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Resenha: Linkin Park tem reinício seguro em “From Zero”

Ainda pecando na química, banda estreia nova formação revisitando sonoridades de vários momentos da trajetória — para o bem ou para o mal

Ainda é difícil de compreender a surpresa em torno do retorno do Linkin Park. Desde 2018 um dos três fundadores e principal liderança criativa da banda, o cantor e multi-instrumentista Mike Shinoda, tem dito que a banda poderia voltar sem Chester Bennington, vocalista que nos deixou em 2017.

Soa estranho? Com certeza. Também deve ter sido esquisito quando o AC/DC decidiu seguir sem Bon Scott, ou a opção do Van Halen de continuar mesmo após romper com David Lee Roth. Opiniões à parte, são casos que deram certo.

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Só que, para cada um desses, há vários outros que não vingaram, de Genesis sem Phil Collins a Fleetwood Mac sem Stevie Nicks, passando por Mötley Crüe sem Vince Neil (que este escriba adora, mas flopou), Iron Maiden com Blaze Bayley (desconsiderando o fato de que Bruce Dickinson também era um substituto) e por aí vai. É mais fácil dar errado do que certo.

Cientes disso — e das polêmicas que existiriam após a confirmação da controversa nova vocalista Emily Armstrong, ligada à Igreja da Cientologia e presente em uma audiência para julgamento do estuprador Danny Masterson —, o grupo adotou uma estratégia curiosa: inundou os fãs com anúncios de novidades. No mesmo dia 5 de setembro, eles transmitiram um show ao vivo no YouTube, anunciaram um novo álbum (“From Zero”) já para 15 de novembro, apresentaram uma música inédita (“The Emptiness Machine”) e confirmaram seis shows em quatro continentes diferentes, em uma agenda posteriormente expandida. A primeira data seria já na semana seguinte, 11 de setembro.

O público sequer teve tempo para pensar. Até existiram debates em torno: da continuidade da banda, da presença de uma mulher (a discussão mais besta entre todas), do passado de Armstrong, da ausência do baterista e cofundador Rob Bourdon (substituído por Colin Brittain), do envolvimento limitado do guitarrista e também membro pioneiro Brad Delson (que tocou só em estúdio e tem Alex Feder no seu lugar nas turnês). E por aí vai. Contudo, as atividades intensas do grupo arrefeceram todas essas questões. É uma execução sutil do provérbio árabe “os cães ladram e a caravana passa”.

Do zero? Impossível

Isso nos traz a “From Zero”, oitavo álbum de estúdio. O primeiro com Emily Armstrong e Colin Brittain. O primeiro sem Chester Bennington e Rob Bourdon.

Não se trata de um produto recente, visto que começou a ser desenvolvido lentamente em 2019. Também não soa como uma completa colaboração de uma banda, visto que as assinaturas criativas de Shinoda e do DJ Joe Hahn seguem muito presentes, enquanto ouve-se pouco de Armstrong e Brittain criativamente. Além do já citado Delson, o baixista Dave “Phoenix” Farrell completa a formação.

Em comunicado à imprensa, Mike explica o conceito por trás de “From Zero”. Apesar do título e das menções a ter sido feito “do zero”, fica claro: até ele sabe que é impossível reiniciar por completo, visto que as experiências — e as cicatrizes — influenciam o resultado final.

“Antes do Linkin Park, nosso primeiro nome de banda era Xero. O título deste álbum (‘From Zero’) se refere tanto a este começo humilde quanto à jornada em que estamos atualmente. Sonoramente e emocionalmente, é sobre passado, presente e futuro — abraçando nosso som característico, mas novo e cheio de vida. Foi feito com uma profunda apreciação por nossos novos e antigos companheiros de banda, nossos amigos, nossa família e nossos fãs. Estamos orgulhosos do que o Linkin Park se tornou ao longo dos anos e animados com a jornada que temos pela frente.”

Dito isso, este novo álbum serve, de fato, como uma retrospectiva de tudo o que foi feito pelo Linkin Park até aqui. Dos momentos mais pesados aos mais afáveis. Do nu metal polido ao electropop ligeiramente entristecido. Tem até alguns (poucos) experimentalismos na veia dos trabalhos da segunda metade dos anos 2000 e uma ou outra passagem mais intensa à la “The Hunting Party” (2013). Está tudo ali, encapsulado e devidamente formatado em pouco mais de 30 minutos.

“From Zero” em detalhes

A faixa-título, breve introdução, traz um coro vocal meio gospel meio operístico, em meio à reflexão: “Do zero? Tipo, do nada?”. Não, não dá para ser realmente do zero. “The Emptiness Machine”, primeiro single, vem na sequência para mostrar isso. A canção, que com ajustes entraria tranquilamente no álbum “Meteora” (2003), encapsula todas as credenciais do que fez o grupo se consagrar. Peso na medida certa, produção caprichada, ritmo cadenciado e envolvente. Soa meio Mike Shinoda solo, mas isso também meio que é Linkin Park.

Quase todas as faixas são emendadas a partir de curtas transições. Isso ajuda a fazer de “Cut the Bridge” um momento surpreendente, tendo em vista seu groove dançante e o uso de um tom mais agudo — algo que se repete ao longo de boa parte do material. “Heavy is the Crown”, mais uma conhecida do público, compila o groove de sua antecessora direta e o peso de “The Emptiness Machine” para se credenciar como uma das melhores do tracklist. O longo berro de Armstrong no miolo da canção é um show à parte.

A partir daqui, há um revezamento quase matemático entre músicas mais leves e pesadas. “Over Each Other”, também liberada previamente como single, é a única cantada apenas por Emily. Mais afável, remete um pouco ao criticado álbum “One More Light” (2017), mas não muito — há outras bem mais orientadas ao electropop na lista de faixas. Em contraponto, outro grande momento do disco: “Casualty”, momento quase punk que já começa com os dizeres  “get you screaming pants on” (“coloque suas calças de gritar”). Não tem como falhar. Em meio a tantos berros de Emily, Mike se destaca por ter que acompanhá-la com vocais mais agudos e, surpreendentemente, rasgados.

A electropop “Overflow”, talvez uma das menos interessantes do disco, soa dispensável em sua tentativa de apresentar-se como uma versão emo do Imagine Dragons. Mas “Two Faced”, antecedida por um som de fita sendo trocada, resgata a atenção em sua pegada meio “One Step Closer” do mundo moderno: dos scratches característicos de Joe Hahn ao pós-refrão gritado, é um baita fan service.

Das faixas mais pop, “Stained” é a mais surpreendente por levar melodias afáveis às últimas consequências. O refrão é quase Katy Perry. Tudo isso em meio a batidas que mostram como Brittain, curiosamente, conseguiu se destacar em meio a uma banda que nunca priorizou linhas de bateria marcantes. Próxima do fim, “IGYEIH” volta a trazer a abordagem “nu metal com polimento extra” e Emily aos gritos, mas de um jeito mais amarrado a uma fórmula. É como se você quase soubesse o que está por vir. Entretém, mas não te deixa boquiaberto.

O momento mais experimental de “From Zero” está justamente no final: “Good Things Go”, também a menos previsível do registro, indo dos raps característicos de Shinoda nos versos às linhas superpop de Armstrong no refrão — ora com, ora sem a discretíssima guitarra de Brad Delson.

Calculado, para o bem e para o mal

As últimas palavras ouvidas em “Good Things Go” e em todo o álbum — “às vezes, coisas ruins ocupam o lugar e coisas boas se vão” — não poderiam ser mais representativas do Linkin Park. Também refuta a tese de “recomeço”. Cicatrizes não se apagam. E o mais saudável é que se aprenda com elas.

“From Zero” é reflexo de um longo processo de aprendizado por parte dos envolvidos. Mesmo com a intenção de anos em continuar sem Chester Bennington, os remanescentes seguraram a onda e esperaram o que parecia ser o momento certo. Não há razão para se ter pressa. O oitavo álbum do grupo pode receber qualquer adjetivo, menos “urgente”. É calculado. Precisa ser, tamanha a responsabilidade.

Não dá para projetar “From Zero” como um clássico instantâneo, algo que, honestamente, o Linkin Park não faz há duas décadas. Deve-se considerar que a química entre novos e antigos membros precisa ser aprimorada. Emily Armstrong necessita desenvolver uma identidade mais clara, embora sua performance não deixe a desejar.

Nada como o tempo para ajudar a cuidar disso. O plano dos músicos é ficar todo o ano de 2025 na estrada. “From Zero” é, se não um completo reinício, um bom ponto de partida para algo que pode ficar ainda mais interessante conforme tudo se ajeita. E que, desta vez, as coisas ruins não ocupem o lugar das boas.

*“From Zero” chega a público nesta sexta-feira (15).

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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