O segurança do Carioca Club até tentou acabar com a farra do pessoal que a toda hora subia ao palco para depois pular de volta à pista durante o show do Helmet, na quarta-feira (30), véspera de feriadão em São Paulo. Mas o público, praticamente lotando a casa, estava empolgado e o groove característico dos americanos manteve os ânimos lá no alto durante o set de pouco mais de uma hora e meia.
O apelo nostálgico da turnê era óbvio: o influente grupo executou na íntegra seu terceiro álbum, “Betty” como início da parte sul-americana da excursão celebrando seus trinta anos. O disco foi lançado em 1994 após o alvoroço causado por “Unsung”, hit do trabalho anterior que catapultou a banda quase como uma resposta da costa leste dos Estados Unidos ao movimento grunge de Seattle.
“Betty” não teve a mesma repercussão de “Meantime” (1992), que recebeu certificação de ouro nos Estados Unidos e teve mais de um milhão de cópias vendidas no mundo todo. Ainda assim, os três singles extraídos do trabalho mantiveram o grupo em alta rotação com o público roqueiro naquela década, justificando a pista entupida do Carioca Club numa noite de quarta-feira, dia útil, apesar do feriado prolongado à espreita.
Treva e Debrix
Para a apresentação na capital paulista, houve duas bandas de abertura, ambas ainda iniciantes e sem tanto apelo. A plateia, claramente a fim de um show para rememorar músicas de três décadas antes, preferiu chegar mais em cima do horário marcado para a atração principal, às 22h.
A missão de iniciar os trabalhos da noite coube ao Treva, grupo paulistano formado durante a pandemia de covid-19, daí origina seu nome. O quarteto subiu ao palco na hora marcada, 19h50, com o sistema de som executando “Meu Sofrer (Queixumes)”, modinha de Noel Rosa, antes de emendar “Novo Amanhã” para dar início ao seu show.
Com apenas um álbum disponível — “Em Própria Razão” (2023), lançado pela El Rocha Records —, o Treva se intitula “blues punk rock n’ roll”, mas apresentou o som muitas vezes próximo de um hardcore melódico mesmo. O vocalista e guitarrista Felipe Ribeiro, ex-Confronto, até tentou trazer o ainda pequeno público na pista do Carioca Club para mais próximo do palco, mas, por pouco mais de trinta minutos, faixas como “Memórias & Reclusão” ou “Renasce em Dor” ou o apelo político de seus discursos não despertaram muito além de palmas contidas.
Repertório — Treva:
- Novo Amanhã
- Onde Morre o Sol
- Memórias & Reclusão
- Por Chance, Por Sangue
- Recomeço
- Renasce Em Dor
- O Passado Que Se Tem
Mais empolgado estava o Debrix, responsável por abrir os outros shows do Helmet no continente e que subiu ao palco quase dez minutos antes do horário previsto. Se o som estava em volume ensurdecedor enquanto o público começava a preencher melhor a pista do Carioca Club, visualmente não dava pra definir exatamente o som do quinteto de São José dos Campos, no interior paulista.
Também não ajudaram muito as músicas executadas nos quase quarenta minutos de sua apresentação. Se “Picture Pose” e “Thunderstorm” traziam riffs e peso apelando aos fãs de metal mais tradicional, as grooveadas faixas novas, “Brisa do Espelho” e “Nada pra Palar”, cantadas em português, se encaixavam um pouco mais no contexto do público do Helmet.
Ainda assim, nenhuma delas foi capaz de despertar reações muito mais entusiasmadas na pista do Carioca Club — apesar da animação escancarada nas feições de cada músico, em especial do comunicativo vocalista Felippo Teixeira.
Repertório — Debrix:
- Stray
- Push It
- Brisa de Espelho
- Picture Pose
- Thunderstorm
- Turn the Page
- Born Beast
- Perigo
- Nada Pra Falar
- Bullseye
Helmet
Nos longos 40 minutos de intervalo entre o fim do show Debrix e o horário previsto para o Helmet subir ao palco, o sistema de som do Carioca Club executava quase um lounge jazz em volume bem baixo. Talvez a intenção fosse manter a calma das pessoas que começavam a entupir a pista na expectativa da atração principal, com reações aumentando conforme se ouvia algum último ajuste do som dos instrumentos dos músicos.
As cortinas do palco do Carioca Club se abriram pontualmente às 22h, mas levou ainda três minutos até o guitarrista, vocalista, principal compositor e homem-banda Page Hamilton aparecer e se posicionar em seu canto esquerdo, de onde quase não saiu na apresentação de pouco além de uma hora e meia do Helmet em São Paulo.
A primeira metade do show, que marcou a quinta visita do Helmet ao Brasil, foi a execução praticamente ininterrupta de todas as faixas de “Betty”, na sequência do disco. Não houve qualquer comunicação entre banda e público além das músicas, quase todas emendadas uma na outra sem pausas.
A abertura veio com “Wilma’s Rainbow”, que já transformou a metade da pista próxima ao palco do Carioca Club num pula-pula interminável. A animação se manteve durante o quarto inicial do show, no qual se localizavam as outras duas faixas do disco então escolhidas para serem singles, “Biscuits for Smut” e “Milquetoast”, essa última também parte da trilha sonora do filme “The Crow” (1994) e responsável pelo maior êxtase da execução de “Betty” durante a noite.
Como citado, o disco de 1994, apesar de influente, não teve a mesma repercussão de seu antecessor. A banda seguiu aperfeiçoando o seu groove característico dentro dos limites de batidas aparentemente simples, mas com um estilo de chamado-resposta entre riff e bateria com paradas quase sincopadas. Ainda que inigualável, o estilo foi copiado além do suportável pelas bandas que posteriormente ascenderam na música pesada.
Nessa linha, a opção de Hamilton por executar o álbum na íntegra resvalou nesse problema meio comum de tal conceito de show. Suas catorze músicas em quarenta minutos têm boa fluência ao variar andamentos, como na quadra a partir “Street Crab”, “Clean”, “Vaccination” e “Beautiful Love” (adaptação barulhenta de um tema jazz de Wayne King composto nos anos 30). “Speechless” retomou maior peso numa reta final mais experimental, com o groove de baixo meio “cabaré” de “The Silver Hawaiian”, a arrastada e meio melancólica “Overrated” e a brincadeira com blues acústico de “Sam’s Hell” ter se perdido no palco sob guitarras distorcidas e alto volume.
Conforme a execução de “Betty” entrava em faixas menos conhecidas, no entanto, a reação do público saiu do acompanhamento entusiasmado das músicas para a mera empolgação causada pelo groove irresistível de sua seção rítmica. Crowd surfing e stage diving começaram a se tornar frequentes no Carioca Club, casa que tradicionalmente não permite esse tipo de reação. Como não havia a tradicional separação para a pista, o jeito para tentar conter a empolgação da galera foi um segurança em cima do palco como se fosse um músico e, assim como os roadies nas laterais, olhar feio para quem subisse.
Não adiantou muito, principalmente porque, na segunda parte do show, o repertório se concentrou em músicas dos outros três discos da fase inicial do Helmet, quando o seu groove telepático e inigualável foi desenvolvido por Hamilton ao lado do baixista Henry Bogdan e do baterista John Stanier.
A sua reprodução no Carioca Club foi feita o mais próxima possível pelos músicos que já integram a banda há mais de uma década: o baterista Kyle Stevenson, com quase vinte anos de serviços prestados segurando as batidas, o guitarrista Dan Beeman, desde 2008 no posto, e o “caçula” Dave Case, trajando camiseta de “Seinfeld” inspirada na capa de “Beneath the Remains” do Sepultura, que assumiu o baixo do grupo em 2010.
A apresentação pelo líder dos músicos que o acompanhavam precedeu a segunda parte do repertório da noite. Ninguém deixou o palco. Apenas duas faixas de seus álbuns lançados neste novo milênio estiveram presentes: “Swallowing Everything”, de “Monochrome” (2006), retomou os trabalhos sem perder muito tempo e, mais tarde, “Dislocated”, extraída do mais recente “Left” (2023), também foi capaz de manter a empolgação na pista.
Uma dupla de faixas do primeiro e furioso disco de estreia, “Strap It On” (1990), não gerou as reações mais agressivas no Carioca Club, que pareceu mais satisfeito com “Driving Nowhere”, um dos singles de “Aftertaste” (1997), último álbum noventista. Obviamente, tudo mudou quando o hit maior “Unsung” veio na reta final: a casa veio abaixo, com o público cantando desde o seu riff, com as tradicionais paradas, assim como a letra toda. “Turned Out”, outra de “Meantime”, encerrou a segunda parte da apresentação com a banda deixando o palco extasiada.
O grupo esperou alguns minutos para voltar, enquanto a plateia ensaiava alguns dos tradicionais gritos de “olê, olê, olê, Helmeeet, Helmeeet”. Talvez para não diminuir tamanha empolgação, Hamilton tenha optado por alterar o repertório original que esteve circulando pelo Carioca antes da apresentação e incluiu mais uma canção de “Meantime” no bis, excluindo “Gun Fluf”, outra do disco novo prevista para ser executada.
A relativamente morosa “Give It” iniciou a retomada com o público cantando seus versos iniciais, seguida pela pesada “Ironhead”, do mesmo disco de 1992. O caos aumentou com um dos clássicos da junção entre metal e rap, “Just Another Victim”, faixa gravada ao lado do House of Pain para a trilha sonora de “Judgement Night” (1993), talvez a maior responsável — ou culpada, como queiram — pela ascensão do nu metal.
“In the Meantime”, quase-faixa-título do disco de maior sucesso do grupo, teve seu refrão berrado pelo público na pista do Carioca Club e encerrou a noite de apelo nostágico noventista. O Helmet até tem mais a oferecer, mas o público esteve mais interessado em pular como se tivesse trinta anos a menos. Muitos devem sofrer ao descobrir o que sobrou das pernas para o feriadão.
Helmet — ao vivo em São Paulo
- Local: Carioca Club
- Data: 30 de abril de 2025
- Turnê: Betty 30th Anniversary Tour
- Produção: Maraty / Venus Concerts / Powerline Music & Books
Repertório:
(Parte 1: “Betty” na íntegra)
1. Wilma’s Rainbow
2. I Know
3. Biscuits for Smut
4. Milquetoast
5. Tic
6. Rollo
7. Street Crab
8. Clean
9. Vaccination
10. Beautiful Love
11. Speechless
12. The Silver Hawaiian
13. Overrated
14. Sam Hell
(Parte 2)
15. Swallowing Everything
16. Blacktop
17. Driving Nowhere
18. Bad Mood
19. Dislocated
20. Unsung
21. Turned Out
Bis:
22. Give It
23. Ironhead
24. Just Another Victim
25. In the Meantime
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