Comer algo açucarado é uma delícia, mas em excesso pode gerar um curioso efeito temporário na língua: impedir que se sinta outros sabores. As papilas gustativas ficam, literalmente, entupidas. O competentíssimo show do Powerwolf no Bangers Open Air 2025 tem efeito similar, visto que ao ouvir em demasia suas composições formulaicas, fica até difícil reparar no que eles têm a oferecer além de groove meio bate-cabeça meio dançante, corinho, refrão padronizado e estética chamativa.
Não é justo, diga-se, ignorar os muitos méritos do grupo alemão. Attila Dorn (voz), Falk Maria Schlegel (teclados), Matthew Greywolf (guitarra; no Brasil substituído temporariamente por Markus Pohl), Charles Greywolf (guitarra) e Roel van Helden (bateria) usam elementos do rock de arena em seu power metal, a ponto de abdicar de solos de guitarra para focar em fortes ganchos melódicos e refrães palatáveis — mais do que o padrão do subgênero do qual vieram. Visualmente, bebem da fonte do shock rock devido ao uso de corpse paint e por transformarem o palco em uma espécie de igreja. Já as letras versam sobre lendas folclóricas e ficção no geral, mas não é sobre dragão e espadinha como no power “tradicional”. E há muito carisma e presença de palco, especialmente de Dorn, que apela por interação do público a todo momento, e Schlegel, frequentemente fora de sua posição para agitar os fãs.
Funciona? Sim, e os milhares de fãs que curtiram muito o show no Bangers não me deixariam mentir. Surpreende? Não muito. A ideia de fundir o que melhor funciona em universos que nem sempre se fundem — power metal, folk europeu, rock de arena e shock rock — agrada, mas a ousadia que sobra no visual parece faltar às vezes nas composições. Os momentos de música mais legais do set de 15 canções e 1h15min surgiram justamente quando a banda trouxe um tempero adicional à sua fórmula, como em:
- “Sainted by the Storm”, trazendo ritmo mais dançante que o usual;
- “Werewolves of Armenia”, com trechos de letra em latim e peso extra;
- “Demons Are a Girl’s Best Friend”, de melodia irresistível a ponto de ser recordista em celulares para o alto;
- “Sanctified with Dynamite”, rara faixa a exigir não apenas uma performance vocal diferente de Attila, como também um solo de guitarra propriamente dito.
De resto, como dito, mas agora com uma inversão: pouco surpreende, mas, sim, funciona. Faz-se proveito de um público que carece de renovação efetiva na música pesada, com nomes que sejam capazes de tocar para grandes plateias. Como resultado, este talvez tenha sido, até aqui, o show que mais gerou reações em massa do público do Bangers Open Air.
Algo surpreendente para uma banda que, cinco anos atrás, tocou no agora extinto Tropical Butantã, casa em São Paulo com capacidade para 3 mil pessoas. Havia muito mais do que isso entupindo as áreas frontais e centrais das pistas do Memorial da América Latina e não apenas cantando a vários dos refrães fortes do quinteto, como, também, engajando-se a cada pedido típico de atração de arena feito por Dorn: dançar, pular, acompanhar nas palmas, gritar (só mulheres, só homens e todo mundo junto) e por aí vai. Para se ter ideia, o frontman tentou ensinar o coro que guia “Armata Strigoi” em quatro partes, mas nem precisou: ao entoar a primeira, a galera já emendou nas outras.
Como a conquista de público do Powerwolf é progressiva, deve demorar até que as papilas gustativas dos fãs se enjoem dos doces oferecidos pelo grupo. Até porque, deve-se admitir, são bem gostosos e estão virando campeões de vendas. Mas seria interessante, sim, poder desfrutar de sabores distintos de caras que claramente têm capacidade para oferecer mais.
**Este conteúdo faz parte da cobertura Bangers Open Air 2025 — clique para conferir outras resenhas com fotos e vídeos.
Repertório — Powerwolf no Bangers Open Air 2025
- Bless ’em With the Blade
- Incense & Iron
- Army of the Night
- Sinners of the Seven Seas
- Amen & Attack
- Dancing With the Dead
- Armata Strigoi
- Sainted by the Storm
- Heretic Hunters
- Fire and Forgive
- Werewolves of Armenia
- Demons Are a Girl’s Best Friend
- Blood for Blood (Faoladh)
- Sanctified With Dynamite
- We Drink Your Blood
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