A crônica musical gringa tem utilizado com frequência a expressão “dad rock” (“rock de pai”) para categorizar artistas e bandas com trinta ou mais anos de estrada. Ou seja, se é rock “velho”, independentemente do subgênero, os pais ouvem.
Acontece que o Pearl Jam é um caso à parte de “dad rock”, em que os pais, muitos dos quais podem afirmar que o clássico “Ten” (1991) é um dos discos de suas vidas, estacionaram no tempo à espera de novas “Alive” ou “Jeremy”. São os filhos que melhor compreendem os caminhos que o grupo, baluarte do grunge, vem percorrendo, especialmente na última década e meia.
Inclusive, considerando-se apenas o aspecto sonoro, faz tempo que o Pearl Jam não é propriamente grunge; denominação que, no caso específico da banda, parece enquadrá-la mais geográfica do que musicalmente. Do chamado “quadrado mágico de Seattle” — completado por Alice in Chains, Nirvana e Soundgarden —, é o nome que mais pisou fora do quadrado e, por conseguinte, conquistou mais fãs que não pertencem ao nicho de origem. Ajuda o fato de as atividades nunca terem sido interrompidas por quaisquer motivos.
Mas se o bom filho à casa retorna e o sangue é mesmo mais espesso que a água, o recém-lançado “Dark Matter”, ao menos em parte, traz o Pearl Jam, sob a astuta direção do produtor hot shot Andrew Watt, olhando com mais carinho para suas origens. Nem tanto para “Ten”, mas muito para o sucessor “Vs.”, já que a dobradinha inicial “Scared of Fear” e “React, Respond”, apesar das timbragens mais modernas, poderia fazer parte do repertório do álbum de 1993 — especialmente a segunda, que contém genes de “Rearviewmirror” em seu DNA.
“Wreckage”, lançada dois dias atrás, evoca uma vibe à la Tom Petty. Eddie Vedder, ainda com boa capacidade vocal e interpretativa, exprime a emoção necessária enquanto a canção adquire intensidade e volume extras. A faixa-título, lançada como prévia em fevereiro passado, surge como um lembrete ao ouvinte de quão multifacetado, e até ligeiramente estranho, o Pearl Jam pode ser e soar. A letra, por sua vez, é um recado aos demagogos que caminham pela Terra; gente que não emite nem absorve luz, apesar de constituírem mais de 80% do universo material.
De contraponto em contraponto, o álbum continua se desenvolvendo, num fluxo que, a partir de “Won’t Tell” e seu refrão que pede isqueiros (ou celulares — eca!) para o alto, parece determinado a reunir, se não todos, diversos dos ingredientes que constam de receitas de eficácia previamente comprovada na discografia da banda. Em “Upper Hand”, a dupla Stone Gossard e Mike McCready parece incorporar os Hendrix e Gilmour que existem dentro deles. Lançam mão de sutilezas algo geniais na base e deixam o sentimento falar mais alto no solo.
“Waiting for Stevie”. Talvez o momento mais propenso para se tornar um single. Duvido que aconteça; afinal, estamos falando de uma banda cujo maior tesouro no catálogo é um lado B, “Yellow Ledbetter”. Mas o fato é que essa música parece assimilar a proposta saudosista/progressista de “Dark Matter”, reunindo sob o mesmo contexto ira engarrafada e contemplação esotérica. Difícil de explicar, mais fácil de sentir. Pais e filhos aprovam.
Um impulso rumo ao desconhecido — ou a rodas de pogo, caso a lombar permita. Embora seja a faixa mais curta do repertório (2:19), “Running” é um tour de force de Matt Cameron e consiste em mais um testemunho de que o baterista é um dos mais talentosos ainda em atividade. De craque para crack, “Something Special” é cocreditada ao — obrigado, Deus — ex-Red Hot Chili Peppers Josh Klinghoffer. Desprezo deste autor ao guitarrista à parte, trata-se de uma bem-vinda calmaria após o cárdio da faixa anterior.
O astral se eleva em “Got to Give”, outra escolha óbvia para música de trabalho por ser a mais acessível do disco. O álbum encerra com a ambiência rural e os contornos prog de “Setting Sun”. O mote de puro carpe diem — “Que os dias sejam proveitosos até o fim dos tempos”, diz um dos versos na estrofe final — combina com os sulcos finais. “Que não desvaneçamos”, roga Vedder em seu canto final.
Como se houvesse o risco, não é? Discaço.
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Pearl Jam — “Dark Matter”
- Scared Of Fear
- React, Respond
- Wreckage
- Dark Matter
- Won’t Tell
- Upper Hand
- Waiting For Stevie
- Running
- Something Special
- Got To Give
- Setting Sun
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