A história de “Rising Force”, o álbum pioneiro de Yngwie Malmsteen

Permeado por acasos, inovador disco de estreia do guitarrista sueco revolucionou a guitarra instrumental nos anos 1980

Quando se trata de guitarra, existem os bons, os muito bons, os excelentes e aqueles que mudam o jogo. Como Jimi Hendrix e Eddie Van Halen antes dele, Yngwie Malmsteen se enquadra na última definição.

Tal foi o impacto explosivo de sua técnica que arpejos, sweep-picking e a abordagem neoclássica se tornaram uma sensação da noite para o dia. Ocorreu da mesma forma que o two-hands tapping se tornou quando “Eruption”, do Van Halen, foi lançada.

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Nas palavras de Zakk Wylde: “Se você um dia já se perguntou o que Bach, Beethoven, Mozart, Vivaldi e Paganini seriam capazes de fazer se vivessem no século 21, eis aqui a resposta”.

Esta é a história do álbum que seria justamente definido como clássico, não apenas no universo dos virtuosos da guitarra, mas no heavy metal como um todo.

Esta é a história de “Rising Force”.

Da Suécia para a Califórnia

Na transição da adolescência para a vida adulta, Yngwie Malmsteen se via cada vez mais frustrado com a cena musical sueca. Ele buscava desesperadamente o sucesso que julgava merecer, mas as gravadoras europeias não demonstravam o menor interesse em sua música repleta de influências de compositores clássicos como Bach e Paganini.

Por alguma razão estranha, no entanto, uma demo de suas instrumentais chegou à região de San Francisco, na Califórnia, e começou a ser tocada em estações de rádio universitárias. Mike Varney, diretor-executivo da Shrapnel Records, ouviu e ficou instantaneamente impressionado. Tratou, portanto, de entrar em contato com Yngwie e o convidou a ir aos Estados Unidos para gravar um álbum para sua gravadora.

Na autobiografia “Relentless” (Wiley, 2013), Malmsteen comenta:

“Não sei se Varney percebeu o quão inteligente foi essa jogada — eu certamente não percebi — de me colocar com uma espécie de banda local cuja música era deveras medíocre. Tipo, aqui estava uma banda que se encaixava totalmente no tipo de rock previsível e aceitável que era a base da cena de clubes de Los Angeles, e se você adicionasse à mistura um guitarrista insano versado em música clássica vindo diretamente da Suécia, isso a tornaria nada convencional. Não sei se esse era o plano dele, mas definitivamente criou um monstro que deu o que falar. Esse foi o papel de Varney em impulsionar minha carreira nos Estados Unidos.”

Yngwie fez sua estreia nos EUA no álbum homônimo  do Steeler e teve a oportunidade de fazer vários shows com a banda — Ron Keel (vocais, guitarras), Rik Fox (baixo, backing vocals) e Mark Edwards (bateria) — antes de decidir seguir em frente. Na verdade, quando o disco chegou às lojas, ele já havia virado a página e ingressado no Alcatrazz.

Alcatrazz e a conquista do Japão

Somente quando Yngwie deixou o Steeler e ingressou no Alcatrazz é que ele encontrou uma vitrine respeitável para sua habilidade com a guitarra. De acordo com o vocalista Graham Bonnet, em entrevista ao jornalista Malcolm Dome, levou um tempo para a banda — na época sem nome e composta por ele, o baterista Jan Uvena, o tecladista Jimmy Waldo e o baixista Gary Shea — encontrar o guitarrista certo.

“Devemos ter feito testes com cerca de 30 caras. O único de que me lembro foi Laurence Juber, que havia tocado com o Wings, mas ele era muito ‘bonzinho’. Queríamos alguém mais agressivo e muito mais pesado.”

Lá pelas tantas, alguém sugeriu que a banda testasse Malmsteen, e ele se saiu muito bem no teste. Depois de passar um bom tempo tentando encontrar o nome certo — “Yngwie sugeriu Excalibur, o que todos nós detestamos”, lembra Shea —, os cinco decidiram se chamar Alcatrazz.

Embora Malmsteen nunca tenha sido especialmente fã do estilo da banda, ele atuou como seu principal compositor; talento que nunca teve a chance de exercer no Steeler. “Graham escrevia as letras e eu, a música, incluindo as melodias vocais”, recorda-se Yngwie em “Relentless”, completando:

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“Algumas das músicas, como ‘Too Young to Die, Too Drunk to Live’, eu já havia composto durante meu tempo no Steeler. Uma vez que comecei, criando novas músicas para o álbum e assumindo o processo, os outros caras apenas concordaram, então acabamos usando todo o material que apresentei. Para quem conhece minha forma de compor e tocar, é muito fácil perceber que são coisas de minha autoria.”

Lançado em outubro de 1983, o primeiro álbum do Alcatrazz, “No Parole From Rock ‘N’ Roll”, foi muito mais bem-sucedido do que qualquer um na banda esperava. Alcançou a posição 128 nos Estados Unidos e foi ainda maior no Japão. O músico relembra:

“Quando chegamos lá [no Japão], foi como se os Beatles tivessem pousado. Foi inacreditável. Estava tudo escalonando muito rápido. Nunca imaginei a recepção que teríamos lá: era a diferença entre ser um músico e ser um astro do rock, o que eu não me via como. Os fãs se apaixonaram por mim assim que fiz o primeiro show lá; foi um caso de amor à primeira vista. Por causa disso, a gravadora japonesa Polydor K.K. decidiu que eu precisava fazer um álbum solo o quanto antes.”

Rumos inesperados

Não é amplamente conhecido o fato de que Yngwie recebeu uma oferta de contrato para um álbum solo da Polydor K.K. enquanto ainda estava no Alcatrazz. De acordo com ele, “era para ser um lance paralelo, exclusivo para o mercado japonês, que eu gravaria entre os shows e as gravações com minha banda principal. Não estava nos planos que eu saísse e formasse meu próprio grupo”.

O motivo? Malmsteen não queria fazer um álbum instrumental de guitarra. Segundo ele:

“As pessoas da gravadora me convenceram a fazê-lo. Explicaram que ter vocais interferiria no fato de eu ainda estar no Alcatrazz e geraria comparações com Graham. Afinal, deveria ser lançado apenas como um projeto paralelo no Japão, capitalizando o sucesso do Alcatrazz no país.”

No entanto, as coisas estavam seriamente se deteriorando dentro do Alcatrazz. Na época, Bonnet tinha um problema grave de alcoolismo, a ponto de mal conseguir se manter em pé nos shows.

Yngwie lembra que os problemas do cantor dificultaram o funcionamento da banda e, por fim, levaram à sua saída. Conta ainda que ele e Graham tiveram algumas discussões e que, “algumas delas chegaram às vias de fato”.

“Portanto, o clima não estava nada bom. E toda vez que a banda tinha um dia de folga, eu empacotava minhas coisas e voava de volta para [os estúdios Record Plant em] Los Angeles para gravar faixas para o meu vindouro álbum solo.”

A gênese do Rising Force

A partir dos destroços do Alcatrazz, Yngwie vislumbrava uma nova banda; uma que, em suas próprias palavras, “serviria como veículo para meus instrumentais. Eu estaria no controle novamente”.

Sua primeira opção para a bateria era Barriemore Barlow, que havia tocado nas sessões no Record Plant, mas como integrava o Jethro Tull na época, o inglês não estava disponível. Valendo-se de que já tinha o sueco Jens Johansson nos teclados, chamou o irmão de Jens, Anders, para ser seu baterista. Por fim, Malmsteen contratou o também compatriota Marcel Jacob como baixista para os shows.

A banda, denominada Rising Force, originalmente não tinha um vocalista. Yngwie pensou inicialmente em fazer os vocais ele mesmo. Porém, como não queria ficar preso ao pedestal do microfone durante as apresentações, começou a ouvir fitas de possíveis candidatos ao posto. Foi quando Jeff Scott Soto deu as caras, segundo o guitarrista.

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“As músicas que ele cantou no teste foram direto para o álbum; o que mostra o quão bom ele era. As pessoas da Polydor K.K. esperavam que eu entregasse um álbum cem por cento instrumental, mas consegui colocar duas músicas com vocais [‘Now Your Ships Are Burned’ e ‘As Above, So Below’], no fim das contas.”

O inesperado caminho do sucesso

Com a adição de Jeff, o Yngwie J. Malmsteen’s Rising Force estava bem encaminhado. Após terminar a mixagem do álbum “Rising Force”, Malmsteen foi direto para o estúdio e já começou a trabalhar no disco seguinte, “Marching Out”. Não houve turnê ou apresentações ao vivo entre os dois lançamentos. Ele explica o porquê:

“‘Marching Out’ deveria ser meu primeiro disco a ser lançado mundialmente. Mas várias coisas inesperadas aconteceram.”

De acordo com o contrato com a Polydor K.K., “Rising Force” seria um lançamento exclusivo para os fãs japoneses. Contudo, acabou disponibilizado também nos Estados Unidos sem nenhuma divulgação, “e adivinhe: chegou ao 40º lugar da Billboard”, ele se lembra.

“Assim que a notícia sobre esse álbum se espalhou, os fãs começaram a encomendá-lo nas lojas de discos e, em pouco tempo, havia uma grande demanda. Então, a Polygram decidiu que era melhor fazer um lançamento mundial.”

O resultado disso foi uma surpreendente indicação ao Grammy na categoria Melhor Performance Instrumental de Rock em 1986. O prêmio acabou nas mãos de Jeff Beck por “Escape”, de seu álbum de 1985 “Flash”.

Revolução na guitarra instrumental

Bolas na trave à parte, “Rising Force” — cujo lançamento oficial se deu em 5 de março de 1984 — é tido como um marco para a guitarra instrumental. Em um artigo de 2009 da revista Guitar World, foi classificado como o primeiro na lista dos dez melhores álbuns de shred (“fritação”) de todos os tempos.

Consta da justificativa: “Yngwie J. Malmsteen foi, é e sempre será o maior shredder (“fritador”) de todos os tempos. P#rra, ele inventou o gênero com seu disco de estreia”.

Mas essa alcunha de “fritador” tem seu lado ruim, como o próprio Yngwie escreve em “Relentless”:

“‘Rising Force’ meio que me rotulou como um virtuoso, o que teve o efeito lamentável de muitas pessoas não me enxergarem como um compositor de verdade. Tive que lutar contra essa percepção equivocada por muitos e muitos anos.”

Mesmo assim, os dois carros-chefes do disco, “Black Star” e “Far Beyond the Sun”, continuam sendo duas das músicas mais populares de Malmsteen, além de serem parte essencial de seu repertório ao vivo. Sobre ambas, ele disse em 2008 à Guitar World:

“Essas composições meio que resumem meu estilo. Há frases rápidas, harmonias lentas e alguns arpejos realmente agradáveis nelas. Muitos dos guitarristas que estudam minha forma de tocar usam essas músicas como exercício. E o que eles tocam mais ou menos acaba soando como trechos dessas músicas, que são como ícones para mim. Eu provavelmente as tocarei até o dia em que morrer.”

Yngwie J. Malmsteen’s Rising Force — “Rising Force”

  • Lançado em 5 de março de 1984 pela Polydor
  • Produzido por Yngwie Malmsteen.

Faixas:

  1. Black Star
  2. Far Beyond the Sun
  3. Now Your Ships Are Burned
  4. Evil Eye (baseada em Bourree, de Johann Krieger)
  5. Icarus’ Dream Suite Op. 4 (baseada em Adagio em Sol menor, de Tomaso Albinoni) 8:33
  6. As Above, So Below
  7. Little Savage
  8. Farewell

Músicos:

  • Yngwie Malmsteen (guitarra, Moog Taurus, baixo, arranjos)
  • Jeff Scott Soto (vocais)
  • Jens Johansson (teclados, arranjo de cravo na faixa 7)
  • Barriemore Barlow (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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