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Antológico, The Obsessed desfila riffs na estreia do lendário Wino em SP

Atraso para liberar entrada do público reduzido em acanhada casa diminuiu sets de abertura, mas não atrapalhou intenso e coeso show principal

A estreia do lendário Scott Weinrich no Brasil não poderia ter sido num lugar mais explicativo a uma carreira que nem de longe tem o reconhecimento que merece. A City Lights, casa na zona oeste de São Paulo, é tão acanhada que Wino, como o músico é conhecido, precisou passar pelo meio do pouco público para ele mesmo levar seus pedais para o palco e ligá-los, sem ajuda de roadies.

Nada que ele já não tenha tirado de letra ao longo dos mais de quarenta anos de estrada, ou que tenha prejudicado a apresentação antológica de The Obsessed numa disputada noite de eventos no sábado (22) paulistano. A banda com a qual Wino iniciou sua carreira no estado de Maryland, na costa leste dos Estados Unidos, vem recebendo sua maior dedicação desde a tumultuada saída do também lendário Saint Vitus no final de 2014.

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Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Atraso diminui tempo das bandas de abertura

Pouco havia passado das 18h, hora marcada para a abertura das portas, quando os quatro músicos de The Obsessed saíram de uma recém terminada passagem de som na City Lights. Aguardando sua van, os americanos conversavam e tiravam fotos com as poucas pessoas que esperavam na estreita rua cheia de bares em frente à casa.

A entrada do público na City Lights só foi liberada pouco depois das 18h30, horário previsto para a primeira banda de abertura, o curitibano Espectro, começar sua apresentação.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Como a noitada de stoner e doom metal tinha hora para acabar — às 23h, haveria “O grande encontro – pagode Kim e Fabra” na casa —, quando os paranaenses subiram ao palco faltando quinze minutos para às sete da noite, tiveram que cortar uma música de seu repertório programado.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Já que desgraça pouca é bobagem, o grupo do sul do país ainda não pôde contar com o guitarrista Luan Bremer, com pneumonia, e apresentou seu som bem calcado no hard sujo do Pentagram como um quarteto. Ao vivo, não pareceu ter sido um problema na execução das músicas.

Para um público ainda muito reduzido, que mal se aproximava do palco, o Espectro alternou em pouco menos de meia hora suas tendências mais rockeiras, como nos riffs animados de João Wegher e os vocais quase Danzig-escos de Reinaldo Vuicike em “Death Dealing”, com momentos mais arrastados, em “Wicked Life” e “Crimson Star”, mostrando entrosamento da seção rítmica formada por Karina D’Alessandre (bateria) e Felipe Rippervert (baixo).

Repertório — Espectro:

  1. Twist the Knife
  2. Death Dealing
  3. Wicked Life
  4. 1000 Nights
  5. Crimson Star

Pesta acalma Rush e aquece público

Pouco mais de vinte minutos depois, a City Lights já mostrava quase o público total da noite, que dificilmente pareceu ter superado duzentas pessoas. As pessoas ainda se mantinham afastadas do palco quando nele subiram os mineiros da Pesta, das melhores bandas de heavy metal deste país.

A curta apresentação começou com “Anthropophagic”, uma das três faixas executadas de seu disco mais recente “Faith Bathed in Blood”, lançado ainda antes da pandemia em 2019. O grupo já prometera uma redução nos shows este ano para se concentrar em um novo trabalho para breve.

Provando que não estão trancados num perfeito universo sonoro que se equilibra entre os discos “Masters of Reality” (1971) e “Vol. 4” (1972) do Black Sabbath, os mineiros também anunciaram sua participação num tributo ao Rush a ser lançado ainda este ano.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Sua versão executada nesta noite para “Anthem”, em vez de chamar a atenção pela adaptação um pouco mais devagar para o clássico da roqueira primeira fase da banda canadense, poderia ter ficado marcada pelos problemas na guitarra de Marcos Resende, que causaram uma interrupção de sua reprodução na hora do solo.

Evidenciando o entrosamento quase telepático do quarteto, o músico, ao lado do baixista Anderson Vaca e o baterista Flávio Freitas “stonerizaram” seu caminho de volta para a seção do cover em que tinham parado para concluí-lo.

Sem saber exatamente por quanto tempo o grupo ainda poderia ficar no palco depois do problema técnico ao tocar sua versão para a música do Rush, o descalço e carismático vocalista Thiago Cruz anunciou uma última faixa, a morosa e pesada “Witches Sabbath”, e se despediu do público após pouco mais de trinta minutos de apresentação.

Repertório — Pesta:

  1. Anthropophagic
  2. Moloch’s Children
  3. Words of a Madman
  4. Anthem (cover do Rush)
  5. Witches Sabbath

The Obsessed no palco: sem firulas nem conversa mole

Não muito depois do fim do show da Pesta, os músicos de The Obsessed cruzaram a pista em formato de corredor para arrumar seus instrumentos. A ansiedade do público aumentou e as pessoas finalmente se agruparam coladas em frente ao baixo palco lateral da City Lights para a estreia da banda no Brasil.

Apenas poucos minutos após o previsto, o agora quarteto americano já começava seu show de riffs com o sólido groove de “Brother Blue Steel”, faixa de seu clássico disco ”Lunar Womb” (1991), antecedido pela saudação de um educado Wino dizendo ser “um prazer” estar em nosso “lindo país”.

Em um show de pouca conversa e sintonia silenciosa com o pequeno público, vibrando mais com os braços estendidos e as cabeças balançando do que com a voz, Wino comandou a noite por meio de seus riffs de timbre único, solos de um senso bluesy de melodia e os vocais de poucos e nervosos amigos. Características que lhe garantiram respeito nos inúmeros projetos em sua longa carreira — até com um certo Dave Grohl, no Probot —, muito copiadas por inúmeras bandas influenciadas nos últimos quarenta anos, mas nunca replicadas com a mesma qualidade.

A empolgação do público foi aumentando conforme a música inicial ganhava velocidade no solo, que se manteria na classicamente metálica “Streamlined”, primeira de seis músicas tocadas do álbum “The Church Within” (1994). O último trabalho antes do hiato de quase vinte anos da banda, quebrado para algumas reuniões especiais a partir de 2012, foi o mais representado ao longo de quase uma hora e vinte minutos em que The Obsessed esteve no palco da City Lights.

Com sua cadência sabbáthica, “Daughter of an Echo” foi uma das duas faixas do disco lançado em fevereiro deste ano, “Gilded Sorrow”, apenas o quinto trabalho de estúdio da banda, mas o primeiro a ser gravado como um quarteto. Pela primeira vez, pôde-se notar a nova dinâmica da dupla de guitarristas, completada por Jason Taylor, com a mistura de bases mais complexas ao solo.

Já a outra do disco novo, “It’s Not OK”, veio na parte final da apresentação e foi uma boa síntese da banda como um quarteto hoje em dia. Nela, Wino cospe abelhas em uma letra venenosa contra os críticos e falsos amigos, em riffs pesados complementados por licks de guitarra nervosos sobre uma base quase dançante.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Em “Sacred”, faixa-título do penúltimo álbum da banda, de 2017 — o primeiro em mais de vinte anos após após “The Church Within” —, Taylor teve sua chance de tocar os solos no lugar de Wino. A tarefa antes era exclusiva do líder enquanto The Obsessed se apresentava no palco como um power trio.

Na pesada “Streetside” e na arrastada “Blind Lightning”, ambas de “The Church Within”, o destaque ficou para a solidez e o entrosamento da seção rítmica formada pelo também novato baixista Chris Angleberger e Brian Costantino nas baquetas. O baterista, que acompanha Wino desde o final da curta reunião na década passada de outra de suas lendárias bandas, o Spirit Caravan, foi o responsável por convencer o guitarrista a retomar The Obsessed em tempo integral.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Nascidos muito tarde, justificados pelo tempo

A apresentação retomou velocidade com o pedal duplo de Constantino disparado no refrão da metálica “Punk Crusher”, outra de “Sacred”. Logo voltou ao agradável groove que acompanhou o desfile de riffs em “To Protect and Serve”, mais uma do álbum de 1994, a última antes de a banda entrar na seção intermediária do show, dedicada às composições do seu início de carreira.

Lançadas apenas em demo, numa época em que o som pesado mais lento e de influências setentistas estava completamente fora de moda com os malabarismos de Eddie Van Halen e a rapidez da molecada em São Francisco, as músicas ganharam status mítico após Wino cortar os Estados Unidos de costa a costa para se juntar ao Saint Vitus.

Seus lamentos de ter “nascido muito tarde”, quando finalmente teve seus vocais registrados em LP no clássico “Born too Late” (1986) do grupo californiano, despertaram o interesse de gravadoras pelo disco engavetado que The Obsessed gravara um ano antes.

Em 1990, essas gravações foram finalmente lançadas em “The Obsessed”, disco de estreia homônimo, e a carreira da banda foi retomada. O outrora patinho feio Wino chegou até a participar do estrelado primeiro volume do tributo ao Black Sabbath, “Nativity in Black” (1994), integrando o Bullring Brummies ao lado dos ícones Rob Halford, Geezer Butler e Bill Ward.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

A primeira velharia da noite foi a melancólica e grooventa “Tombstone Highway”, registrada numa demo da banda de 1982 e lançada no referido álbum de estreia, seguida pela cadência meio bastarda entre Black Sabbath e ZZ Top de “Endless Circles”. Outra do mesmo registro do início dos anos 80, mas que saiu oficialmente apenas no segundo disco, “Lunar Womb” (1991), teve o boogie de seu ritmo como base para um longo desfile alternado de solos entre Wino e Taylor.

“Freedom”, mais uma da demo de 1982 que apareceu no primeiro disco do grupo, foi uma sequência de inspirados riffs metálicos em ritmos que aceleravam e brecavam antes da disparada final numa vibração meio motoqueira. A última do disco de estreia executada na noite, “The Way She Fly”, retomou o sabbathismos moderados, mantidos com um pouco menos de velocidade e dose extra de peso em “Skybone”, de “The Church Within”.

Já na reta final da apresentação, “Hiding Mask” saiu do ódio de “It’s Not OK”, álbum novo, e foi o mais próximo que a noite ouviu de uma balada. Registrada numa das inúmeras demos oitentistas do grupo e lançada oficialmente em “Lunar Womb”, a canção desolada de amor de Wino foi seguida pelo peso e o nervoso solo de “Mourning”, de “The Church Within”.

Sem ter onde se esconder para o bis

A primeira parte da apresentação terminou com “Sodden Jackal”, clássico lado B do único single lançado por The Obsessed nos anos 80. Regravado no disco “Sacred” como uma mensagem de intenções do retorno do grupo na fase atual, é praticamente um resumo da sonoridade da banda, com alternância pesada de riffs e grooves, sob o vocal tenso de Wino.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

A banda até tentou sair do palco da City Lights para emular um bis. Só que não havia muito para onde ir. A casa se atrapalhou e chegou a colocar som mecânico para rolar nos alto-falantes, mas logo os músicos se posicionaram de novo para, agora sim, encerrar a apresentação. A escolha da última canção recaiu sobre a relativamente introvertida, não menos pesada e barulhenta, “Lost Sun Dance”, “cover” do Spirit Caravan, projeto não tão nervoso e mais reflexivo de Wino.

Ao final da noite, a sensação de que poucos sortudos puderam presenciar a estreia em São Paulo digna de uma lenda do porte de Wino. Enquanto isso, num certo parque na mesma cidade, um festival dedicado a guitarristas tinha como atração principal uma banda cover desleixada de um músico que nem de perto tem as mesmas credenciais de influência e credibilidade.

The Obsessed não soaria deslocado com seu show naquele evento ao ar livre. Certamente agradaria muita gente que foi ver blueseiros e/ou a citada banda cover. Mas todos que estivemos na City Lights, artistas incluídos, nos sentimos muito mais à vontade em ambientes mais escuros.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Repertório — The Obsessed:

  1. Brother Blue Steel
  2. Streamlined
  3. Daughter of an Echo
  4. Sacred
  5. Streetside
  6. Blind Lightning
  7. Punk Crusher
  8. To Protect and to Serve
  9. Tombstone Highway
  10. Endless Circles
  11. Freedom
  12. The Way She Fly
  13. Skybone
  14. It’s Not OK
  15. Hiding Mask
  16. Mourning
  17. Sodden Jackal

Bis:

  1. Lost Sun Dance

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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Atraso para liberar entrada do público reduzido em acanhada casa diminuiu sets de abertura, mas não atrapalhou intenso e coeso show principal

A estreia do lendário Scott Weinrich no Brasil não poderia ter sido num lugar mais explicativo a uma carreira que nem de longe tem o reconhecimento que merece. A City Lights, casa na zona oeste de São Paulo, é tão acanhada que Wino, como o músico é conhecido, precisou passar pelo meio do pouco público para ele mesmo levar seus pedais para o palco e ligá-los, sem ajuda de roadies.

Nada que ele já não tenha tirado de letra ao longo dos mais de quarenta anos de estrada, ou que tenha prejudicado a apresentação antológica de The Obsessed numa disputada noite de eventos no sábado (22) paulistano. A banda com a qual Wino iniciou sua carreira no estado de Maryland, na costa leste dos Estados Unidos, vem recebendo sua maior dedicação desde a tumultuada saída do também lendário Saint Vitus no final de 2014.

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Atraso diminui tempo das bandas de abertura

Pouco havia passado das 18h, hora marcada para a abertura das portas, quando os quatro músicos de The Obsessed saíram de uma recém terminada passagem de som na City Lights. Aguardando sua van, os americanos conversavam e tiravam fotos com as poucas pessoas que esperavam na estreita rua cheia de bares em frente à casa.

A entrada do público na City Lights só foi liberada pouco depois das 18h30, horário previsto para a primeira banda de abertura, o curitibano Espectro, começar sua apresentação.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Como a noitada de stoner e doom metal tinha hora para acabar — às 23h, haveria “O grande encontro – pagode Kim e Fabra” na casa —, quando os paranaenses subiram ao palco faltando quinze minutos para às sete da noite, tiveram que cortar uma música de seu repertório programado.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Já que desgraça pouca é bobagem, o grupo do sul do país ainda não pôde contar com o guitarrista Luan Bremer, com pneumonia, e apresentou seu som bem calcado no hard sujo do Pentagram como um quarteto. Ao vivo, não pareceu ter sido um problema na execução das músicas.

Para um público ainda muito reduzido, que mal se aproximava do palco, o Espectro alternou em pouco menos de meia hora suas tendências mais rockeiras, como nos riffs animados de João Wegher e os vocais quase Danzig-escos de Reinaldo Vuicike em “Death Dealing”, com momentos mais arrastados, em “Wicked Life” e “Crimson Star”, mostrando entrosamento da seção rítmica formada por Karina D’Alessandre (bateria) e Felipe Rippervert (baixo).

Repertório — Espectro:

  1. Twist the Knife
  2. Death Dealing
  3. Wicked Life
  4. 1000 Nights
  5. Crimson Star

Pesta acalma Rush e aquece público

Pouco mais de vinte minutos depois, a City Lights já mostrava quase o público total da noite, que dificilmente pareceu ter superado duzentas pessoas. As pessoas ainda se mantinham afastadas do palco quando nele subiram os mineiros da Pesta, das melhores bandas de heavy metal deste país.

A curta apresentação começou com “Anthropophagic”, uma das três faixas executadas de seu disco mais recente “Faith Bathed in Blood”, lançado ainda antes da pandemia em 2019. O grupo já prometera uma redução nos shows este ano para se concentrar em um novo trabalho para breve.

Provando que não estão trancados num perfeito universo sonoro que se equilibra entre os discos “Masters of Reality” (1971) e “Vol. 4” (1972) do Black Sabbath, os mineiros também anunciaram sua participação num tributo ao Rush a ser lançado ainda este ano.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Sua versão executada nesta noite para “Anthem”, em vez de chamar a atenção pela adaptação um pouco mais devagar para o clássico da roqueira primeira fase da banda canadense, poderia ter ficado marcada pelos problemas na guitarra de Marcos Resende, que causaram uma interrupção de sua reprodução na hora do solo.

Evidenciando o entrosamento quase telepático do quarteto, o músico, ao lado do baixista Anderson Vaca e o baterista Flávio Freitas “stonerizaram” seu caminho de volta para a seção do cover em que tinham parado para concluí-lo.

Sem saber exatamente por quanto tempo o grupo ainda poderia ficar no palco depois do problema técnico ao tocar sua versão para a música do Rush, o descalço e carismático vocalista Thiago Cruz anunciou uma última faixa, a morosa e pesada “Witches Sabbath”, e se despediu do público após pouco mais de trinta minutos de apresentação.

Repertório — Pesta:

  1. Anthropophagic
  2. Moloch’s Children
  3. Words of a Madman
  4. Anthem (cover do Rush)
  5. Witches Sabbath

The Obsessed no palco: sem firulas nem conversa mole

Não muito depois do fim do show da Pesta, os músicos de The Obsessed cruzaram a pista em formato de corredor para arrumar seus instrumentos. A ansiedade do público aumentou e as pessoas finalmente se agruparam coladas em frente ao baixo palco lateral da City Lights para a estreia da banda no Brasil.

Apenas poucos minutos após o previsto, o agora quarteto americano já começava seu show de riffs com o sólido groove de “Brother Blue Steel”, faixa de seu clássico disco ”Lunar Womb” (1991), antecedido pela saudação de um educado Wino dizendo ser “um prazer” estar em nosso “lindo país”.

Em um show de pouca conversa e sintonia silenciosa com o pequeno público, vibrando mais com os braços estendidos e as cabeças balançando do que com a voz, Wino comandou a noite por meio de seus riffs de timbre único, solos de um senso bluesy de melodia e os vocais de poucos e nervosos amigos. Características que lhe garantiram respeito nos inúmeros projetos em sua longa carreira — até com um certo Dave Grohl, no Probot —, muito copiadas por inúmeras bandas influenciadas nos últimos quarenta anos, mas nunca replicadas com a mesma qualidade.

A empolgação do público foi aumentando conforme a música inicial ganhava velocidade no solo, que se manteria na classicamente metálica “Streamlined”, primeira de seis músicas tocadas do álbum “The Church Within” (1994). O último trabalho antes do hiato de quase vinte anos da banda, quebrado para algumas reuniões especiais a partir de 2012, foi o mais representado ao longo de quase uma hora e vinte minutos em que The Obsessed esteve no palco da City Lights.

Com sua cadência sabbáthica, “Daughter of an Echo” foi uma das duas faixas do disco lançado em fevereiro deste ano, “Gilded Sorrow”, apenas o quinto trabalho de estúdio da banda, mas o primeiro a ser gravado como um quarteto. Pela primeira vez, pôde-se notar a nova dinâmica da dupla de guitarristas, completada por Jason Taylor, com a mistura de bases mais complexas ao solo.

Já a outra do disco novo, “It’s Not OK”, veio na parte final da apresentação e foi uma boa síntese da banda como um quarteto hoje em dia. Nela, Wino cospe abelhas em uma letra venenosa contra os críticos e falsos amigos, em riffs pesados complementados por licks de guitarra nervosos sobre uma base quase dançante.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Em “Sacred”, faixa-título do penúltimo álbum da banda, de 2017 — o primeiro em mais de vinte anos após após “The Church Within” —, Taylor teve sua chance de tocar os solos no lugar de Wino. A tarefa antes era exclusiva do líder enquanto The Obsessed se apresentava no palco como um power trio.

Na pesada “Streetside” e na arrastada “Blind Lightning”, ambas de “The Church Within”, o destaque ficou para a solidez e o entrosamento da seção rítmica formada pelo também novato baixista Chris Angleberger e Brian Costantino nas baquetas. O baterista, que acompanha Wino desde o final da curta reunião na década passada de outra de suas lendárias bandas, o Spirit Caravan, foi o responsável por convencer o guitarrista a retomar The Obsessed em tempo integral.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Nascidos muito tarde, justificados pelo tempo

A apresentação retomou velocidade com o pedal duplo de Constantino disparado no refrão da metálica “Punk Crusher”, outra de “Sacred”. Logo voltou ao agradável groove que acompanhou o desfile de riffs em “To Protect and Serve”, mais uma do álbum de 1994, a última antes de a banda entrar na seção intermediária do show, dedicada às composições do seu início de carreira.

Lançadas apenas em demo, numa época em que o som pesado mais lento e de influências setentistas estava completamente fora de moda com os malabarismos de Eddie Van Halen e a rapidez da molecada em São Francisco, as músicas ganharam status mítico após Wino cortar os Estados Unidos de costa a costa para se juntar ao Saint Vitus.

Seus lamentos de ter “nascido muito tarde”, quando finalmente teve seus vocais registrados em LP no clássico “Born too Late” (1986) do grupo californiano, despertaram o interesse de gravadoras pelo disco engavetado que The Obsessed gravara um ano antes.

Em 1990, essas gravações foram finalmente lançadas em “The Obsessed”, disco de estreia homônimo, e a carreira da banda foi retomada. O outrora patinho feio Wino chegou até a participar do estrelado primeiro volume do tributo ao Black Sabbath, “Nativity in Black” (1994), integrando o Bullring Brummies ao lado dos ícones Rob Halford, Geezer Butler e Bill Ward.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

A primeira velharia da noite foi a melancólica e grooventa “Tombstone Highway”, registrada numa demo da banda de 1982 e lançada no referido álbum de estreia, seguida pela cadência meio bastarda entre Black Sabbath e ZZ Top de “Endless Circles”. Outra do mesmo registro do início dos anos 80, mas que saiu oficialmente apenas no segundo disco, “Lunar Womb” (1991), teve o boogie de seu ritmo como base para um longo desfile alternado de solos entre Wino e Taylor.

“Freedom”, mais uma da demo de 1982 que apareceu no primeiro disco do grupo, foi uma sequência de inspirados riffs metálicos em ritmos que aceleravam e brecavam antes da disparada final numa vibração meio motoqueira. A última do disco de estreia executada na noite, “The Way She Fly”, retomou o sabbathismos moderados, mantidos com um pouco menos de velocidade e dose extra de peso em “Skybone”, de “The Church Within”.

Já na reta final da apresentação, “Hiding Mask” saiu do ódio de “It’s Not OK”, álbum novo, e foi o mais próximo que a noite ouviu de uma balada. Registrada numa das inúmeras demos oitentistas do grupo e lançada oficialmente em “Lunar Womb”, a canção desolada de amor de Wino foi seguida pelo peso e o nervoso solo de “Mourning”, de “The Church Within”.

Sem ter onde se esconder para o bis

A primeira parte da apresentação terminou com “Sodden Jackal”, clássico lado B do único single lançado por The Obsessed nos anos 80. Regravado no disco “Sacred” como uma mensagem de intenções do retorno do grupo na fase atual, é praticamente um resumo da sonoridade da banda, com alternância pesada de riffs e grooves, sob o vocal tenso de Wino.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

A banda até tentou sair do palco da City Lights para emular um bis. Só que não havia muito para onde ir. A casa se atrapalhou e chegou a colocar som mecânico para rolar nos alto-falantes, mas logo os músicos se posicionaram de novo para, agora sim, encerrar a apresentação. A escolha da última canção recaiu sobre a relativamente introvertida, não menos pesada e barulhenta, “Lost Sun Dance”, “cover” do Spirit Caravan, projeto não tão nervoso e mais reflexivo de Wino.

Ao final da noite, a sensação de que poucos sortudos puderam presenciar a estreia em São Paulo digna de uma lenda do porte de Wino. Enquanto isso, num certo parque na mesma cidade, um festival dedicado a guitarristas tinha como atração principal uma banda cover desleixada de um músico que nem de perto tem as mesmas credenciais de influência e credibilidade.

The Obsessed não soaria deslocado com seu show naquele evento ao ar livre. Certamente agradaria muita gente que foi ver blueseiros e/ou a citada banda cover. Mas todos que estivemos na City Lights, artistas incluídos, nos sentimos muito mais à vontade em ambientes mais escuros.

Foto: Thiago Zuma @thiagozum

Repertório — The Obsessed:

  1. Brother Blue Steel
  2. Streamlined
  3. Daughter of an Echo
  4. Sacred
  5. Streetside
  6. Blind Lightning
  7. Punk Crusher
  8. To Protect and to Serve
  9. Tombstone Highway
  10. Endless Circles
  11. Freedom
  12. The Way She Fly
  13. Skybone
  14. It’s Not OK
  15. Hiding Mask
  16. Mourning
  17. Sodden Jackal

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