*Texto por Luís S. Bocatios | Com exceção dos que já eram adultos quando o Green Day surgiu (porcentagem baixa do público da banda), é seguro afirmar que a imensa maioria dos fãs do trio o tiveram como uma das principais trilhas sonoras de sua adolescência. Isso se dava acompanhando os lançamentos em tempo real a partir dos anos 1990 ou os descobrindo quando já lançados.
O apelo do grupo junto ao público jovem parte de sua sonoridade simples, pegajosa e divertida, mas também da atitude rebelde expressa por meio das letras, que, em grande parte, surgem como comentários sobre o dia a dia da juventude ou hinos contra o sistema. A última característica citada foi reforçada durante os anos 2000, quando eles se tornaram uma das principais vozes de protesto contra o governo do ex-presidente americano George W. Bush e renovaram sua base de fãs com o já icônico álbum “American Idiot” (2004).

Surge, daí, o sentimento de nostalgia. Embora seja um período conturbado — e, para muitos, doloroso — da existência humana, a adolescência nos permite viver as coisas com intensidade. Fica difícil não se lembrar desses anos com carinho. As recordações felizes são naturalmente impulsionadas.
Na faixa-título da obra-prima “Sound of Silver” (2007), o LCD Soundsystem entrega a seguinte reflexão: “Som prateado, fale comigo; Te faz querer se sentir como um adolescente; Até que você se lembra de como se sente; Um adolescente emocionado da vida real; Então você repensa”.
Torna-se adequado, assim, rotular o Green Day como “banda de adolescente”. Mas não de modo negativo. Como comprovado pelo show da última sexta-feira (12) na Arena da Baixada, o espaço que a banda ocupa no coração de seus fãs é tão especial que seu catálogo se transforma em uma cápsula do tempo.

Bad Nerves
Escalado para a abertura, o estreante em território nacional Bad Nerves preserva e replica tal jovialidade em seu som. Com dois álbuns lançados — o homônimo de 2020 e “Still Nervous” (2024) —, o grupo busca equilibrar ambos os trabalhos em seu repertório, com seis músicas do primeiro disco e oito do segundo em cerca de 45 minutos de set.
Quem chegou mais cedo à Arena da Baixada foi presenteado com uma banda extremamente enérgica cuja sonoridade une o pop punk do Buzzcocks a toques irresistíveis de um rock de garagem que instantaneamente remete aos primeiros discos do Strokes. O público parecia não conhecer as canções, mas aplaudia e vibrava ao final de todas.

A abertura “Baby Drummer”, diga-se, é puro Buzzcocks: junta a velocidade do punk a uma melodia absolutamente comercial e divertidíssima. “Don’t Stop” e “Plastic Rebel”, na mesma linha, trouxeram em seu miolo uma interação do vocalista Bobby Nerves cumprimentando a plateia em um português bastante aceitável — não à toa, ele é casado com uma brasileira.
“Radio Punk”, uma das melhores do grupo, é a que mais parece com Strokes. Com pouco mais de quatro minutos, “Television” foi a mais longa do repertório e alternou momentos super diretos com outros mais trabalhados que constroem uma tensão ainda mais presente ao vivo. Não por acaso, a influência do Television é bastante notada. “Sorry”, com andamento de balada, se prova como outro destaque, com direito a uma melodia inicial que remete a “You’ve Really Got a Hold On Me”, dos Beatles.
A performance de todos os músicos, aliás, é boa e discreta, sem grandes destaques individuais. A dupla de guitarristas formada por William Phillipson e George Berry é uma versão simplificada da dinâmica dos guitarristas do Strokes, o baterista Samuel Thompson exala anos 1970 tanto na forma como toca quanto no timbre e o baixista Jonathan Poulton é a arma secreta da banda: alterna linhas de baixo simples com outras mais aventureiras, como se percebe em “New Shapes”. Só ficou escondido na mixagem.

O som, aliás, estava muito longe do ideal. No começo, praticamente só ouvia bateria e vocais; depois, o vocal ficou baixo demais. Em determinados momentos, era difícil entender o que estava acontecendo nas músicas, visto que a bateria sufocava os outros instrumentos.
A genérica “USA” é uma das músicas mais fracas do show e foi sucedida por “Electric 88”, que, apesar de também não soar tão original — sua batida fez a plateia cantar “Blitzkrieg Bop”, dos Ramones —, carrega uma energia contagiante. Já na parte final do set, destacaram-se a excelente “The Kids Will Never Have Their Say”, com um belíssimo refrão e influências que vão de The Cars a The Pretenders; a maravilhosa “Can’t Be Mine”, uma pérola do rock de garagem que trouxe Nerves para fora do palco com o objetivo de cumprimentar a plateia; e “Dreaming”, que adiciona certa melancolia à sonoridade da banda sem perder nada da velocidade ou da diversão.

Repertório — Bad Nerves:
- Baby Drummer
- Don’t Stop
- Plastic Rebel
- Radio Punk
- Television
- Sorry
- USA
- Electric 88
- New Shapes
- Antidote
- The Kids Will Never Have Their Say
- You’ve Got the Nerve
- Can’t Be Mine
- Dreaming
Green Day
Às 20h50, exatos dez minutos antes do horário marcado para o início do show do Green Day, o sistema de som começou a tocar “Bohemian Rhapsody”, do Queen. Quase o equivalente “Doctor Doctor” (UFO) na apresentação do Iron Maiden, o clássico de Freddie Mercury e companhia foi entoado pelo público de modo comovente. Em seguida, um sujeito fantasiado de coelho animou a plateia ao som de “Blitzkrieg Bop”. Telões exibiram imagens dos músicos ao som de partes de músicas como “We Will Rock You”, também do Queen, e a Marcha Imperial de “Star Wars”. O baixista Mike Dirnt entra primeiro, o baterista Tré Cool depois e o vocalista e guitarrista Billie Joe Armstrong é o último. Todos ovacionados.
Com letra mais atual do que nunca, “American Idiot” abriu o set sem deixar alma parada com seu riff inicial. Começava, na Arena da Baixada, um dos shows mais divertidos do ano. Armstrong não demorou dois minutos para protestar contra Donald Trump ao trocar a parte “I’m not a part of the redneck agenda” (pt: “não faço parte da agenda caipira”) por “I’m not a part of the MAGA agenda”, fazendo referência ao movimento Make America Great Again (pt: “faça a América grande novamente”), iniciado pelo atual presidente dos Estados Unidos.

Sem dar tempo para a plateia respirar, a banda já emenda “Holiday”, do mesmo álbum. Até Billie Joe ficou impressionado com a reação da plateia, dizendo “vocês estão cantando alto pra car#lh*!” em meio a labaredas e explosões cenográficas. “Know Your Enemy” trouxe o já clássico momento no qual um fã sobe ao palco e canta um pedaço da música ao lado de Armstrong. A escolhida em Curitiba foi uma moça sem timidez nenhuma, chegando a participar do encerramento da música com um pulo. Já “Boulevard of Broken Dreams”, um dos maiores hits de todo o rock dos anos 2000, fez todos cantarem a plenos pulmões.
Oficialmente um trio, o Green Day é um sexteto nos palcos: Jason White assume as guitarras de apoio desde 1999, Jason Freese toca teclados desde 2004 e Kevin Preston entrou como terceiro guitarrista em 2019. A crueza dos primórdios deu lugar a uma performance muito bem ensaiada. Apenas Billie Joe se comunica com a plateia — e ele se aprimorou como frontman. No único show da banda em Curitiba até então, em 2017, o vocalista perdia um pouco a mão ao alongar demais as músicas e até se deitar no palco. Hoje, sua identidade está bem definida: ele exibe carisma com poucos exageros e mantém o público nas mãos. Tré Cool executa as viradas que gravou em estúdio com precisão cirúrgica, enquanto Mike Dirnt é discreto, mas animado: sempre faz caretas, joga palhetas e se diverte com o público.
O show tem sequência com “One Eyed Bastard”, primeira representante do último disco da banda — o surpreendentemente ótimo “Saviors” (2024). A faixa teve boa recepção do público: riff cantarolado pela plateia e participação em momentos específicos, como nos “ay-oh!” e “bada-bing/bada boom”. Em seguida, rolaram “Revolution Radio”, competente faixa-título do álbum que a banda estava divulgando na última visita a Curitiba, e a mediana “Church on Sunday”, tocada pela primeira vez na turnê. Escolhas um tanto decepcionantes, visto que o trabalho do grupo nos anos 1990 acabou subaproveitado no repertório.

Após sete músicas, chegou a vez da primeira representante do magistral “Dookie” (1994). Enquanto Tré Cool segura o ritmo da introdução de “Longview”, Billie Joe pergunta quantos fãs old-school estão na plateia e pede para que eles cantem junto. A icônica linha de baixo de Mike Dirnt dá início a esta esplendorosa música, cuja letra sobre tédio, solidão e masturbação a transforma praticamente em um hino definitivo da adolescência. A recepção foi boa, mas não tanto quanto àquela percebida nas músicas de “American Idiot”, não à toa representado por sete faixas.
Em seguida, a banda volta ainda mais no tempo na clássica “Welcome to Paradise”, originalmente de “Kerplunk” (1992) e, aí sim, com recepção incrível da plateia, tendo direito a mosh. Billie Joe aleatoriamente tocou o riff de “Iron Man” (Black Sabbath) e emendou “Hitchin’ a Ride”, clássico de “Nimrod” (1997) estendido com vários “eeeeooooo” e conversas com o público — que, diga-se de passagem, lotou o estádio e, provavelmente pelo teto retrátil estar fechado, ofereceu um barulho ensurdecedor.
A melhor parte do repertório foi encerrada com a quase hipnótica “Brain Stew”, única representante de “Insomniac” (1995), que versa sobre a experiência torturante de simplesmente não conseguir dormir. O foco retornou aos anos 2000 com “St. Jimmy”, uma das melhores de “American Idiot” e a que mais remete ao pop punk rápido da década de 1990. Trouxe reação quase tão enérgica quanto a dos clássicos daqueles tempos.

“Dilemma”, só com guitarra e voz e remetendo ao Weezer, rende um dos momentos mais intimistas do show, perfeito para uma canção de natureza confessional na qual Billie Joe fala sobre sua batalha contra o alcoolismo. Em seguida, está talvez o último sucesso mundial do Green Day: “21 Guns”, uma tentativa de replicar a fórmula de “Boulevard of Broken Dreams” que pegou o coração dos fãs no lugar certo. Caminhando para o final do show, a divertida “Minority” representou um dos álbuns mais fracos da carreira da banda — “Warning” (2000) — e trouxe a apresentação de cada integrante, com a casa vindo abaixo durante as menções a Cool e Dirnt.
“Basket Case” é uma catarse completa: o mosh crescia, copos voavam e o público cantava cada sílaba de uma das músicas mais icônicas do rock dos anos 1990. Narrando causos de um sujeito cuja vida é tão tediosa que deprime até uma prostituta ao ouvi-lo desabafar, a letra continua encontrando eco em novas gerações. A dobradinha de “Dookie” é completa pela maravilhosa “When I Come Around”, que exala nostalgia do início ao fim e também levou a plateia ao delírio. Do disco de 1994 — representado por apenas três faixas —, é lamentável que tenham ficado de fora a linda “She” e lados B como “Burnout”, “Coming Clean” e “Having a Blast”.

“American Idiot” volta aos holofotes com a boa “Letterbomb”, que é bem recebida, mas alongada exaustivamente por um discurso de minutos no qual Billie Joe fala sobre como aquela noite ficará nas memórias de todos pelo resto da vida e como devemos nos amar. A palestrinha poderia ter sido trocada por mais duas ou três músicas. A melancólica “Wake Me Up When September Ends” foi um dos momentos mais bonitos da noite, com os fãs cantando junto de Armstrong o lamento sobre a morte de seu pai.
A atmosfera triste logo foi substituída pela euforia causada pela brilhante opereta “Jesus of Suburbia”, que, ao longo de mais de nove minutos e diversas partes diferentes, narra a trajetória de um personagem que representa a juventude americana dos anos 2000. Passando por momentos puramente punk e outros mais lentos, a canção consegue equilibrar grandiosidade, rapidez e emoção de forma admirável. Em termos de composição, é a obra-prima da banda. Ao fim, Billie Joe reiterou seu amor pelo Brasil e disse que o show de Curitiba foi um dos melhores de toda a turnê.

Se “Dilemma” remete a Weezer, “Bobby Sox”, a penúltima canção do repertório, é uma cópia descarada do que a banda liderada por Rivers Cuomo entregou em seu genial e inigualável álbum de estreia, de 1994. A progressão de acordes, aliás, é idêntica à de “Say It Ain’t So”, talvez o maior sucesso daquele disco. É tão chiclete e traz uma melancolia tão delicada que fica fácil passar por cima do incômodo e apreciá-la. É interessante observar como o cinquentão Armstrong foi capaz de escrever agora uma canção tão bonita sobre o amor adolescente, enquanto o de vinte e poucos anos abordava essa época da vida por um viés muito mais ácido.
O encerramento, como não podia ser diferente, vem com a belíssima “Good Riddance (Time of Your Life)”, que já está quase no nível de “Tempo Perdido” (Legião Urbana) e “Wish You Were Here” (Pink Floyd) como campeã nas rodinhas de violão. Tocada apenas por Billie Joe, é praticamente um epílogo do show e encerra com chave de ouro. Observando a chuva de papel picado e o retorno de Cool e Dirnt ao palco para abraçar Armstrong enquanto este encerra a canção, é impossível não dar um sorriso e reconhecer que a banda deixou tudo de si no palco e se dedicou plenamente para que a experiência dos fãs tenha sido, sim, um dos melhores momentos de suas vidas.

Green Day — ao vivo em Curitiba
- Data: 12 de setembro de 2025
- Local: Arena da Baixada
- Turnê: The Saviors Tour
- Produção: Move Concerts
Repertório:
- American Idiot
- Holiday
- Know Your Enemy
- Boulevard of Broken Dreams
- One Eyed Bastard
- Revolution Radio
- Church on Sunday
- Longview
- Welcome to Paradise
- Hitchin’ a Ride
- Brain Stew
- St. Jimmy
- Dilemma
- 21 Guns
- Minority
- Basket Case
- When I Come Around
- Letterbomb
- Wake Me Up When September Ends
- Jesus of Suburbia
- Bobby Sox
- Good Riddance (Time of Your Life)
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