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Resenha: Entre altos e um baixo, Hellacopters acerta com “Overdriver”

Sonoridade setentista com atitude punk apresentada no álbum é acessível e contagiante; ponto fraco notório destoa do restante do material

Quando o Hellacopters anunciou o lançamento de “Eyes of Oblivion” (2022), seu primeiro álbum de inéditas desde “Head Off” (2008), o vocalista e guitarrista Nicke Andersson o descreveu como “Os Beatles misturados com Judas Priest, ou Lynyrd Skynyrd misturado com Ramones”, ressaltando que essa amálgama era o som da banda naquele momento.

Quase três anos após esse retorno sensacional e bem-sucedido — período que incluiu um relançamento revitalizado de “Grande Rock” (1999), rebatizado como “Grande Rock Revisited”, e o lançamento de um compacto em vinil com a inédita “Stay with Me”, além de Andersson se dedicar ao Lucifer, banda da qual é baterista desde 2017 —, o grupo sueco apresenta o nono capítulo de sua discografia de estúdio. O clima é de jogo ganho, não obstante o repertório contenha a pior música já registrada por ele.

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À primeira audição, “Overdriver” soa como um trabalho concebido simultaneamente ao seu antecessor. Um gêmeo geneticamente idêntico, compartilhando a mesma placenta sonora e nutrido pelo mesmo oxigênio essencial para seu crescimento. Mas, conforme aprimoramos as escutas, logo suspeitamos tratar-se da fecundação de dois óvulos por espermatozoides diferentes — ou da divisão de um único óvulo fertilizado nas primeiras etapas de desenvolvimento.

Isso porque, ao contrário de “Eyes of Oblivion”, cujo apuro subjacente denota certa inclinação e preocupação radiofônica — compreensível, já que funcionou, sobretudo, como um novo cartão de visitas —, “Overdriver” captura uma espontaneidade mais despojada em estúdio. O novo registro valoriza a organicidade e suas imperfeições — exceto nos vocais, polidos à perfeição.

Em outras palavras, Andersson, Robert Eriksson (bateria), Anders Lindström (órgão) e Dolf DeBorst (baixo) revestem o rock de contornos setentistas com a indumentária punk da tomada única, feita no calor da emoção. E, de certa forma, conseguem fazê-lo soar acessível, cativante e, dadas as paisagens pasteurizadas do rock de plugins atual, necessário.

A mensagem também é: “Do You Feel Normal” é uma ode aos párias, com DNA kisseiro e um alto-astral que contrasta com a severidade do tema — solidão — abordado na letra. Com uma pegada mais cáustica, “Doomsday Daydreams” manda o recado: “Não preciso ser salvo”. Seu solo, que inclui uma seção com slide, é o repelente ideal contra quaisquer tentativas de manipulação mental.

Lembra da menção aos Beatles feita por Andersson? A faixa de abertura, “Token Apologies”, deriva de “Day Tripper” tanto no riff quanto, parcialmente, na estrutura. Já “Don’t Let Me Bring You Down” e “Faraway Looks” (“Baby Borderline”, é você?) incorporam o Hellacopters de “High Visibility” (2000), e eu poderia acrescentar que seus clipes fariam bonito na programação da MTV — se as músicas tivessem clipe e se ainda existisse uma MTV como a de antigamente, é lógico. “Wrong Face On” caberia na mesma definição, caso se restringisse à introdução e ao refrão, pois os versos de pegada saloon em nada remetem à banda de duas décadas atrás.

Não chega a ser um caso explícito de autoplágio, mas “The Stench” revive a atmosfera sufocante e algo irônica de “So Sorry I Could Die” — segundo single e melhor faixa de “Eyes of Oblivion” —, ancorando-se na repetição do mantra que diz que o ranço permanece.

E por falar em ranço, “(I Don’t Wanna Be) Just a Memory” é o ponto abaixo da curva, uma total e completa rendição ao indie de boate. Não surpreende, pelo menos do ponto de vista comercial, sua escolha como single. É música para angariar ouvintes, quem sabe viralizar. Mas não deixa de ser o embarque para um voo de exatos 3 minutos e 23 segundos de duração.

Em razão disso, e somente disso, “Eyes of Oblivion” ainda vence sem necessidade de tira-teima. Mas, na disputa pelos melhores de 2025, pode ser que “Overdriver” conquiste um lugar no top 10. Aguardemos.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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