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Como “Stormbringer” marcou o fim do Deep Purple formação Mk III

Exibindo mistura de influências de hard rock, funk e soul, nono álbum de estúdio representou divisor de águas significativo para a banda 

Um tornado originalmente fotografado por Lucille Handberg perto de Jasper, Minnesota, em 1927. Essa imagem icônica, também usada em outros álbuns notáveis, como “Bitches Brew” (1970) de Miles Davis e “Tinderbox” (1986) de Siouxsie and the Banshees, é retratada na capa de “Stormbringer”, nono álbum de estúdio do Deep Purple – e captura perfeitamente a energia e turbulência vividas pelo grupo naquele momento.

Burn (fevereiro de 1974) pode ser considerado o álbum de estreia de uma nova banda, já que apresentou a chamada formação Mk III em grande estilo. Seu sucessor, porém, reforça a teoria de que segundos álbuns são notoriamente difíceis de criar. 

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Aproveitando o sucesso do anterior, que entrou nas paradas em treze países, Ritchie Blackmore (guitarra), David Coverdale (vocais), Glenn Hughes (baixo e vocais), Jon Lord (teclados) e Ian Paice (bateria) começaram a direcionar a música para uma abordagem mais funk. A mudança gerou tensões internas, principalmente para Blackmore, cuja saída alteraria o futuro da banda. 

Essa é a história de “Stormbringer”.

Tempos de descanso e ensaios complicados

Tirando alguns shows isolados, os meses de junho e julho de 1974 foram de descanso para o Deep Purple, que havia acabado de encerrar uma turnê de 79 datas. O tempo livre permitiu a Jon Lord concluir dois projetos paralelos: “First of the Big Bands”, com Tony Ashton e músicos como Cozy Powell, Peter Frampton e Ronnie Wood; e o experimental “Windows”. Até Blackmore aproveitou para fazer um frila de estúdio, gravando a abertura de 30 segundos do álbum “I Survive”, do astro dos anos 1960 Adam Faith.

No entanto, a retomada das atividades – um retorno ao Clearwell Castle para começar os ensaios do próximo álbum – não saiu como esperado, como Coverdale relatou ao Melody Maker:

“Ficamos mais relaxando do que qualquer outra coisa. Na maioria das sessões, apenas parte do grupo estava lá.”

A maneira como o álbum começou a tomar forma não foi tão fácil nem tão fluida quanto em “Burn”. O vocalista continuou: 

“Chegamos a Munique com pouquíssimo material. Estávamos tão ocupados promovendo a nova formação e tentando convencer as pessoas de seu valor que não tivemos tempo para compor. Quando nos disseram que era hora de um novo álbum, percebemos que simplesmente esquecemos completamente disso.”

Fundado pelo produtor Giorgio Moroder, que se mudou para Munique, Alemanha, em 1971, o Musicland Studio ficava no subsolo do edifício Arabella, um arranha-céu construído no final dos anos 1960, parcialmente convertido em hotel em 1972. 

O produtor do Purple, Martin Birch, ficou impressionado com o estúdio, descrevendo-o como “um dos mais bem equipados e tecnicamente avançados que conheço”. A banda achou o local ideal, e tanto o grupo quanto seus membros usaram-no no futuro para gravações do Rainbow, Whitesnake e Paice Ashton Lord.

As gravações do álbum que em determinado momento seria chamado de “Silence” começaram em 8 de agosto e terminaram no dia 20. Iniciando no início da tarde e trabalhando até tarde da noite, o Purple gravou nove faixas em doze dias. Alguns overdubs vocais foram feitos no Record Plant, em Los Angeles, onde Birch e Paice mixaram o agora denominado “Stormbringer”. 

Muitos especularam que o título fazia referência à espada mágica dos romances “Elric de Melniboné”, de Michael Moorcock, que foram muito populares durante as décadas de 1960 e 1970. No entanto, Coverdale negou qualquer conexão com o trabalho do autor, alegando que só soube do artefato depois que o álbum foi gravado. Em uma entrevista ao New Musical Express, ele afirmou que achava que o título tinha origens na mitologia, sem qualquer inspiração literária.

Tensões criativas e a ausência do Homem de Preto

Pela primeira vez desde 1969, Ritchie Blackmore não tinha créditos de composição em todas as músicas. Seu segundo casamento estava chegando ao fim, e os problemas pessoais pareciam afetar negativamente sua capacidade de compor. Segundo Glenn Hughes, Ritchie talvez também estivesse perdendo o interesse: 

“Ele não trouxe muitas músicas para ‘Stormbringer’. Eu trouxe muito mais, e ele tocou brilhantemente no que escrevi, mas provavelmente já estava pensando em sair – e claro que não tínhamos ideia disso.” 

Com o guitarrista menos envolvido no processo criativo, o som do Deep Purple mudou consideravelmente em “Stormbringer”. O baixista comentou: 

“David e eu estávamos ouvindo muita música negra, como Kool & the Gang, Stevie Wonder, The Ohio Players e Sly & the Family Stone. Blackmore era mais ligado em Bach.” 

Ao biógrafo Martin Popoff, Ian Paice faz acréscimos, embora culpando apenas um dos novatos pela mudança: 

“As influências de Glenn eram muito diferentes, embora no primeiro álbum, ‘Burn’, elas tenham sido contidas. Já no segundo, ‘Stormbringer’, Glenn não se segurou mais (…) Passamos de uma banda de hard rock para algo mais funk, o que Ritchie odiava.” 

Assim, Coverdale e Hughes deixaram sua marca com músicas mais funk e soul, como “You Can’t Do It Right”, “Holy Man” e “Hold On”. Blackmore tinha tanto desprezo por esta última que afirmou ter gravado o solo em um take, usando apenas um dedo.

No entanto, o grande desentendimento em relação ao álbum acabou nem sendo esse.

A recusa que levou ao Rainbow

Ritchie Blackmore estava ansioso para que o Deep Purple fizesse um cover de “Black Sheep of the Family”, do álbum de estreia do Quatermass de 1970. Apesar de seu entusiasmo e de ser uma música que se encaixaria perfeitamente no estilo da banda na época, houve uma resistência interna.

Ainda não está claro se os demais membros simplesmente não gostavam da música ou se eles se recusaram a tocá-la por não ser uma composição própria. O guitarrista compartilhou sua teoria com o biógrafo Jerry Bloom em 1998: 

“Propus ao Purple: ‘Vamos fazer essa música’. Eles disseram: ‘Não, por que deveríamos?’. Eu argumentei: ‘Bem, é uma ótima música’, e eles responderam: ‘Não, nós não escrevemos isso’. ‘O que isso tem a ver? Só porque vocês não vão ter crédito de composição, não vão fazer a música?’ ‘Sim’. Isso me desmotivou. Acontecia direto no Purple, nunca consegui entender.” 

Diante da recusa, Blackmore colocou a ideia de lado para o que seria seu “álbum solo”. Paice supôs: 

“Ritchie, sendo muito sincero, soltou: ‘Chega, estou fora. Não gosto do que está acontecendo, acho que isso não vai voltar a ser como eu queria’. E acho que foi assim que o Rainbow foi criado.”

Mas a saída de Ritchie não ocorreu durante as gravações ou a mixagem de “Stormbringer”, como Hughes disse a Popoff: 

“No meio da turnê de ‘Stormbringer’, Ritchie percebeu que o fim estava próximo, porque seu poder estava sendo retirado (…) A última palavra era de Ritchie em várias coisas, mas ele estava perdendo o controle.” 

O último show de Blackmore com o Purple até a reunião da formação Mk II, em 1984, aconteceu em 7 de abril de 1975, no Palais des Sports, em Paris, França. Como o concerto em Graz, na Suíça, realizado quatro dias antes, esse show foi gravado e posteriormente lançado em diversos formatos. 

A saída de Blackmore pôs um ponto-final na formação Mk III do Deep Purple. Também deu início a um período de incerteza para a banda, que só chegaria ao fim com a entrada do desconhecido, talentoso e viciado de carteirinha, Tommy Bolin.

Recepção e legado

Lançado em novembro de 1974, “Stormbringer” recebeu críticas mistas. Embora não tenha alcançado o mesmo nível de aclamação de Machine Head (1972) ou “Burn”, canções como a faixa-título, “Lady Double Dealer” e a balada “Soldier of Fortune” se tornaram queridinhas dos fãs.

Apesar de considerá-lo um ótimo disco, para Glenn Hughes, “Stormbringer” não era um álbum típico do Deep Purple: 

“As músicas são realmente boas. A faixa-título é um clássico (…) David e eu não éramos clones de Gillan e Glover (…) Poderia ter soado mais como a Mk II se Blackmore tivesse assumido as rédeas do projeto. Não obriguei Jon Lord a comprar um Fender Rhodes, nem Ian Paice a ouvir os discos de Al Green. Eu vinha do Trapeze, uma banda de funk rock, e todos sabiam disso. Eu vim de um lugar de puro groove, e canções como ‘Speed King’ eram diametralmente opostas a isso.” 

Quando perguntado por Mick Burgess sobre o álbum, Jon Lord disse: 

“David e Glenn certamente tiveram mais influência em ‘Stormbringer’, pois Ritchie estava com a cabeça no Rainbow. Ele poderia ter sido mais forte durante a produção de ‘Stormbringer’ e, se tivesse sido, o álbum poderia ter sido melhor, não que seja ruim. Mas acho que poderíamos ter feito mais. É um álbum bastante confuso (…) Acho que Ritchie perdeu um pouco de energia tentando lidar com o trem desgovernado que era Glenn Hughes. Na época, ele era meio que um canhão descontrolado e difícil de lidar, e acho que Ritchie simplesmente ficou de saco cheio.” 

Apesar da suposição do ex-colega, Hughes defende as contribuições de Blackmore em “Stormbringer”: 

“Ritchie é muito funky, goste ele disso ou não. E tocou maravilhosamente no álbum.”

Deep Purple – “Stormbringer”

  • Lançado em 8 de novembro de 1974 pela Purple Records
  • Produzido por Martin Birch e Deep Purple

Faixas:

  1. Stormbringer
  2. Love Don’t Mean a Thing
  3. Holy Man
  4. Hold On
  5. Lady Double Dealer
  6. You Can’t Do It Right
  7. High Ball Shooter
  8. The Gypsy
  9. Soldier of Fortune

Músicos:

  • Ritchie Blackmore (guitarra)
  • David Coverdale (vocais)
  • Glenn Hughes (baixo e vocais)
  • Jon Lord (teclados)
  • Ian Paice (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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