Na virada do século, se surgisse uma banda de metal com uma mulher no posto de vocalista, era quase garantia de esta ser uma cantora lírica. Isso mudou. Impera na música pesada o gutural, técnica presente em uma infinidade de subgêneros. Nesse cenário, os ucranianos da Jinjer se consolidaram como um dos expoentes do som extremo contemporâneo e têm no microfone uma das craques do estilo brutal de canto, Tatiana Shmayluk.
Em sua terceira vinda ao Brasil, o grupo fundado em 2008 vem acompanhado dos veteranos alemães do Heaven Shall Burn, concebido em 1995. Após passar por Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro, a turnê foi encerrada no Terra SP no último domingo (8), com ingressos praticamente esgotados.
Por motivos de força maior (por parte do repórter), não foi possível assistir à apresentação de abertura da jundiaiense Fim da Aurora, que promove o álbum “Empty” (2024). Conheça o trabalho deles clicando aqui.
Heaven Shall Burn
Se os ucranianos passam por uma expansão impressionante de popularidade, indo de um show exclusivo no Manifesto Bar em 2018 para uma turnê como headliner em seis capitais em 2024, o Heaven Shall Burn, que se apresenta regularmente no Brasil desde 2002, tem se consolidado como convidado de luxo de atrações maiores. Antes desta vinda, que é a sétima, já acompanharam As I Lay Dying (2009) e Parkway Drive (2014), além de terem participado do Liberation Festival, encabeçado pelo King Diamond (2017).
Começando a soar com as luzes da casa parcialmente acesas, a introdução “Risandi Von” foi seguida por “Awoken”, mais um introito, quando o logo da banda apareceu no telão. Contrariando as estatísticas, o vocalista Marcus Bischoff subiu ao palco antes dos colegas. Sorridente, saudava o público enquanto os guitarristas Maik Weichert e Alexander Dietz, o baixista Eric Bischoff e o baterista Christian Bassiam aos poucos assumiam os respectivos lugares. “Endzeit” encerrou a suavidade do piano e cordas ouvidos até então.
O que essa longa descrição da abertura mostra é que as duas trilhas introdutórias, além de atípicas, são de discos diferentes (“Antigone” e “Iconoclast”, respectivamente). Nenhum deles é o mais recente, o duplo “Of Truth and Sacrifice” (2020).
Não era um show típico de divulgação de disco, mas serviu para mostrar para o público da Jinjer de que se trata o Heaven Shall Burn. Às vezes tratado como death metal melódico, às vezes como metalcore, o grupo alemão serve-se de elementos suaves e melódicos para acompanhar, eventualmente de forma desconexa, o peso brutal das guitarras e o vocal praticamente ininteligível de Marcus Bischoff.
Os aplausos tímidos e curtos após a primeira música mostraram que o Heaven Shall Burn jogava fora de casa e com restrita torcida visitante. Apesar disso, os problemas no som, que ocorreram na bateria em “Endzeit” e na guitarra em “My Heart and the Ocean” — que precisou ser tocada novamente —, não comprometeram a apresentação energética, simpática e comunicativa de toda a banda. Maik Weichert “reclamou” rindo do segundo problema técnico em português: “car#lho”. O bom humor contagiou a plateia, que reagiu com muito mais ânimo quando a canção recomeçou.
O repertório incluiu mais da metade dos nove discos de estúdio, um resumo significativo de uma carreira que já se aproxima dos 30 anos. Mas a parcela de público que também estava lá por eles não foi esquecida. Para eles, teve o hit “Black Tears” (cover de Edge of Sanity), que havia sido tocada apenas em Porto Alegre. Os fãs agradeceram cantando em bom volume, só superado durante a apresentação da atração principal.
Repertório — Heaven Shall Burn:
- Endzeit
- Bring the War Home
- Übermacht
- Counterweight
- Hunters Will Be Hunted
- Voice of the Voiceless
- Behind a Wall of Silence
- My Heart and the Ocean
- Black Tears (original do Edge of Sanity)
- Profane Believers
- Corium
Jinjer
Todas as luzes foram apagadas na hora da atração principal. Todos os gritos e aplausos conseguidos com muito esforço pelo Heaven Shall Burn foram obtidos pelos ucranianos ainda fora do palco, apenas com a intro “Prologue” rolando e o nome “Jinjer” brilhando no telão no fundo do palco.
Roman Ibramkhalilov (guitarra), Eugene Abdukhanov (baixo) e Vlad Ulasevich (bateria) entraram e logo começaram “Just Another”, do álbum “King of Everything” (2016). Tatiana Shmayluk subiu ao palco sem pressa, andando de lado para a plateia, com a movimentação característica de um gato andando em cima do muro e às vezes parando para se alongar.
É a frieza do atacante que não se abala na cobrança de pênalti em jogo decisivo. Firmeza que só a arrogância ou a segurança dão, mas com resultados diferentes. Tatiana é a única com microfone no palco. Nenhum dos músicos faz backing. Logo, é ela que se comunica bem pouco com a plateia. Parece arrogância, mas não é.
O trabalho complexo da Jinjer, uma mistura de Gojira com Lacuna Coil, não é de simples execução. O show é regrado pelo metrônomo, a música e as imagens projetadas no telão andam impecavelmente juntas o tempo todo. Demanda alta concentração. E, mesmo assim, ninguém ali no palco tem performance robótica. Até Ulasevich transparece empolgação, enquanto toca em um kit de configuração bastante atípica: os pratos parecem empilhados de qualquer jeito e a semelhança com uma pia cheia de louça suja não é pequena.
Na segunda música, “Sit Stay Roll Over”, também de “King of Everything”, Tatiana direciona o microfone para a plateia, que canta, mas não em uníssono, pois o trabalho da Jinjer é “incantável” e “impulável”, embora facilmente admirável. O tempo dificulta o acompanhamento e por isso, quem não reproduzia as linhas vocais, curtia a seu modo.
Cada um na sua
Muitos estavam embasbacados com a perfeição da performance, com a versatilidade ímpar dos vocais da Tatiana, que leva a um nível olímpico a alternância entre gutural pesado e vocal limpo à la Cristina Scabbia. Mas também era comum ver por todos os setores mulheres dançando de jeito próprio, sem se preocupar com movimentos coletivos. A única uniformidade por parte da plateia ocorria nos intervalos das músicas, com aplausos entusiasmados e o bom e velho “olê, olê, olê, Jinjer, Jinjer”.
A economia na comunicação não significou falta de educação. Teve o “boa noite, São Paulo”, os agradecimentos padrão e até uma saudação para o Heaven Shall Burn, já perto do final do show.
Por outro lado, faltou informação. Se quase ignoraram o álbum mais recente (tocaram apenas “Copycat” do disco “Wallflowers”, de 2021), deixaram de avisar que quatro faixas estarão no próximo disco, “Duél”, anunciado para fevereiro de 2025.
Uma delas, “Someone’s Daughter”, cativa facilmente em parte por ser majoritariamente com voz limpa. Isso não significa um apelo a uma direção mais comercial. Como em “Teacher, Teacher”, que tem influência de hip hop e refrão grudento, mostra que a Jinjer não consegue — ou não quer — ser pop. É isso que parece ser o denominador comum entre quem dança, quem agita e quem permanece em estado de hipnose na plateia.
Após um breve intervalo, chega a hora da música que mudou tudo na carreira da banda, segundo os próprios integrantes. Mas “Pisces” tem recepção nem maior nem menor do que as músicas anteriores. Uma demonstração de que a Jinjer não precisa de hit para manter o show atrativo. A banda toda se despede e deixa o palco em pouquíssimo tempo, quase de forma abrupta — talvez para facilitar a quebra do clima e a volta à realidade.
Jinjer — ao vivo em São Paulo
- Local: Terra SP
- Data: 8 de dezembro de 2024
- Turnê: Latin America Tour 2024
- Produção: Liberation MC
Repertório:
- Just Another
- Sit Stay Roll Over
- Ape
- Fast Draw
- Green Serpent
- Retrospection
- Teacher, Teacher!
- On the Top
- I Speak Astronomy
- Someone’s Daughter
- Kafka
- Copycat
- Perennial
- Rogue
Bis:
- Pisces
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