O terceiro e último show do Sepultura em sequência no Espaço Unimed, em São Paulo, estava marcado para começar às 20h de domingo (8). Todavia, eram 20h10 quando imagens pré-gravadas do backstage brotavam no telão (reduzindo em dez minutos o atraso de sexta e sábado) seguidas de, por falta de uma, duas canções introdutórias tocadas nas caixas de som: “War Pigs” (Black Sabbath) e “Polícia” (Titãs).
Em se tratando do terceiro show sold out deles, era inevitável pensar em como seria complicado acreditar no fim do quarteto após a vigente turnê de despedida “Celebrating Life Through Death”. Não por duvidar da promessa feita — e aí entra o lado racional —, mas sim por não haver sentido para o coração.
Aceita-se o final do Kiss, após uma segunda turnê de despedida, e do Aerosmith, ainda mais longevos e com Steven Tyler realmente sem condições de cantar novamente. Mas como assim nunca mais ouviremos, por exemplo, “Territory” ao vivo?
Até porque, exatamente como fizeram os Titãs perto de encerrarem suas datas em São Paulo no giro “Titãs Encontro – Pra Dizer Adeus”, o nome do Sepultura brotou no lineup do Lollapalloza de 2025, integrando o festival pela primeira vez – isso sem contar o eterno sonho, desejo e obsessão dos fãs por uma reunião com os irmãos Max e Iggor Cavalera.
O Sepultura vai acabar? Mesmo?
Black Pantera
Quando houve o anúncio de Torture Squad, Cultura Tres e Black Pantera como bandas de abertura em São Paulo, respectivamente na sexta (6), sábado (7) e domingo (8), o fã que garantiu entradas para as datas tinha a certeza de que veria grandes aberturas e, de fato, assistiu a apresentações muito boas na sexta e no sábado. Porém, o que o Black Pantera fez no Espaço Unimed provavelmente se transformará, ao longo do tempo, numa daquelas situações do tipo: “Ah, você estava lá também? Então você viu!”.
Por se tratar de um domingão, os trabalhos foram adiantados em uma hora na comparação com as outras datas. Assim, eram 18h30 quando o trio mineiro pontualmente pisou no palco utilizando como intro a fala inicial de Mano Brown em “A Vida é Desafio”, do Racionais MC’s, na versão de “1000 Trutas 1000 Tretas (Ao Vivo)” (2006), já mostrando a que viriam Charles Gama (vocal e guitarra), Chaene da Gama (baixo) e Rodrigo “Pancho” Augusto (bateria).
Efetivamente abrindo o show, “Provérbios” rolou com uma breve pane no som do baixo, mas de “Padrão é o Car#lho” em diante, elevou-se o patamar entre o que haviam mostrado o grupo paulistano e o venezuelano nas outras datas. Não se trata de uma competição, mas faz você parar e refletir: “Como podem apenas três caras fazerem tanto ‘barulho’ bom e de forma tão coesa?”.
Simplificando: Charles é um tremendo frontman, Chaene tira linhas cavalares de seu instrumento e Rodrigo desce o braço em batidas martelantes que trazem a mesma segurança de um bom time começando com um ótimo goleiro. Quanto ao repertório, eles se concentraram nos mais recentes “Ascensão” (2022) e “Perpétuo” (2024).
“Mahoraga” inaugurou a roda na pista premium e “Sem Anistia” foi a vez exclusiva das “minas” detonarem no moshpit. Outro ponto alto foi “Fogo nos Racistas”, com citação a “Olho de Tigre”, canção de Djonga, Pinneaple StormTv e Slim Beat, ao ser introduzida com os versos “Sensação, sensacional! Sensação, sensacional! Sensação, sensacional! Firma, firma, firma! Fogo nos racistas”.
O clássico do Black Pantera (sim, já é um clássico) ainda teve pedido para a galera “agachar geral”, com adesão quase completa da casa, e a adaptação da letra para “Fogo nos nazistas!”, “Fogo nos fascistas!” e “Fogo nos machistas!” incendiou a plateia, com o perdão do trocadilho.
Composta e cantada por Chaene em homenagem à sua mãe, Dona Guiomar, “Tradução” contou com lanternas dos celulares acesas e foi a mais acessível, para o padrão da noite. E o que esperar de uma pedrada intitulada “Mosha”? O pau comeu solto! Um curto solo de baixo incluiu um snippet de “(Anesthesia) Pulling Teeth”, do Metallica, e, em ”Revolução é o Caos”, rolaram um rápido solo de Rodrigo e algo que nem o Sepultura foi capaz de fazer: um wall of death em frente ao palco, com uma roda imensa.
Sendo justo, a façanha foi facilitada pelo fato de haver mais espaço com menos gente na área devido ao esquenta ainda estar acontecendo lá fora. A saideira? “Boto Pra F#der”, única do debut “Project Black Pantera” (2015). Com quatro discos no catálogo, os quarenta e seis minutos voaram e minguaram a ponto de preterirem material de “Agressão” (2018).
Em suma, não dá para colocar em palavras a energia gerada pelos caras, que chegaram a um nível difícil de manter e o desafio agora passa a ser: como replicar, num contexto solo, a mesma entrega e excitação gerada para uma ocasião tão especial? Mas merecem nosso voto de confiança ao se catapultarem como o próximo expoente do metal brasileiro.
Black Pantera — repertório:
Intro: A Vida É Desafio [Racionais MC’s]
01) Provérbios
02) Padrão É O Car#lho
03) Mahoraga
04) Sem Anistia
05) Perpétuo
06) Fogo Nos Racistas
07) Tradução
08) Mosha
09) Revolução É O Caos
10) Boto Pra F#der
Sepultura
Se você esteve presente na sexta ou sábado para assistir ao Sepultura no Espaço Unimed, ou se leu alguma resenha a respeito — como a do próprio colega Igor Miranda aqui no site —, tem uma bela noção do que aconteceu. A performance seguiu o mesmo nível de qualidade.
Mesmo em termos de repertório, do sábado para o domingo, a única e significativa troca foi a inclusão de “Breed Apart”, deixada de lado desde 2016 segundo o site Setlist.fm, no lugar ocupado por “Spit” e “Cut-Throat” anteriormente.
Com isso, quem foi aos três shows ouviu um total de vinte e nove músicas distintas, uma vez que o sábado trouxe outras duas substituições: “Slave New World” na vaga de “Propaganda” e “Sepulnation” em vez de “Convicted in Life”, ambas mantidas no domingo.
E aí, sem querer ser chato, mas será que não dava para terem feito ainda mais trocas?
Explica-se: na entrevista coletiva para o anúncio oficial do adeus, o então baterista Eloy Casagrande revelou que as apresentações estavam sendo gravadas visando lançamento de conteúdo ao vivo e quarenta músicas executadas em quarenta cidades diferentes mundo afora. E aí não é questão de pegar no pé, mas dê sua opinião de fã: será que “False” é tão primordial a ponto de ter sido tocada nas três datas?
Entende-se a proposta de ela representar “Dante XXI” (2006) e, aliás, houve ao menos uma de cada álbum, exceto “A-Lex” (2009) e “The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart” (2013), mas e quanto a “Dusted”? É legal resgatarem lados b um tanto esquecidos e, aqui com trocadilho intencional, empoeirados. Há ainda a questão do ensaio, afinal de contas, tudo precisa estar na ponta dos cascos. Entretanto, tocarem essas duas as três noites e deixarem de lado “Desperate Cry” e “Mass Hypnosis”, só para ficarmos em duas grandes campeãs de audiência, não beira a teimosia?
Por falar em ensaio, Greyson Nekrutman está perfeitamente adaptado às músicas do Sepultura e a ele sobra talento e energia. Pense no rabo de foguete que o “moleque” herdou ao ter de reproduzir linhas criadas por três músicos diferentes: Iggor Cavalera, Jean Dolabella e o citado Eloy. O americano mantém a pegada sem descaracterizá-las e, quando possível, adiciona camadas como assinatura e explora sua criatividade ao inserir batidas aqui e acolá, na caixa e nos bumbos especialmente.
Isso sem contar o fato de que ele está curtindo a vida em São Paulo e, com sua estreia na capital paulista e devido ao rodízio dos bateristas entre Sepultura, Suicidal Tendencies e Slipknot, todos tocarão na cidade em 2024 em seus grupos novos — visto que Jay Weinberg esteve por aqui com a banda de Mike Muir em julho e Eloy virá para o Knotfest em outubro.
E quanto a outros ótimos momentos do Sepultura? Foi um tremendo acerto terem mantido “Orgasmatron”, cover do Motörhead, nas três noites após seu resgate na recente apresentação na Farmasi Arena, no Rio de Janeiro. E parece besteira, mas escutar o vocalista Derrick Green dizer: “Listen up, São Paulo! This is your fucking ‘Territory’” arrepia a alma antes de a música explodir; e “Sepultura, do Brasil! Um, dois, três, quatro!” pré-“Roots Bloody Roots” dá um orgulho do cacete!
No mais, terem tocado vinte e cinco músicas no domingo ao longo duas horas “líquidas” de espetáculo não é para qualquer um hoje em dia. Lembre-se: Derrick está com 53 anos; o baixista Paulo Jr, 55; e o guitarrista Andreas Kisser, 56. A título de curiosidade, do disparar das imagens de bastidores até o final de “Easy Lover”, de Philip Bailey com participação de Phil Collins, como “outro”, foram duas horas e dezessete minutos de alegria.
Por fim, duas observações: no sábado, Greyson introduziu um curto solo antes de “Ratamahatta”, algo que ele não havia feito na véspera e manteve para o domingo. E a roda em “Inner Self” na pista premium, esta sim foi digna de respeito e quase comparável à já descrita ocorrida durante o set do Black Pantera.
Agora, falando sério: você realmente acredita que o Sepultura vai parar? Ok, um dia será inevitável, mas não precisa ser tão precocemente quanto o Slayer, que até já tem volta marcada para festivais americanos, e nem chegar a um ponto em que mal consigam tocar e se arrastem pelos palcos.
Mas, na boa: vão parar assim, no auge, mesmo? Eles que bobeiem que o Black Pantera vem aí, ao menos em solo nacional, pois cantando em português (e tudo bem quanto a isso), talvez não se projete a mesma penetração no mercado estrangeiro.
Vida longa ao Black Pantera. E vamos curtir o Sepultura enquanto for possível.
Sepultura — ao vivo em São Paulo
- Local: Espaço Unimed
- Data: 8 de setembro de 2024
- Turnê: Celebrating Life Through Death
- Produção: 30e
Repertório:
Intro 1: War Pigs [Black Sabbath]
Intro 2: Polícia [Titãs]
01) Refuse/Resist
02) Territory
03) Slave New World
04) Phantom Self
05) Dusted
06) Attitude
07) Breed Apart
08) Kairos
09) Means To An End
10) Sepulnation
11) Guardians Of Earth
12) Mind War
13) False
14) Choke
15) Escape To The Void
16) Kaiowas [com membros de Black Pantera e Desalmado]
17) Dead Embryonic Cells
18) Biotech Is Godzilla
19) Agony Of Defeat
20) Orgasmatron [Motörhead]
21) Troops Of Doom
22) Inner Self
23) Arise
Bis:
24) Ratamahatta
25) Roots Bloody Roots
Outro: Easy Lover [Philip Bailey Feat. Phil Collins]
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