Não é só que o single “§1” e mais duas ou três músicas trazem de volta vocais guturais ao Opeth. Quase todas (seis de oito) as faixas de “The Last Will and Testament”, novo álbum da banda, o fazem sem o menor pudor.
Se a intenção do guitarrista, vocalista e líder Mikael Åkerfeldt era promover um reencontro com o lado mais sombrio de sua discografia, ele conseguiu. Trata-se do trabalho mais pesado e abrasivo dos suecos em pelo menos 16 anos – desde “Watershed” (2008).
Ironicamente, uma das exceções é “A Story Never Told”, a única batizada com um título propriamente dito. As demais são grafadas apenas com o símbolo de parágrafo e seu respectivo número no tracklist. Uma provável alusão a tópicos de um testamento num disco conceitual baseado em sucessão familiar e suas consequentes rixas — Åkerfeldt chegou a mencionar a série de televisão “Succession” como inspiração.
De fato, briga entre parentes pode ser algo deprimente, mas neste 14º álbum de estúdio o clã do Opeth (banda e fãs) não corre esse risco. Ao retomar os guturais, o grupo abraça novamente o death metal e faz as pazes com quem torceu o nariz para a fase exclusivamente prog. Tal faceta, no entanto, também se faz presente e mantém os tradicionais andamentos intrincados, varições abruptas e a sofisticação instrumental, proporcionando o melhor dos dois mundos em um disco para a “família” toda.
Faixa a faixa
Barulho de passos, uma porta se abrindo… ao cruzar o portal dos sons enigmáticos que iniciam a audição de “§1”, o ouvinte logo se deparada com os primeiros guturais de Mikael Åkerfeldt no Opeth em quase duas décadas. Tudo bem que paralelamente a isso ele botou a garganta para trabalhar em prol do Bloodbath, mas não era justo abrir mão desse potencial naquela que é a menina dos olhos de seu criador.
Por mais que o Opeth tenha feito ótimos discos de rock progressivo e experimentado um ganho de popularidade recente, o diferencial da banda sempre foi o contraste audacioso entre metal extremo (dionisíaco) e prog (apolíneo). Ao privilegiar somente uma abordagem, há quebra de tensão e o empobrecimento da proposta.
Basta ouvir “§2” para ter a dimensão do esplendor desses dois elementos funcionando juntos. Trata-se de um dos grandes momentos do disco, inclusive com os convidados Ian Anderson (Jethro Tull) e Joey Tempest (Europe) somando-se a Åkerfeldt e protagonizando o embate de vozes magistral que sustenta a canção.
“§3” é a primeira a trazer somente vocais limpos. Aqui quem brilha é o estreante Waltteri Väyrynen, baterista que assumiu o posto após demissão de Martin Axenrot, em 2021. Ex-Paradise Lost, o finlandês entrega uma linha extremamente criativa que conduz a música por uma montanha-russa de emoções e texturas. O trabalho dele como um todo no álbum, aliás, é de altíssimo nível.
Ian Anderson retorna em “§4” não só cantando, mas desta vez também com sua flauta, instrumento que o consagrou no Jethro Tull. Uma participação relativamente sutil, mas que consegue acrescentar um teor soturno à canção sem soar algo forçado.
“§5” é a faixa mais longa de “The Last Will and Testament”, mas não ultrapassa 7 minutos e meio, mostrando que não é necessário recorrer a músicas quilométricas para se expressar de forma densa e profunda no prog. Pode não ser um dos momentos mais inspirados do repertório, mas também não chega a empanzinar.
Talvez a mais alegre do disco, “§6” se ampara em um crescendo que começa com a bateria e depois desemboca nos teclados/sintetizadores de Joakim Svalberg. A linha de baixo cavalgada de Martín Méndez também contribui para a sensação de otimismo que ela transmite. Um potencial clássico ao vivo.
Ian Anderson encerra sua participação declamando versos, quase numa espécie de spoken words, que ajudam a tecer a trama de “§7”. A letra indica que os beneficiários do testamento enfim descobrem o que lhes é de direito. E a herança não é nada boa.
Em oposição a quase tudo que veio antes, “A Story Never Told” encerra o disco com a sutileza melancólica de uma notícia indesejada. Nela não se faz necessário urrar, pois o solo de guitarra que arremata o disco dilacera mais que qualquer gutural.
O espólio
Quando se diz que “The Last Will and Testament” resgata o death metal de outrora praticado pelo Opeth, não significa uma enxurrada de blast beats, riffs em tremolos e velocidade incessante, mas justamente uma espécie de ruptura que obras-primas como “Still Life” (1999) e “Blackwater Park” (2001) causaram perante tais preceitos. O novo disco se situa bem próximo a esses dois clássicos da própria banda; não necessariamente com a mesma relevância histórica, mas pareado esteticamente.
Mikael Åkerfeldt coassina a produção com o conterrâneo Stefan Boman, e o trabalho de engenharia dos dois é decisivo para o êxito do álbum. O som é cristalino, mas orgânico; nada plastificado. A capa, pouco impactante, mas que casa com a temática, ficou a cargo do americano Travis Smith, velho parceiro ao longo da discografia.
Após cinco anos sem material inédito, a expectativa geral por um novo disco do Opeth era grande. Pois bem, a espera definitivamente valeu a pena. No que se refere a esse testamento, herdamos um belíssimo álbum, digno dos melhores momentos dos suecos.
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Opeth — “The Last Will and Testament”
- §1
- §2
- §3
- §4
- §5
- §6
- §7
- A Story Never Told
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