O álbum “Voo de Coração” (1983) foi o primeiro em carreira solo do cantor Ritchie, nascido no Reino Unido e radicado no Brasil. Entre as músicas do disco, destaca-se aquela que se tornou a mais famosa de sua carreira: “Menina Veneno”, um verdadeiro fenômeno na época de seu lançamento.
O hit — que ganhou releitura em espanhol e, na década seguinte, versão de Zezé di Camargo e Luciano — foi concebido rapidamente, mas enfrentou diversos contratempos até atingir o sucesso. Sua composição também tem um significado próprio, mas igualmente aberto a diversas interpretações.
Como nasceu “Menina Veneno”
“Menina Veneno” nasceu precisamente em 1982. Ritchie afirma ter acordado um dia com uma melodia em sua cabeça e decidiu tocá-la em um teclado adquirido pela esposa. Quem também a escutou foi seu parceiro de trabalho Bernardo Vilhena, letrista que lhe fez uma visita na ocasião.
Ao retornar para casa, Vilhena iniciou a composição do que viria a ser “Menina Veneno”. Segundo ele, a inspiração veio do livro “O Homem e Seus Símbolos”, do escritor Carl Jung, presente entregue a ele pelo próprio Ritchie e Lulu Santos.
A dupla, então, se fechou em um quarto para dar vida à canção. Não demorou tanto para chegar ao resultado final. Em entrevista à BBC Brasil, Ritchie revelou como o hit foi concluído bem depressa:
“Em 20 minutos, a música já estava pronta. Nunca mais fizemos outra tão rápido!”
Obstáculos de Ritchie antes de emplacar o hit
Apesar do enorme sucesso que “Menina Veneno” alcançou, o caminho para sua aceitação não foi fácil. Foram vários os contratempos enfrentados pelo hit.
De início, Ritchie era desacreditado pelas gravadoras nacionais. Muitas delas acreditavam que ninguém levaria a sério um britânico cantando em português.
Quando o músico conseguiu vencer essa barreira, apareceu outra: a duração da faixa. “Menina Veneno” tinha quase cinco minutos ao todo, longe do ideal para execução nas rádios.
Curiosamente, o artista imagina que este tenha sido um ponto positivo do hit. Em entrevista à Carta Capital, disse:
“Ao contrário de todas as expectativas da gravadora e de regras e fórmulas, ‘Menina Veneno’ acabou estourando. Essa questão de ser uma música longa acabou trabalhando a nosso favor, que trouxe uma sonoridade nova.”
Teste e aprovação
Antes de ser executada da forma massiva, “Menina Veneno” passou por um teste de aceitação do público. Foi tocada pela primeira vez em uma rádio de Fortaleza. Em reação, diversas ligações pediam à emissora novas execuções da música na capital cearense.
A gravadora CBS percebeu ter um grande sucesso em mãos e antecipou o lançamento oficial do single: inicialmente planejada para abril de 1983, a canção saiu após o carnaval daquele ano. Em duas semanas, o compacto vendeu impressionantes 500 mil cópias.
Pouco tempo depois foi disponibilizado o álbum “Voo de Coração”. Outras três faixas se tornaram singles de sucesso: “A Vida Tem Dessas Coisas”, “Casanova” e “Pelo Interfone” — igualmente compostos em parceria com Bernardo Vilhena.
Porém, nenhuma delas adquiriu o tamanho de “Menina Veneno”. Segundo o próprio Ritchie, a faixa salvou sua carreira como músico.
“É claro que eu não esperava esse sucesso todo. Para falar a verdade, eu não esperava nem gravar um disco. Fui rejeitado por todas as gravadoras. Já tinha até desistido da carreira!”
Os significados de “Menina Veneno”
Neste duas entrevistas, Ritchie ainda explicou um pouco do significado da letra de “Menina Veneno”. À BBC, deixou claro que a figura em questão não se trata de uma pessoa real.
“A menina veneno da canção não é uma pessoa, é uma aparição. É uma figura onírica, muito sensual e quase mitológica.”
Na conversa com a Carta Capital, o músico reforçou essa ideia. Além disso, afirmou que a faixa é uma canção de amor, mas também pode ter outros significados.
“O Bernardo criou músicas compreensíveis em vários níveis. São figuras que a gente sonha que, na verdade, são nós mesmos. É um sonho, um delírio e a mulher que só aparece no delírio dele.”
Para não dizer que uma pessoa de verdade de um toque para o hit, os versos “eu ouço passos na escada / eu vejo a porta abrir” surgiram graças a Mary, filha de Ritchie. Com dois anos na época, a herdeira do músico interrompeu algumas vezes o pai e Bernardo Vilhena durante a concepção de “Menina Veneno”.
Abajur cor de carne
E o tal “abajur cor de carne” — que, não, não é “de carmin” — mencionado na letra? Ritchie disse em entrevista a Luciano Huck que é uma referência ao estilo “cor de pele”.
“Não é carne em si, é engraçado, porque os homens sempre pensam em churrasco. As mulheres todas sabem o que é uma meia calça cor de carne. É isso aqui (aponta para a pele).”
Em seguida, o artista inglês revelou a inspiração para o curioso trecho.
“A história de cor de carne começou assim: o Bernardo, que faz minhas letras há 40 anos, estava lendo as memórias de uma atriz alemã. Ela escreveu cartas dizendo que estava encantada com o ‘abajur cor de carne’ que tinha no Copacabana Palace (hotel). Brasil, um país de tantas cores. Cor de carne ficou, pra cada um tirar a sua própria conclusão.”
Letra de “Menina Veneno”
Meia-noite, no meu quarto, ela vai subir
Ouço passos na escada, vejo a porta abrir
Um abajur cor de carne, um lençol azul
Cortinas de seda, o seu corpo nu
Menina veneno
O mundo é pequeno demais pra nós dois
Em toda cama que eu durmo
Só dá você, só dá você
Só dá você, yeah, yeah, yeah, yeah
Seus olhos verdes no espelho brilham para mim
Seu corpo inteiro é um prazer do princípio ao sim
Sozinho no meu quarto, eu acordo sem você
Fico falando pras paredes até anoitecer
Menina veneno
Você tem um jeito sereno de ser
E, toda noite, no meu quarto
Vem me entorpecer, me entorpecer
Me entorpecer, yeah, yeah, yeah, yeah
Menina veneno
O mundo é pequeno demais para nós dois
Em toda cama que eu durmo
Só dá você, só dá você
Só dá você, yeah, yeah, yeah, yeah
Meia-noite, no meu quarto, ela vai surgir
Eu ouço passos na escada
Eu vejo a porta abrir
Você vem, não sei de onde
Eu sei, vem me amar
Eu nem sei qual o seu nome, mas nem preciso chamar
Menina veneno
Você tem um jeito sereno de ser
E, toda noite, no meu quarto
Vem me entorpecer, me entorpecer
Me entorpecer, yeah, yeah, yeah, yeah”
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