Um mesmo cantor fez shows com duas bandas diferentes no mesmo dia e local. A descrição de um atípica caso de serviço duplo — prestado por King Diamond solo e com o Mercyful Fate no Monsters of Rock em 1996 — aplica-se à passagem de Static-X e Dope pelo Brasil, com data única no Terra, em São Paulo, na última quinta-feira (7). Tal qual o Mudvayne, que fez parte do Knotfest Brasil 2024, são nomes importantes da primeira fase do nu metal/industrial que nunca haviam se apresentado aqui.
Edsel Dope lidera a banda que leva seu sobrenome, Dope, e tem ocupado também o posto de vocalista do Static-X. Diferentemente do King Diamond, que tem o mesmo nome, máscara e pedestal de microfone de ossos na carreira solo e no Mercyful Fate, Edsel exerce a função duplicada com postura completamente distinta, a ser dissecada mais adiante.
Um público reduzido testemunhou as performances. Talvez por ter sido em uma quinta-feira. Ou por causa da chuva. Ou, em especial, pelo enorme número de artistas estrangeiros estejam vindo ou iniciando a venda de ingressos para a próxima visita ao Brasil.
Dope
O Terra estava ainda mais vazio quando “Woke Up This Morning”, faixa do Alabama 3 notória pelo uso como tema da série “Família Soprano”, terminou e subiram ao palco o baixista Daniel Fox, o guitarrista Andre “Virus” e o baterista Chrissy Warner, todos antecedendo Edsel Dope. “Blood Money” foi a primeira música tocada — não só nesse show, mas na América do Sul. A turnê deveria ter começado no Chile, mas o festival onde se apresentariam por lá foi cancelado.
A versão de “Bring It On” tocada na sequência não existe nas plataformas de streaming, somente como faixa bônus do disco físico “American Apathy” (2005). Tem letra e melodias vocais diferentes da versão original presente em “Group Therapy” (2003). Uma das diferenças é alternância maior entre vocais limpos e melódicos. A voz de Edsel pareceu cansada, o que pode ter aumentado o estranhamento do público em relação a uma canção que talvez conhecessem, mas não bem daquele jeito.
A todo momento, o frontman tentou quebrar o silêncio da plateia. Cumprimentou, agradeceu à presença de quem estava lá e se mostrou compreensível com os ausentes (“eu sei que vocês tiveram o Knotfest recentemente, muito obrigado por terem vindo”). Os outros músicos tampouco se deixaram abalar: corriam pelo palco e agitavam como se estivessem gravando clipe em um estádio lotado.
Em “Debonair”, o vocalista pediu para que todos agitassem “como se fosse 1999”. Até teve uma roda de bate cabeça tímida e um pula-pula de baixa intensidade, mas qualquer lembrança dos versos das músicas ficou lá pelos anos 1990 mesmo. Era muito difícil ver alguém cantando qualquer das músicas do curto set de cerca de meia hora. A cover de “You Spin Me Round (Like a Record)”, faixa dos ingleses do Dead or Alive, apresentada como uma “música besta, muito besta”, tampouco conseguiu participação muito diferente.
Repertório — Dope:
- Blood Money
- Bring It On
- Bitch
- Debonaire
- Medley “Die, Boom, Bang, Burn”: Die, Mother Fucker, Die + I’m Back + Sick + Burn
- You Spin Me Round (Like a Record) – cover de Dead or Alive
Discotecagem até o Static-X
Uma discotecagem com diversos hits pop em versão nu metal manteve a plateia distraída após o fim do show do Dope. Releituras de “Rolling in the Deep” (Adele), “All the Things She Said” (t.A.T.u.) e “Wrecking Ball” (Miley Cyrus) com bastante peso e vocais guturais, soavam enquanto o público continuava a chegar.
O Static-X era, visivelmente, a atração principal. Além de a banda contar com a esperada estrutura melhorada e ampliada de iluminação, a casa contava com a maior ocupação da noite quando faltava pouco para o início da performance. Ainda por cima, foi o campeão disparado de vendas de camisetas na calçada em frente ao Terra SP — não houve merchandise oficial.
De repente, “Walk” interrompeu a sequência de pop repaginado e, além de indicar o início da apresentação, pôde-se constatar novamente o dano que Phil Anselmo causou à marca Pantera. Não foi um caso de vaia, mas de indiferença, com algumas exceções. Tudo indica que levará um tempo até que um dos maiores nomes do thrash metal moderno consiga renovar o público ou o interesse.
“The Time Warp”, do musical “The Rocky Horror Show”, foi a primeira introdução após as luzes serem apagadas. Sim, teve uma segunda: o início da trilha sonora de “Eduardo Mãos de Tesoura”, enquanto no telão era projetada uma lua cheia. A tela foi um item essencial na apresentação do Dope e também seria na do Static-X, tanto pelas imagens quanto por exibir trechos de letra e, não raramente, o nome das músicas.
“Hollow (Project Regenration)” foi a primeira música tocada por Tony Campos (baixo), Koichi Fukuda (guitarra) e Ken Jay (bateria) e Edsel Dope como o personagem Xero. Diferentemente de como havia se apresentado há pouco, aqui ele também toca guitarra. Não só isso: usa máscara e maquiagem que o deixam com uma aparência próxima à do antigo vocalista, Wayne Static, falecido em 2014. Curiosamente, antes do Static-X, Wayne fez parte do Deep Blue Dream e teve como colega Billy Corgan, que havia acabado de se apresentar em São Paulo com o Smashing Pumpkins (veja como foi).
Passado e presente
Não se trata de um projeto meramente saudosista. “Hollow” faz parte de “Project Regeneration, Vol. 1”, um disco lançado em 2020 e composto por todos os integrantes vivos além de Wayne, que iniciou boa parte das criações. Do mesmo álbum, foi apresentada ainda a segunda música, “Terminator Oscilator”. O peso misturado com batidas e sons eletrônicos continua; os vocais gritados, rasgados e rápidos, também. Tão ágeis que a letra parece mais servir como percussão feita pela boca do que como portadora de alguma mensagem.
Mas a noite era de “Wisconsin Death Trip” (1999). Sete das doze faixas do álbum estão no setlist. É o primeiro e mais celebrado trabalho do Static-X. Chamam a atenção tanto como o material novo combina com o antigo quanto o fato de a voz de Edsel Dope soar diferente — e melhor — do que quando se apresentou com o Dope. Lá, mais desleixado; aqui, mais preciso. Há reforço dos backing vocals de Tony e faixas pré-gravadas, mas ainda assim as partes ao vivo existem e é como se fosse outro cantor.
Precisão, aliás, é a marca do show. A sincronia da banda com o telão não falha, ao contrário da guitarra de Koichi, que precisou ser substituída em “Bled for Days”. Balões e o mascote da banda — uma pessoa de terno branco cuja cabeça é o logo da banda e corre atrapalhadamente pelo palco, que já havia aparecido durante “Terminator Oscillator” —, aparecem em “I’m with Stupid” para direcionar o encerramento a um clima de festa.
Antes disso, é feita uma homenagem ao finado vocalista, que tem o nome e rosto projetados no telão durante toda a execução de “Cold”, música em que mais se pode ouvir a cantoria por parte da plateia. “Push It”, canção de maior sucesso, encerra a apresentação que durou cerca de uma hora, 14 músicas e o dobro de introduções e vinhetas.
Tony Campos e Edsel Dope manifestaram desejo de voltar. Difícil um prognóstico nesse sentido, uma vez que o público compareceu em pouco número e não parecia ser fanático pela turma da geração inaugural do nu metal — no segundo caso, experiência próxima ao que o Mudvayne teve por aqui recentemente. São bandas que apresentam um material muito menos polido do que os colegas mais famosos. Independentemente disso, o público paulistano fã de metal alternativo não teve do que reclamar no fim deste ano de 2024.
Static-X — ao vivo em São Paulo
- Local: Terra SP
- Data: 7 de novembro de 2024
- Produção: Rider2
Repertório:
- Hollow
- Terminator Oscillator
- Love Dump
- Sweat of the Bud
- Wiscosin Death Trip
- Fix
- Bled For Days
- Black and White
- Zombie
- Get to the Gone
- I Am
- Cold
- I’m With Stupid
- Push It
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Viajei de Curitiba por 14 horas parado no trânsito pra ver a banda que eu sonho há 20 anos e perdi o show do dope completo, eu gostaria que soubessem.