Exclusivo: Ian Anderson fala de Jethro Tull, longevidade e flerte com Opeth

De volta ao Brasil para quatro shows, ícone prog revela apreço por Heitor Villa-Lobos e pavor em viajar de avião no hemisfério sul

Um dos nomes mais populares e celebrados do rock progressivo, o Jethro Tull está prestes a voltar ao Brasil após quase duas décadas. É bem verdade que nesse período Ian Anderson e Martin Barre estiveram no país celebrando o legado da banda em algumas ocasiões, mas em expediente solo e separadamente, tendo em vista que estão rompidos. Até então, a última vez sob a alcunha com a qual fizeram fama e fortuna foi no já longínquo ano de 2007.

Agora o retorno se dá apenas com Anderson, fundador e principal força criativa do grupo inglês, oriundo da cidade de Blackpool. Foi dele a iniciativa de decretar o fim do Jethro Tull em 2011 para depois ressuscitá-lo, em 2017, sem a presença de Barre. Aparentemente, no que depender do líder, o guitarrista não voltará a seu posto em hipótese alguma.

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Firme nas respostas, mas tranquilo e sereno — em completa oposição à performance explosiva que costumava adotar no palco —, Ian conversou com o site IgorMiranda.com.br direto de sua casa, no interior da Inglaterra. Aos 76 anos, o multi-instrumentista que se notabilizou pelo uso singular da flauta falou sobre:

  • o renascimento do Jethro Tull;
  • os dois álbuns lançados pós-pandemia;
  • gostos e dissabores pessoais na música e na vida;
  • sua longevidade artística, que recentemente lhe permitiu participar do próximo disco do Opeth.

Jethro Tull renascido

Ian Anderson vem ao Brasil, nesta semana, acompanhado de David Goodier (baixo), John O’Hara (teclados), Joe Parish (guitarra) e Scott Hammond (bateria) para shows em Belo Horizonte (terça-feira, 9), Porto Alegre (quarta, 10), Curitiba (sexta, 12) e São Paulo (sábado, 13) — clique no nome de cada cidade para ingressos. O músico comentou:

“São parte de uma série de apresentações da turnê que estamos fazendo este ano, intitulada ‘The Seven Decades’. Tocamos músicas de cada uma dessas sete décadas em que lançamos discos. A primeira música do show é do nosso primeiro álbum (‘This Was’), de 1968. Então, tocamos pelo menos uma música de cada uma dessas décadas. Algumas soarão muito familiares aos fãs de Jethro Tull, algumas são material histórico que nunca tocamos no Brasil antes. E também teremos canções do novo álbum (‘RökFlote’, de 2023) e do antecessor (‘The Zealot Gene’, 2022). Serão 50% de músicas familiares e 50% de músicas não tão conhecidas. Acho que é um bom equilíbrio para manter o público interessado e não apenas o repeteco de um show que eles já viram.”

Foto: Assunta Ophale

Antes dos dois novos trabalhos, compostos em sequência, a banda não lançava material inédito de estúdio desde de “The Jethro Tull Christmas Album” (2003). O longo hiato fez com que o interesse dos fãs tenha crescido, acredita Anderson.

No repertório da atual turnê, o Jethro Tull deve tocar quatro músicas dos discos novos: “Mine Is the Mountain” e “Mrs Tibbets”, de “The Zealot Gene”, e “The Navigators” e “Wolf Unchained”, de “RökFlote”.

“A reação tem sido a mesma em relação a outras músicas. Acho que os fãs de Jethro Tull gostam de ouvir não só as músicas, mas também os álbuns. Ambos estiveram no Top 20 da Billboard, nos Estados Unidos, e também nas paradas do Reino Unido, da Alemanha e outros países. São músicas de álbuns de fizeram certo sucesso. Os dois foram muito bem em termos de reconhecimento, com resenhas positivas. Escolher apenas duas músicas de um álbum pode ser uma tarefa complicada. Gostaríamos de tocar mais, mas estamos confortáveis com as que escolhemos para tocar ao vivo todas as noites.”

Longevidade artística de Ian Anderson

Se a turnê comemora a produção criativa do Jethro Tull em sete décadas diferentes, significa que a banda começou sua jornada ainda nos anos 1960. Mais especificamente, em 1967. O que surgiu originalmente como um projeto de blues rock veio a ser, na verdade, um pilar do rock progressivo, mas que jamais se permitiu rotular. Nem somente como rock, tampouco como prog.

Ian Anderson absorveu muito do folk, do hard rock e da música clássica, uma de suas grandes paixões. E é esse leque de influências que o credencia a permanecer criativo e “obcecado”, como ele define, por ser artisticamente produtivo.

“Acho que é a mesma coisa com quem escreve livros, pinta quadros ou faz algo nesse mundo artístico. Você tenta continuar provando a si mesmo que ainda tem alguma coisa a entregar. Isso se torna uma obsessão. Seja tocar ao vivo, gravar um disco novo. É uma obsessão. Enquanto você ainda consegue fazer, é triste pensar em parar. Um dia terei que parar, pois estarei, física ou mentalmente, incapaz de continuar, mas acho que envelhecer racionalmente é também continuar fazendo o que você ainda consegue. Talvez adiar isso por um ou dois anos, depois não será possível mais. É uma obsessão. Do ponto de vista da saúde, é uma coisa boa a se fazer, física e mentalmente, para se testar. Ter que lembrar palavras e notas todas as noites. Para mim, estar no palco por duas horas é como exercício aeróbico. Algumas pessoas vão à academia ou correm, mas eu faço meus exercícios físicos no palco. E me esforço ao limite.”

Foto: Rocket 88

Questionado sobre suas preferências musicais e se há ou houve algum artista brasileiro que o cativou, o líder do Jethro Tull se permitiu alongar um pouco mais. E recordou dos tempos em que se isolou para compor “War Child” (1974), sucessor do audacioso “A Passion Play” (1973), numa época em que considera determinante para o esgotamento do rock, em termos pessoais.

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“Algo que me ocorre agora é que em 1973, quando eu estava morando por algumas semanas em Montreux, na Suíça, para compor um novo disco, eu estava sozinho, não tinha ninguém lá comigo, e quando eu estava trabalhando em novas músicas para o Jethro Tull eu estava ouvindo (Heitor) Villa-Lobos. Foi uma experiência muito relaxante. Claro que é um tipo de música muito diferente da que eu faço, mas ainda a acho muito boa. Até hoje, quando eu ouço música de forma ‘recreativa’, digamos, eu tento ouvir algo oposto ou diferente do meu trabalho e do que eu faço. Então, ouço Bach, Beethoven… Prefiro ouvir música clássica, às vezes folk, mas geralmente música clássica. Nunca fui um grande fã de rock. Em meados dos anos 1970, eu estava em turnê nos Estados Unidos e todos os lugares estavam tocando esse tipo de música. No elevador, no carro, no rádio, em todos os lugares, todo tempo. Isso que se chama de classic rock ou seja lá o que for. Eu fiquei saturado disso, simplesmente não queria mais ouvir rock – e não ouço. Ouvi tanta coisa na minha adolescência e com 20 poucos anos que não preciso mais ter influências na minha vida. Já tenho grandes exemplos e ótimos tipos de música do qual posso aprender. À essa altura, não quero ser influenciado pelo o que outras pessoas estão fazendo no rock. Por isso, não escuto muita coisa. Às vezes ouço porque as pessoas me pedem para tocar em seus discos, então vejo o que elas estão fazendo. Tento entender a música, o que estão tentando fazer com ela e como posso contribuir. Mas é só nesse tipo de situação que escuto rock.”

Opeth: convite aceito

Um desses pedidos partiu de Mikael Åkerfeldt, a mente por trás do Opeth. Em fevereiro, o próprio Ian Anderson revelou que participará do novo disco da banda, ainda sem data de lançamento ou maiores detalhes. Mas pelo jeito, o prog dos suecos, oriundos da cena death metal de Estocolmo, cativou o músico britânico.

“Às vezes as pessoas me pedem para tocar em seus discos e se eu gosto do que elas fazem, eu aceito. Acho que todo ano eu participo como convidado de dois ou três álbuns de outros artistas. Alguns deles relativamente bem conhecidos, alguns bem obscuros. Mas depende, pois eu preciso gostar da música e me divertir fazendo. Além disso, precisa ser algum um pouco diferente do que eu já faço para ser interessante e me desafiar. Algo diferente em termos de estilo, para que eu possa aprender alguma coisa com essa experiência.”

Anderson preferiu não antecipar novidades sobre o trabalho. O que se sabe é que ele deve aparecer em três ou quatro faixas do álbum, que será o sucessor de “In Cauda Venenum” (2019). Sua relação com Mikael Åkerfeldt não parece ser exatamente de amizade ou algo nesse nível, mas de cordialidade.

“Ele entrou em contato com meu filho há alguns anos quando tocamos na Suécia. Três ou quatro anos atrás. Ou melhor, dois ou três anos atrás. Ele me convidou para participar desse disco novo e eu concordei. Gravei há poucos meses.”

Mikael Åkerfeldt, vocalista e guitarrista do Opeth (foto: Artur Satriani)

Considerando que uma parcela da proposta atual do Opeth não deixa de ser uma homenagem à velha escola do prog setentista, de nomes como King Crimson, Yes, Camel e outros, incluindo o próprio Jethro Tull, Ian Anderson comentou o que o estilo representa em sua vida e se ainda considera a si mesmo um admirador ou parte desse movimento, por assim dizer.

“Tudo que já gostei ainda gosto. Volto deliberadamente para ouvir, pois sei que significou muito para mim na adolescência e ainda pode me satisfazer. Eu diria que 90% do que eu revisito ainda me satisfaz. Mas algumas coisas podem ser decepcionantes, pois não soam bem tocadas ou não são músicas tão boas. Algumas desapontam, mas não vou mencionar nomes, pois a maioria é de gente que já está morta, o que seria injusto. Mas claro, há coisas que resistem ao teste do tempo.”

Retorno ao Brasil

Nessa volta ao Brasil, Ian Anderson pretende honrar os shows que foram inicialmente adiados e depois cancelados entre 2020 e 2021. O Jethro Tull foi uma das várias bandas com shows marcados no país na época e que acabaram prejudicadas pela pandemia de covid-19. Agora, enfim, as apresentações irão acontecer.

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“Tivemos cerca de 60 ou 70 shows adiados. Primeiro para 2021, depois foram adiados de novo, pois a covid-19 ainda estava circulando. E gradualmente tivemos que ir remarcando para 2022 e 2023. Se não me engano, o show na Finlândia que fizemos ano passado precisou ser adiado três vezes. Na quarta tentativa, enfim conseguimos tocar. Lembro que de início chegamos lá em fevereiro de 2020, estávamos no hotel e vimos pela televisão que o governo havia cancelado todos os eventos públicos. Tivemos que voar de volta para casa na manhã seguinte. Então, sabemos que muitas pessoas haviam comprado os ingressos para nos ver no Brasil, algumas inclusive desde 2019, então é uma questão de honra e de ética profissional finalmente levar essa turnê ao país. Na maioria dos casos, conseguimos voltar a esses lugares que haviam tido shows cancelados.”

O músico ainda refletiu sobre sobre o período da covid-19 não foi tão desafiador para ele, se comparado a tantas outras pessoas que tiveram grandes perdas pessoais e/ou financeiras no período. Ele destaca:

“Veja, eu vivo em um mundo privilegiado. Tivemos o lockdown no Reino Unido e muitas pessoas não podiam sequer sair de casa, obviamente. Não podiam encontrar ninguém e viveram dias difíceis. Eu moro no interior, em uma casa que me permitia sair para andar no campo, na floresta, e sem ter contato com ninguém. Felizmente, meus dois filhos moram muito perto daqui e também puderam me ajudar comprando algumas coisas, trazendo comida. Algumas pessoas não tinham quem fazer isso por elas. Então, não posso fingir que enfrentei muitas dificuldades. Foram apenas dias frustrantes por aqui. Para outras pessoas, foi uma experiência terrível. Milhões de pessoas perderam a vida na pandemia. Na Itália, por exemplo. Acredito que tenha sido uma grande lição para todo o mundo. Não dá pra fingir que não aconteceu. Foi algo muito sério, especialmente para os mais velhos e com comorbidades.”

A única coisa que o líder do Jethro Tull ainda lamenta sobre vir tocar no Brasil é, na verdade, um incômodo pessoal que envolve aviões. Anderson conta que odeia voar, principalmente para países do hemisfério sul, onde, segundo ele, estão as piores turbulências do mundo.

“Algo que me deixa muito feliz quando estou no Brasil é sair do avião. Não sou feliz viajando de avião. E claro que no Brasil é preciso sempre estar voando, pois é um país muito grande. As cidades são muito distantes entre si e fica caro ir de carro. Então, pegamos um longo voo, pousamos em uma cidade, tocamos à noite no dia seguinte e depois já precisamos pegar outro voo. Só há um dia de intervalo, que nem é de descanso, pois temos que viajar quando não tem show. Enfim, eu realmente não gosto de viajar de avião, especialmente no Brasil. Seja indo para ou saindo do Brasil. No trajeto entre São Paulo e Londres, você enfrenta algumas das piores turbulências do planeta Terra! Em qualquer época do ano. Sempre é ruim! Eu realmente não gosto de voar para o hemisfério sul, ter que cruzar a Linha do Equador. O mesmo vale para Austrália e Nova Zelândia. É difícil encarar essas viagens. Um grande incômodo para mim. Então, quando saio do avião e você me encontra andando no aeroporto, sou aquele cara com um grande sorriso no rosto. Porque ainda estou vivo!”

Sua mensagem final ao fãs brasileiros, porém, é espirituosa:

“Estamos voltando depois de um longo tempo. Alguns de vocês devem estar mais velhos, mas ainda não tão velhos quanto eu. Espero que todos estejam bem, ansiosos pelo show e quando terminar, todos saiam com um sorriso no rosto tão grande quanto o meu quando saio do avião.”

*O Jethro Tull faz shows em Belo Horizonte (terça-feira, 9/4), Porto Alegre (quarta, 10/4), Curitiba (sexta, 12/4) e São Paulo (sábado, 13/4). Clique no nome de cada cidade para ingressos.

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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Atualmente revisa livros da editora Estética Torta e é editor do Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

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