Clutch empolga público em São Paulo com show curto e intenso

Fabrique esteve cheia para conferir grupo americano se provar no palco como uma das melhores bandas de rock da atualidade — e ninguém se esquecer disso

Logo na terceira música da noite, “A Shogun Named Marcus”, a galera abriu uma roda na pista. Não que nas duas primeiras, “The Mob Goes Wild” e “Earth Rocker”, o pessoal não estivesse animado, pulando e cantando junto. Mas a reação mais agressiva na faixa do disco de estreia “Transnational Speedway League”, de 1993, mostrou o quanto o Clutch mudou em seus mais de trinta anos de carreira.

A Fabrique, bem cheia, ficou empolgada numa noite de quinta-feira (18) ao conferir o grupo levar ao palco sua trajetória como uma das mais intensas e únicas bandas de rock’n’roll da atualidade.

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Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

A primeira apresentação da turnê latino-americana do Clutch, única data no Brasil, ocorreu em São Paulo e parecia fadada ao mirrado público que assistira à estreia da banda no país no Cine Joia em 2014, que ela mesmo pareceu ter se esquecido. Foi num festival de marca de tênis, com ingressos gratuitos e esgotados, mas os americanos do estado de Maryland se apresentaram na madrugada de domingo para segunda. A imensa maioria das pessoas simplesmente abandonou a casa no centro da capital paulista logo após o fim do show do Sword, stoner/doom dos mesmos Estados Unidos, antes de a estação do metrô nas proximidades fechar suas portas.

Fuzz Sagrado estreia e não renega o Samsara Blues Experiment

Assim, quando o Fuzz Sagrado começou uns ruídos pontualmente às 20h, o público mal ocupava metade da pista na Fabrique, casa da região oeste da cidade que comporta algo entre 600 e 700 pessoas. Após alguns minutos de um tema instrumental, o guitarrista e vocalista alemão Chris Peters, radicado no Brasil há quatro anos, já mandou a épica “Center of the Sun”, do disco “Long Distance Trip” (2010) de sua ex-banda Samsara Blues Experiment.

Peters explicou com um português até respeitável, às vezes socorrido por palavras em inglês mesmo, que não pode usar o nome da ex-banda. Porém, nada o impede de tocar as músicas compostas por ele e já testadas em solo brasileiros nas passagens do Samsara Blues Experiment pelo país.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Nos quarenta minutos da estreia do Fuzz Sagrado num palco, o trio, completado pelos brasileiros Guilherme Bordin no baixo e Lucas Fursy na bateria, ainda parecia estar acertando os ponteiros ao executar faixas como “Massive Passive”, do último disco de estúdio da antiga banda, “End of Forever” (2020).

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Mesmo após mostrar o domínio da palavra “gambiarra” enquanto resolviam problemas técnicos no baixo de Bordin nos quarenta minutos de apresentação do Fuzz Sagrado, Peters não parecia feliz ao deixar o palco tão cedo. O público, cativado pelos riffs blueseiros e solos psicodélicos, também queria mais.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Clutch põe fogo em noite fria de inverno

Foram quase cinquenta minutos entre o fim do Fuzz Sagrado e o tema “We Need Some Money”, de Chuck Brown & the Soul Searchers, começar a ser executado no sistema de som da Fabrique às 21h30. A pista da casa se encheu. Não estava lotada, mas o frio da noite de inverno paulistana já começava a se dissipar e as blusas e jaquetas do público mal aguentaram as duas músicas iniciais do Clutch.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

As animadas faixas citadas no início deste texto foram tiradas dos discos “Blast Tyrant” (2004) e “Earth Rocker” (2013) que, respectivamente, colocou e consolidou o Clutch entre as bandas de rock’n’roll mais cultuadas da atualidade. A festa tinha começado e Neil Fallon, vocalista e ocasionalmente guitarrista e gaiteiro, comandava o público mais por gestos e contato visual, sem conversa mole.

Depois, vieram as rodas de “A Shogun Named Marcus”, faixa do disco de estreia do Clutch, quando a banda ainda se colocava numa cena metálica noventista ao lado de Helmet e Biohazard. Reação igual teve o final malcriado de “Binge and Purge”, do mesmo primeiro álbum, mais à frente da noite. “Essa foi para as crianças”, brincara Fallon em uma das raras e isoladas interações verbais com o público durante o show.

Se show é curto, os músicos são intensos

No restante da curta apresentação — uma hora e vinte minutos num palco sem nada além de uma ilustração do clássico logo do Clutch ao fundo —, prevaleceu a sonoridade que a banda foi adquirindo ao longo de treze discos de estúdio. Um rock’n’roll intenso cada vez mais calcado num equilíbrio entre Billy Gibbons — a quem Fallon pediu desculpas em “A Quick Death in Texas”, mais ao final da noite — e Tony Iommi, como na viagem de “Spacegrass”, do segundo trabalho homônimo, lançado em 1995, quando o som do grupo começava a se expandir.

Apesar de os riffs pesados serem praticamente o fio condutor do Clutch, o inventivo guitarrista Tim Sult parecia um corcunda ao executar seu instrumento com os olhos nele fixados. Como usava boné, qualquer pessoa do público parecia completamente fora de seu campo de visão.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

A outra grande parte da receita que faz do Clutch uma banda única se manifesta na influência enorme do funk americano de sua entrosadíssima seção rítmica, formada pelo baixista Dan Maines, preso ao fundo do palco, e o extraordinário baterista Jean-Paul Gaster.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

A dupla manteve o show com clima dançante mesmo em batidas que fugiram o tempo todo do convencional, como em “Cypress Grove”, outra das quatro faixas de “Blast Tyrant” executadas na noite, ou “DC Sound Attack”, ajudada por Fallon com seu cowbell depois de ter seus momentos na gaita na segunda e última extraída de “Earth Rocker” nesta quinta.

Neil Fallon, movimentando-se sem parar pelo palco e ensopando de suor sua camisa social preta, foi o único responsável pela interação com o público. Com apenas um aceno de cabeça, deixou para a galera cantar o refrão de “Escape From the Prison Planet”, após declamar os versos meio rapeados da outra representante do disco autointitulado na Fabrique.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Acalmada antes do fim para guardar na memória

Os ânimos deram uma pequena baixada depois da frenesi causada pela citada “A Quick Death in Texas”, “X-Ray Visions” e “Firebirds!”, trinca de “Psychic Warfare” (2015) tocada na sequência. O grupo se aproximava de cinquenta minutos no palco sem descanso para o público quando vieram as duas faixas do trabalho mais recente, “Sunrise on Slaughter Beach” (2022), “Slaughter Beach” e “We Strive for Excellence”.

Fallon expressou sua felicidade com a quantidade de gente animada que o assistia na Fabrique desde antes de começar a quarta música da noite, “Sucker for the Witch”, a primeira das quatro de “Psychic Warfare”. Na única vez que soltou mais do que frases isoladas ao público, ele pediu desculpas para quem havia comprado ingressos para a apresentação do grupo cancelada pela pandemia de covid.

Munido de sua guitarra e de óculos para enxergá-la, o vocalista prometeu vir mais com mais frequência ao país antes de fechar a primeira parte da intensa apresentação com o country pesado e sabbáthico de “The Regulator”, última de “Blast Tyrant” na noite. Pareceu, porém, ter se esquecido do show de 2014 ao falar que, se demorasse mais trinta anos para voltar, eles estariam com oitenta anos. Foram “só” dez.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Com pouco menos de cinco minutos de espera, o bis começou com a inevitável “Electric Worry” e o Fabrique veio abaixo cantando o “bang bang bang bang! vamonos, vamonos!” do irresistível refrão da faixa que coloca Muddy Waters, John Lee Hooker e Mississipi Fred McDowell sob o variado guarda-chuva de influências do grupo.

Para encerrar a noite sem riscos de baixar novamente os ânimos, a banda emendou a faixa de “From Beale Street to Oblivion” (2007) com seu cover para “Fortunate Son”, do Creedence Clearwater Revival, lançada numa série de regravações feita para sua própria gravadora em 2019 e lançadas na coletânea “The Weathermaker Vault Series, Vol 1”, no ano seguinte.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Uma escolha desnecessária, mas compreensível para quem pareceu ter se esquecido do seu show de estreia no país em 2014. Talvez faltasse a segurança agora sim obtida pelo grupo com a participação empolgada do público na Fabrique nesta noite de quinta. “Vocês foram absolutamente fantásticos”, disse Fallon na reta final da apresentação.

Terminar o show com uma música própria vai ficar para uma próxima vez, depois de uma noite certamente inesquecível para público e banda. Que não demore dez — ou trinta — anos.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Clutch — ao vivo em São Paulo

  • Local: Fabrique
  • Data: 18 de julho de 2024
  • Turnê: Latin America 2024
  • Produção: Powerline Music & Books

Repertório:

Intro: We Need Some Money (Chuck Brown & The Soul Searchers song)

  1. The Mob Goes Wild
  2. Earth Rocker
  3. A Shogun Named Marcus
  4. Sucker for the Witch
  5. Cypress Grove
  6. Subtle Hustle
  7. D.C. Sound Attack!
  8. Escape From the Prison Planet
  9. Spacegrass
  10. Binge and Purge
  11. A Quick Death in Texas
  12. X-Ray Visions
  13. Firebirds!
  14. Slaughter Beach
  15. We Strive for Excellence
  16. The Regulator

Bis:

  1. Electric Worry
  2. Fortunate Son (Creedence Clearwater Revival cover)
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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