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Em noite de protagonismo feminino, Garbage enfileira hits e faz público cantar em SP

Show agressivo do L7 só cativou mesmo a plateia com maior hit; The Mönic mostrou força ao obter boa reação dos ainda pouco presentes

Quando duas bandas que tiveram seu auge de popularidade há mais de vinte anos se juntam para um show, pode soar como apelação para somar públicos de artistas decadentes sem muito a dizer. Parece ainda mais clichê organizar no mês de março, no qual se celebra o Dia Internacional da Mulher, uma turnê com bandas de protagonismo feminino. Mas nada disso procede quando se fala da tour nacional, produzida pela Liberation MC, que uniu Garbage e L7 pela primeira vez.

Os grupos marcaram época cada um em sua metade dos anos 1990 e já provaram, em passagens anteriores no Brasil, que têm público para segurarem apresentações sozinhos. Todavia, a junção mostrou que tanto sonoridade quanto mensagem de ambos se provaram ainda atuais e urgentes — ainda que o público em grande maioria tenha comparecido para ver Shirley Manson e companhia.

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Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Além disso, o pacote teve apelo não apenas pela nostalgia, pois incluiu o ascendente quarteto paulista The Mönic. No fim das contas, atraiu gente suficiente para deixar entupidas tanto a pista comum quanto a premium da Terra SP, casa na Zona Sul e bem afastada do centro paulistano com capacidade para entre 3 e 4 mil pessoas, a depender do formato.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

The Mönic conquista aos poucos público ainda pequeno

Com 5 minutos de atraso, The Mönic entrou às 19h35 no que sobrara de espaço no palco no Terra SP, com dois kits de bateria montados ao fundo, e executou “Sabotagem”, do disco “Cuidado Você” (2023).

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Convidada pelo Garbage para abrir as apresentações no Brasil em meio à turnê sul-americana, a banda não esteve na primeira data do giro no país — no Rio de Janeiro, sexta-feira (21) — pois se despedia do baterista Thiago Coiote em show especial na capital paulista.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Assim, a festa assumidamente feminista do sábado marcou de jeito adequado a reestreia de Daniely Simões na função e o retorno do quarteto a uma formação exclusiva de mulheres. A trinca na linha de frente, formada pela baixista Joan Bedin e pelas guitarristas Dani Buarque e Ale Labelle, dividiu os vocais em faixas como “Bruxaria” e “Atear”. O entrosamento do trio, que vem de uma agenda repleta de apresentações nos últimos anos, não pareceu ter sido abalado com a volta da baterista.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

“Marte”, composição mais densa lançada como single no ano passado, não mexeu tanto com o público. Todavia, o esforço de Buarque como principal vocalista e líder do grupo no palco foi sendo recompensado ao longo dos 25 minutos da performance.

As poucas pessoas já presentes no Terra SP saíram de uma contemplação respeitosa, mas desinteressada, para uma participação contida com palmas. Insuficiente, porém, para acompanhar os cânticos “misfiticos” de “TDA”, quando Flavia Biggs, guitarrista de The Biggs e responsável por trazer ao Brasil o Girls Rock Camp, assumiu o instrumento para Buarque invadir a pista e tentar puxar uma roda de mosh.

Nesta última música executada em um repertório aparentemente interrompido pelo atraso inicial, poucas pessoas foram angariadas. Um indicativo do perfil menos agressivo do público na Terra SP para a noitada que havia apenas começado.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Repertório — The Mönic:

  1. Sabotagem
  2. Bruxaria
  3. Antes Tarde
  4. Aquela Mina
  5. Marte
  6. Atear
  7. Kamikaze
  8. TDA (com participação de Flávia Biggs)
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Muito agressivas para público respeitoso, L7 cativa com hit

Ainda na parte inicial da apresentação do L7, a animada baixista Jennifer Finch chegou a perguntar diretamente ao público sobre quem já as havia visto ou até mesmo o Garbage antes. A maior parte das respostas de pessoas erguendo a mão como “virgens” deixou claro o esforço necessário para conquistar uma resposta maior da pista da casa, já bem mais preenchida, mas ainda sem lotar.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Era uma festa feminista, com apelo nostálgico noventista, no entanto não havia um público de punk rock no Terra SP. Assim, quando o quarteto entrou com um atraso quase imperceptível no palco por volta das 20h com a abrasiva e curta “The Beauty Process”, ficou claro: a banda não pregava para convertidos.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

A reação não melhorou muito para “Scrap”, a primeira de seis faixas do clássico “Bricks are Heavy” (1992). O disco foi gravado sob a batuta do baterista da banda principal Butch Vig na produção pelas mesmas quatro mulheres no palco do Terra SP, reunidas desde 2014 após um hiato de mais de uma década.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Precisou “Monster”, o terceiro e último clipe extraído daquele álbum, para despertar alguns coros do público acompanhado os vocais de Suzi Gardner — vestida toda de preto e ainda com óculos escuros como se estivesse num velório.

Então veio “Fuel My Fire”, primeira de três músicas do disco seguinte, “Hungry for Stink” (1994), que nem chegou perto da mesma repercussão do antecessor, mas mostrou a banda começando a expandir sua sonoridade além do punk rock. Curiosamente, a faixa, que seria regravada pelos britânicos do Prodigy no icônico “Fat of the Land” (1997), teve a maior resposta dos presentes até então.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Diferentemente do que aconteceu nas outras três apresentações do L7 pelo país — inclusive as lendárias apresentações no Hollywood Rock de 1993 superando um errático Nirvana —, a pouco mais de uma hora do show deste sábado pareceu ao público como uma espera animada por “Pretend We’re Dead”. A música, outra do clássico álbum de 1992, veio quase ao final do repertório e, nesta noite, teve a participação especial de Lovefoxx, vocalista do Cansei de Ser Sexy. Nem de longe gerou um frenesi catártico para o hit.

Antes, faixas mais recentes como o single de 2017 “Dispatch From Mar-a-Lago” e “Stadium West”, do mais recente álbum “Scatter the Rats” (2019), não chegavam a desanimar a pista, mas este repórter viu apenas uma alma tentando elevar seu corpo para surfar sobre a multidão, sem muito sucesso.

Não era um público para elas, como mostrou a reação pouco entusiasmada para os hinos punks feministas “Shove”, do segundo álbum “Hungry for Stink” (1991) que marcou a estreia da baterista Dee Plakas no grupo, e principalmente “Everglade”, single cantado por Finch e sucessor de “Pretend We’re Dead” em 1992.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Plakas, por sua vez, nem parecia se recuperar de uma lesão no pé, tamanho o volume saído da força com que tocava sua bateria. Para não restar dúvida de sua forma, executou sozinha brevemente a introdução de “We Care a Lot”, do Faith no More, que pareceu totalmente desconhecida do público. Reação similar a quando o resto da banda se juntou para a arrastada e quase sludge “Must Have More”, outra das três faixas de “The Beauty Process: Triple Platinum”, álbum lançado em 1997 já sem Finch na banda.

Lovefoxxx (Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox)

Com o hit de “Bricks are Heavy” já executado, a guitarrista e principal vocalista Donita Sparks enfileirou outra do mesmo disco, “Shitlist”, e exacerbou seus “erres” em “Fast and Frightening”, do álbum de 1991, para encerrar de forma agressiva a noite para um público, em uma pista então lotada, que aguardava ansioso a próxima apresentação.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Repertório — L7:

  1. The Beauty Process
  2. Scrap
  3. Monster
  4. Fuel My Fire
  5. One More Thing
  6. Stadium West
  7. Andres
  8. Must Have More
  9. Bad Things
  10. Stuck Here Again
  11. Everglade
  12. Dispatch From Mar-a-Lago
  13. Shove
  14. Pretend We’re Dead (com participação de Lovefoxxx, do Cansei de Ser Sexy)
  15. Shitlist
  16. Fast and Frightening
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Garbage mostra força de repertório que não envelhece

Se The Mönic mal tinha espaço no palco durante sua apresentação, a situação se inverteu completamente para o Garbage. Retirado o kit de bateria do L7, apenas restaram o instrumento de Butch Vig — misturando elementos eletrônicos e acústicos —, dois teclados e dois pedestais de microfone.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

A ausência de amplificadores deixava o espaço livre para que a vocalista escocesa Shirley Manson percorresse o cenário como quisesse para misturar sua exibição teatral à atitude quase punk, sob um carisma irresistível. Por outro lado, o processo demorou em quase dez minutos o início da apresentação. Gerou ainda um contraste curioso entre o ambiente minimalista e o figurino da cantora.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

A sofisticação do uso das luzes e das imagens no telão, preciso ao dar ênfase a cada atmosfera das faixas executadas e destacar a vocalista, escancarou a diferença da atração principal da noite para as duas bandas anteriores.

Mudança refletida na participação do público, acompanhando Manson em coro quando o Garbage entrou em cena quase às 22h10 e executou logo de cara “Queer” e “Fix Me Now”, duas músicas de seu multiplatinado álbum de estreia homônimo de 1995. Talvez por essa reação bem mais entusiasmada em relação à atração anterior, Manson tenha feito questão de enaltecer e ressaltar a importância do L7 logo no início. Um gesto de sororidade que rendeu um justo reconhecimento ao quarteto formado em Los Angeles.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Exceto por duas faixas de “No Gods No Masters” (2021) e uma de “Strange Little Bird” (2016) — nenhuma prévia do álbum a ser lançado este ano —, o Garbage concentrou seu repertório majoritariamente em seus dois discos lançados nos anos 1990. Tanto o trabalho de estreia quanto o também platinado “Version 2.0” (1998) tiveram seis músicas executadas na Terra SP. Isso sem contar “#1 Crush”, faixa da trilha sonora do filme “Romeu + Julieta”, lançado no Brasil em 1997, posteriormente incluída em reedições do primeiro álbum, e uma citação a “Personal Jesus” (Depeche Mode) no meio de “Wicked Ways”, do segundo álbum.

Assim, o quarteto formado por Manson, Vig e os guitarristas — vez por outra tecladistas e também renomados produtores —, Duke Erikson e Steve Marker enfileiraram hits para alegria do público que lotava a pista e cantava junto, quando não sozinho mesmo com a vocalista lhes apontando o microfone.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Apesar de um pouco de distorção no início, o show teve volume alto e qualidade de som cristalina, como era de se esperar de um time desses. A voz de Shirley Manson segue inabalável como se fosse ontem que o vídeo de “Suffocate Me”, de sua banda anterior Angelfish, tivesse capturado a atenção de Vig para liderar seu projeto musical.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Na atual turnê, os quatro membros da banda vêm sendo acompanhados da baixista Nicole Fiorentino, já graduada em preencher bandas noventistas no atual milênio por suas passagens no Veruca Salt e Smashing Pumpkins. Mesmo sem sair nunca do lado do kit de bateria de Vig, ela teve seu momento de holofotes quando cantou em dueto com Manson a baladaça “Cup of Coffee”.

Além dela, a cativante e dançante “Cherry Lips (Go Baby Go)” foi executada de “beautifulgarbage” (2001), álbum que, nas palavras da vocalista, teve sua repercussão prejudicada pelos ataques terroristas de onze de setembro. Segundo ela, a mensagem feminista e progressista das letras passou a não ser bem-vista pela mídia americana de então — algo que tem voltado a ocorrer no momento.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

O auge do show veio na arrebatadora sequência logo após “Cup of Coffee”, quando a apresentação de uma hora e meia entrava em sua segunda metade. “Vow”, “Special”, “Stupid Girl” e “Only Happy When It Rains”, iniciada em versão quase de cabaré com Shirley cantando ao som do piano, despertaram coros cada vez mais ensurdecedores do público.

O tom mais introspectivo de “Milk” e “#1 Crush” promoveu um certo descanso ao público, antes de a primeira parte do show se encerrar. A Terra SP se transformou numa pista de dança para trinca final com “I think I’m Paranoid”, “Cherry Lips (Go Baby Go)” (dedicada à comunidade transgênero em um discurso de Manson a favor da liberdade das pessoas no uso do próprio corpo) e “Push It”.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

A espera pelo bis não foi longa, e o Garbage não ofereceu mais do que uma música. Após anunciar rapidamente um a um os músicos da banda, Manson introduziu “When I Grow Up” pedindo ao público que nunca envelheça.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Acompanhando os coros iniciais da música, certamente muitos dos fãs presentes que viram o lançamento do disco em 1998 envelheceram. Porém, a capacidade de renovar seu público mostrada na Terra SP provou que a densa fusão de rock alternativo e batidas eletrônicas do Garbage e a mensagem de suas letras seguem atemporais.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Garbage — ao vivo em São Paulo

  • Local: Terra SP
  • Data: 22 de março de 2025
  • Produção: Liberation MC

Repertório:

Introdução: Laura Palmer’s Theme (música de Angelo Badalamenti)
1. Queer
2. Fix Me Now
3. Empty
4. The Men Who Rule the World
5. Wicked Ways (com citação a “Personal Jesus” do Depeche Mode)
6. The Trick Is to Keep Breathing
7. Wolves
8. Cup of Coffee
9. Vow
10. Special
11. Stupid Girl
12. Only Happy When It Rains
13. Milk
14. #1 Crush
15. I Think I’m Paranoid
16. Cherry Lips (Go Baby Go!)
17. Push it
Bis:
18. When I Grow Up

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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