si, buscando novos projetos durante esse período acordado de afastamento.

O baterista Sean Kinney se uniu a Kim Thayil (Soundgarden), Krist Novoselic (Nirvana) e Johnny Cash, gravando a faixa “Time of the Preacher” para o tributo “Twisted Willie” (1996), dedicado a Willie Nelson. Jerry Cantrell também participou do álbum, com uma versão de “I’ve Seen All This World I Care to See”.

Já Mike Inez gravou com o então ex-Guns N’ Roses Slash o disco de estreia do projeto Slash’s Snakepit. Lançado em fevereiro de 1995, “It’s Five O’Clock Somewhere” não obteve o sucesso esperado.

Layne Staley, por sua vez, formou o Mad Season ao lado de Mike McCready (Pearl Jam), Barrett Martin (Screaming Trees) e John Baker Saunders. O grupo nasceu de jams esporádicas que evoluíram rapidamente. Segundo McCready, a ideia era apenas gravar uma demo, mas Staley foi direto: “Esquece a demo, vamos fazer logo um álbum”. Assim nasceu “Above” (1995), que recebeu disco de ouro nos EUA.

Foi nesse contexto fragmentado que o produtor Toby Wright recebeu um telefonema com um convite direto: produzir um novo álbum do Alice in Chains. Ao aceitar, Jerry e a empresária Susan Silver articularam a reaproximação dos membros. O plano era simples: uma vez sabendo que Toby e Jerry estavam em Seattle trabalhando, os demais seriam incentivados a retornar. Funcionou.

O grupo reservou o Bad Animals Studio, das irmãs Wilson, com o objetivo de compor novo material. A escolha do local visava facilitar a presença de Layne. O processo foi conduzido com o mínimo de interferência de gravadora ou empresários, o que, segundo Wright em depoimento ao biógrafo David De Sola, favoreceu a criatividade:

“Eu só quero que meus artistas sejam criativos o tempo todo no estúdio. Foi isso que permitiu que esse disco tivesse o resultado que teve.”

O engenheiro assistente Sam Hofstedt lembra sessões exaustivas de até 12 horas — muitas delas durante a madrugada. O trabalho se estendeu por mais tempo do que o previsto: foram utilizados cerca de 70 rolos de fita de duas polegadas. “O orçamento só para as fitas deve ter sido equivalente ao de álbuns inteiros atualmente”, afirmou.

Cantrell resumiu o processo de gravação como algo impulsivo e direto: “Era muito mais não pensar e simplesmente fazer — e garantir que a fita estivesse sempre rodando”.

No entanto, havia dor. Silver descreveu o processo como “realmente doloroso”, revelando longas horas de espera por Layne — que passava dias trancado no banheiro ou simplesmente não aparecia.

“Eu dizia a ele: ‘Você não precisa fazer isso. Tem dinheiro suficiente pra viver em paz com a Demri [noiva]. Vá ser feliz, não faça isso se for o que está alimentando sua dependência’.”

Entre boatos e dores, a genialidade

Um dos principais motivos para a longa duração das gravações foi o processo criativo de Layne Staley. O vocalista escrevia muitas das letras no próprio estúdio — entre elas, “Brush Away” e “Nothin’ Song”, nas quais o assunto é ele regularmente se atrasar para as sessões de gravação — e preferia trabalhar suas ideias vocais em particular antes de estar pronto para gravar.

Segundo Toby Wright, apesar do uso de drogas, Layne entregava vocais com eficiência: “Pode ter demorado para ele chegar até lá, mas quando era hora de gravar, ele trabalhava”. Sam Hofstedt concorda: o cantor não perdia desempenho quando estava no estúdio.

Essa dedicação se reflete em faixas como “Grind”, o primeiro single, cuja letra surgiu como resposta aos inúmeros boatos e manchetes sensacionalistas envolvendo a banda — desde cancelamentos de turnês até rumores de amputações e mortes. Nas notas do box “Music Bank” (1999), Jerry Cantrell escreveu:

“Foi outra música do tipo ‘vão se f#der’ por quererem saber mais de mim do que eu. Já morri algumas vezes nos jornais, o Layne morreu inúmeras vezes e perdeu membros.”

“Heaven Beside You”, segundo single, teve uma origem mais pessoal. Composta por Jerry, a canção foi inspirada em seu relacionamento conturbado com a então namorada, Courtney Clarke. Ele explica:

“Foi uma tentativa de conciliar o fato de que minha vida e escolhas estavam me afastando da pessoa que eu amava. As coisas que escrevo sobre ela são uma forma de me comunicar, de expressar o que não consigo dizer em palavras.”

Uma crítica à pressão corporativa aparece em “Sludge Factory”, faixa nascida após uma ligação da Columbia Records informando Layne de que o disco precisava ser finalizado em nove dias. Irritado, o vocalista canalizou sua frustração nos versos “Call me up congratulations ain’t the real why / There’s no pressure besides brilliance let’s say by day nine…” (“Me ligue, parabéns não é o verdadeiro motivo / Não há pressão além da genialidade, digamos, no nono dia…”). Segundo Wright, a música é sobre Don Ienner e Michele Anthony, executivos da gravadora.

A mesma faixa também aborda, de maneira sutil, o estado de saúde de Layne, já afetado pelo uso crônico de heroína. O verso “Discolored skin gives you away” (“A pele descolorida te entrega”) alude às feridas gangrenosas que surgiram nos braços do cantor em função das injeções, tornando visível o impacto físico da dependência.

Alice in Chains encara a própria ruína

Mas nem só de sombras e coração partido — “Shame in You” retrata o término de Layne com Demri em 1994 — se fez o disco. A faixa “God Am” começa com um momento inusitado: o som de um bong sendo usado, seguido da frase “Sure, God is all powerful, but does he have lips?” (“Claro, Deus é todo-poderoso, mas ele tem lábios?”).

A referência irreverente pode ou não ter sido uma homenagem ao Tool, cuja música “Intolerance” também começa com o som de um bong. Para Jerry, o episódio foi mais uma amostra do senso de humor peculiar de Layne:

“Acho que era só ele sendo bobo. As pessoas às vezes se surpreendem com o quanto rimos de tudo — principalmente de nós mesmos.”

Nas notas de “Music Bank”, o guitarrista confessa que gostaria que tivessem feito um videoclipe para essa música e lançado como single. “Acho que é uma música brilhante”, opina ele.

E dado o que estava por vir, a faixa de encerramento “Over Now” tornou-se um símbolo não oficial da dissolução iminente do grupo. A letra de Jerry tem ares de despedida premeditada, como o próprio confirmou em entrevista à revista Request em fevereiro de 1996:

“É sobre a banda. É sobre o rompimento que aconteceu entre a gente. Aqueles versos ‘Can you stand right here and look me in the eye and tell me it’s over?’ (‘Você pode ficar aqui, olhar nos meus olhos e me dizer que acabou?’) são reais. A gente não pôde, no fim das contas.”

Por conta da dependência química de Layne e sua consequente impossibilidade de excursionar, a banda vetou a realização de uma turnê, o que incomodava Cantrell, que acrescentou:

“Não queríamos ser uma banda de estúdio. Essa música [‘Over Now’] era nossa homenagem ao fim do Alice in Chains como todos conheciam.”

Segundo Wright, a banda chegou a registrar entre 20 e 30 músicas para o projeto — 12 delas entraram na versão final. O restante teria sido enviado à Columbia Records. “Provavelmente estão guardadas em algum cofre da gravadora”, supôs o produtor.

Rindo de si mesmo às vésperas do colapso

Reservado com a imprensa e descartadas as chances de uma turnê, o Alice in Chains encontrou uma solução inusitada para promover seu vindouro disco: ao invés de entrevistas tradicionais, produziu um press kit em vídeo.

A Columbia Records solicitou o material a ser enviado para os jornalistas, e coube ao fotógrafo e diretor Rocky Schenck viajar até Seattle para registrar algo diferente. O resultado foi o hilário “The Nona Tapes”, que revela um lado cômico e autocrítico da banda em seu momento mais sombrio.

O vídeo é conduzido por Nona Weisbaum, uma repórter fictícia interpretada em tom de paródia por Jerry Cantrell de peruca, vestido e maquiagem. Nona percorre Seattle em busca dos integrantes do AIC e os encontra em situações surreais: Sean Kinney surge com uma fantasia de palhaço e nariz de borracha; Mike Inez aparece relaxando em um salão de beleza, com bobes nos cabelos; e Layne Staley é encontrado vasculhando uma lixeira em um beco.

Transcendendo o caráter de material promocional, “The Nona Tapes” virou objeto de culto entre fãs por mostrar, com humor, como a banda lidava com as pressões externas e com as especulações acerca da saúde física e mental de seus integrantes.

“O som de uma banda se desfazendo”

Lançado em 7 de novembro de 1995, “Alice in Chains” estreou em 1º lugar na parada americana e produziu sucessos: “Grind” alcançou a 7ª posição na parada Mainstream Rock e a 18ª na Modern Rock Tracks; com ainda mais fôlego, “Heaven Beside You” permaneceu 26 semanas nas paradas e chegou ao 3º lugar; e “Again” rendeu à banda uma indicação ao Grammy em 1997 na categoria Melhor Performance de Hard Rock — vencido por “Bullet with Butterfly Wings”, do Smashing Pumpkins.

Em entrevista ao Vice, Jerry resumiu o disco como “o som de uma banda se desfazendo”: “É um disco bonito, mas triste também. Mais exploratório, mais disperso. Não tão lapidado quanto os outros”.

Para Layne Staley, o álbum simbolizou um raro momento de clareza: “Vou guardar isso para sempre, só porque esse eu consigo lembrar de ter feito”.

Cantrell completou: “Eu não sabia que seria o último [álbum], mas sentia que, se algo não mudasse, não duraríamos muito. E infelizmente eu estava certo”.

Alice in Chains – “Alice in Chains”

  • Lançado em 7 de novembro de 1995 pela Columbia Records
  • Produzido por Toby “Flobee” Wright e Alice in Chains

Faixas:

  1. Grind
  2. Brush Away
  3. Sludge Factory
  4. Heaven Beside You
  5. Head Creeps
  6. Again
  7. Shame in You
  8. God Am
  9. So Close
  10. Nothin’ Song
  11. Frogs
  12. Over Now

Músicos:

  • Layne Staley – vocais, guitarra
  • Jerry Cantrell – guitarra, vocais
  • Mike Inez – baixo
  • Sean Kinney – bateria

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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