Como o Twisted Sister conquistou o mundo do rock com “Stay Hungry”

Gravação foi marcada por brigas entre banda e produtor; clipes inovadores impulsionaram álbum para posições altas nas paradas

Contratado pela Atlantic Records pelo lendário A&R Phil Carson — o mesmo responsável por contratar Led Zeppelin nos anos 1960 e AC/DC nos anos 1970 para a gravadora —, o já veterano Twisted Sister experimentou um sucesso crescente por toda a Europa com seu segundo álbum, “You Can’t Stop Rock ‘N’ Roll” (1983), e os dois singles de sucesso, “The Kids Are Back” e “I Am (I’m Me)”.

No entanto, a situação em casa era diferente: embora esgotassem os locais onde se apresentavam nos Estados Unidos, a banda não era exatamente um fenômeno de vendas.

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Isso mudou com o lançamento de seu terceiro álbum, que virou não apenas o país, mas o mundo do rock de cabeça para baixo. Em 18 meses, 25 discos de ouro e platina foram recebidos em todo o globo. Ao jornalista Bryan Reesman, o vocalista Dee Snider resume:

“Entregamos um álbum perfeito para a época e clipes que foram inovadores para a época. A jornada que fizemos foi extraordinária.”

Conheça a história de “Stay Hungry”.

Conflito de interesses

No início da década de 1980, Tom Werman era um dos produtores mais requisitados pelas gravadoras. Com quase 40 anos, ele tinha em seu portfólio álbuns bem-sucedidos de artistas como Ted Nugent, Cheap Trick e, mais recentemente, Mötley Crüe, de quem havia produzido “Shout at the Devil” (1983).

Em depoimento a Tom Beaujour e Richard Bienstock reproduzido no livro “Nöthin’ But a Good Time” (Estética Torta, 2022), Werman lembra-se:

“Recebi uma ligação de Doug Morris, o presidente da Atlantic, em minha casa. Ele disse: ‘Tenho uma banda que fez algum sucesso na Europa, mas não consigo nada com eles aqui, e sinto que você é o único cara que pode fazê-la estourar’.”

Enquanto outros membros da banda demonstraram entusiasmo com a perspectiva de ter Werman a bordo, Dee não ficou satisfeito com a escolha de um produtor “comercial” cujo estilo era muito polido para o seu gosto. Na autobiografia “Shut Up and Give Me the Mic” (Gallery Books, 2012), o vocalista escreve:

“Ouvimos o ‘Shout at the Devil’ e não ficamos impressionados. As guitarras e baterias até soavam bem, mas no geral não era o som que estávamos procurando. Não era pesado o suficiente.”

Dee teve uma reunião com Morris para discutir o assunto. Durante a discussão, ele explicou o tipo de produtor que o Twisted Sister estava procurando e Werman simplesmente não era o cara certo. Enquanto “El Presidente” tentava lhe empurrar Werman goela abaixo, o vocalista contra-argumentava, explicando que a banda precisava fazer um álbum verdadeiramente pesado para seus fãs.

“Discutimos o assunto por alguns minutos, até que, exasperado, Morris levantou o tom: ‘Quantos fãs vocês acham que têm?’. Surpreendido pela pergunta e sua intensidade, eu respondi: ‘Não sei, uns 200 mil’. ‘O que você quer, esses 200 mil fãs, ou os outros 800 mil que farão seu próximo álbum ganhar disco de platina?’ Calei minha boca. Eu obviamente queria um disco de platina.”

A batalha pelo repertório

Assim, a banda, o produtor e o engenheiro de som Geoff Workman — cujos créditos incluíam os cinco primeiros álbuns do Queen, os quatro primeiros do The Cars e dois do Journey — começaram a gravar “Stay Hungry” em fevereiro de 1984. Baixo e bateria foram registrados no Record Plant em Nova York. Em seguida, a operação foi realocada para os Cherokee Studios em Los Angeles, onde foram feitas as guitarras e os vocais, além dos overdubs.

Os trabalhos em Nova York começaram com o pé esquerdo quando Werman sugeriu, sem sucesso, que o grupo fizesse um cover de “Strong Arm of the Law”, do Saxon. O guitarrista Jay Jay French relembra:

“O Tom não gostou de algumas das músicas que o Dee escreveu e sugeriu que gravássemos algumas do Saxon. O Dee sempre traz isso à tona. ‘Aquele filho da p#ta queria seis músicas do Saxon!’. Tivemos uma briga daquelas.”

Entre as músicas que Werman não gostou estavam aquelas que acabariam se tornando os maiores sucessos da banda, “We’re Not Gonna Take It” e “I Wanna Rock”. De acordo com o baixista Mark “The Animal” Mendoza, conforme consta no “The Big Book of Hair Metal” de Martin Popoff (Voyageur Press, 2014), o produtor não queria gravá-las.

“Ele ouviu e disse que de jeito nenhum gravaria isso. Werman na verdade não queria a maioria das músicas do álbum. Brigamos com ele a ponto de talvez nem termos gravado aquele álbum.”

Werman se defende, dizendo que simplesmente não ficou impressionado com as músicas — “Eu achava ‘We’re Not Gonna Take It’ uma bela canção de ninar” —, mas nunca deixaria de gravá-las.

“Eles afirmam que eu não queria gravá-las, que não permitiria que as gravassem. Produtores não têm esse tipo de poder. Eles que me pagam, pelo amor de Deus! A banda te contrata, a banda pode te demitir!”

Segundo Dee, as únicas músicas apresentadas de que o produtor realmente gostou foram “Burn in Hell”, “Don’t Let Me Down” e o pot-pourri de “Captain Howdy” e “Street Justice”.

Trabalho em equipe

Após os desafios iniciais, as coisas ficaram mais fáceis e, na maior parte do tempo, Werman e a banda se deram bem, chegando a combinar turnos, já que a os músicos gostavam de gravar durante o dia e a equipe de produção preferia trabalhar desde o meio da tarde até depois da meia-noite.

French relata que a gravação de “Stay Hungry” foi uma rara instância em que a banda estava mais centrada que os produtores, um tópico que Dee explora em sua autobiografia: “Geoff fumava constantemente, bebia uma garrafa de Black Label por dia e constantemente — discretamente — cheirava cocaína”, ele diz, mas também atribui ao engenheiro de som, a quem se refere como “a arma secreta de Werman”, um papel crucial no processo.

“Geoff Workman era meu porto seguro. O cara me fazia rir e encontrava maneiras de conseguir o que minha banda precisava para o álbum. Workman acreditava que as bandas não precisavam de produtores, mas sim de um membro adicional ‘objetivo’ para ajudá-las a obter o que instintivamente sabiam que era certo. Geoff era um homem sábio.”

Foi Workman quem convenceu Dee de que “Stay Hungry” seria um sucesso.

“Um dia, eu estava particularmente desanimado, e Geoff me perguntou o que estava errado. ‘Tom está destruindo o álbum da minha banda’. ‘Não se preocupe’, Workman respondeu sem esboçar um sorriso. ‘Este álbum vai ganhar pelo menos um disco de platina, ou eu saio do ramo’. Foi uma afirmação e tanto. Geoff havia trabalhado em muitos discos de enorme sucesso. ‘É mesmo? Você pode colocar isso por escrito?’, brinquei. ‘Arrume um pedaço de papel’, Workman ordenou a seu assistente, Gary McGachan. Daí, Geoff escreveu: ‘O álbum em que estou trabalhando atualmente com o Twisted Sister deverá ganhar pelo menos um disco de platina ou eu me aposento…’ Ele então assinou, e Gary assinou como testemunha. Isso realmente me animou. Ainda tenho aquele papel. Está plastificado e fica na moldura do disco de platina triplo que recebi por ‘Stay Hungry’.”

Mudando o jogo

“Stay Hungry” chegou às lojas em 10 de maio de 1984, duas semanas após “We’re Not Gonna Take It” ser lançada como primeiro single. O álbum alcançaria a 15ª posição na Billboard e se sairia bem em diversas paradas internacionais.

Como a MTV estava crescendo em ritmo exponencial, fazer um videoclipe para o single havia se tornado regra. Com isso em mente, Dee concebeu uma história para “We’re Not Gonna Take It”.

“Minha ideia era um pai — como o meu próprio — gritando com o filho para baixar o volume do som, e o garoto se transformaria em mim e o jogaria pela janela. A música começaria e haveria trapalhadas tipo ‘Looney Tunes’ (…). Nada poderia nos preparar para o que estava prestes a acontecer.”

Hoje, o videoclipe dirigido por Marty Callner e estrelado por Mark Metcalf é considerado inovador e revolucionário. Apesar de seu enorme sucesso, não foi recordista em exibições na MTV na época. Segundo Dee, a emissora odiou.

“Fui informado de que Les Garland, cofundador e vice-presidente executivo do canal, ficou horrorizado e disse: ‘Isso não é um clipe de rock! É um esquete de humor!’ (…). Alguns meses depois, quando o agora imensamente popular Twisted Sister entregou o clipe continuação de ‘We’re Not Gonna Take It’, ‘I Wanna Rock’, Garland foi citado dizendo: ‘Agora sim um clipe de rock!’ Ele foi imediatamente colocado em rotação pesada.”

Em sua autobiografia, Dee também refuta a crença de que o clipe tornou “We’re Not Gonna Take It” um sucesso. Ele conta que, antes mesmo da estreia do clipe na MTV, “145 estações de rádio em todo o país estavam tocando a música”.

“Embora o clipe indiscutivelmente tenha bombado o single — e por bombado, quero dizer ‘bombado pra c#ralho’ —, ‘We’re Not Gonna Take It’ estava arrasando nas rádios rock desde o dia em que foi lançada. Com ou sem clipe, o Twisted Sister estouraria em 1984.”

Reflexões críticas

Quando do 25º aniversário de “Stay Hungry”, celebrado com o lançamento de uma edição dupla em CD, Dee o apontou como o álbum em que todas as peças se encaixaram — embora “You Can’t Stop Rock ‘N’ Roll” permaneça, musicalmente, como seu favorito.

“É o álbum mais bem-sucedido que tivemos, tem as músicas mais famosas que escrevi, e eu as adoro por isso. Mas não gostei da produção de Tom Werman (…) Simplesmente achei que ele domou demais o som.”

Mark afirma que, embora Tom seja uma boa pessoa e a banda tenha acabado se dando bem com ele, “Stay Hungry” não soa bem.

“Não é um álbum com uma ótima sonoridade. Acho que soa fraco. Soa pequeno. O Twisted Sister ao vivo era enorme, monstruoso.”

Sem mencionar o produtor, Jay Jay encerra vendo o copo meio cheio:

“‘Stay Hungry’ teve um alto orçamento. Era mandatório que fizéssemos o disco de nossas vidas. Nós fizemos.”

Twisted Sister – “Stay Hungry”

  • Lançado em 10 de maio de 1984 pela Atlantic Records
  • Produzido por Tom Werman

Faixas:

  1. Stay Hungry
  2. We’re Not Gonna Take It
  3. Burn in Hell
  4. Horror-teria (The Beginning) | A) Captain Howdy | B) Street Justice
  5. I Wanna Rock
  6. The Price
  7. Don’t Let Me Down
  8. The Beast
  9. S.M.F.

Músicos:

  • Dee Snider (vocais e backing vocals)
  • Jay Jay French (guitarra e backing vocals)
  • Eddie “Fingers” Ojeda (guitarra e backing vocals)
  • Mark “The Animal” Mendoza (baixo e grunhidos)
  • A.J. Pero (bateria e backing vocals)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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