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Como o desacreditado Supertramp estourou com “Breakfast in America”

Banda inglesa era “apenas mais uma” até emplacar um dos álbuns mais vendidos da história — e jamais repetir tal sucesso

Os anos 1970 viram a proliferação de bandas de rock profissionais. Eram os tempos do gênero como potência hegemônica da indústria musical. Então, toda semana apareciam projetos montados por gravadoras ou empresários endinheirados com o objetivo de retornar investimento de maneira regular. O Supertramp, durante grande parte de sua trajetória — mais especificamente, até “Breakfast in America” —, poderia ser descrito assim.

Formado em 1970 sob o patrocínio de um milionário holandês — que dois anos depois pulou fora da empreitada —, o grupo conseguiu alguns sucessos modestos no Reino Unido e no Canadá após seu terceiro álbum. Mesmo assim, sua trajetória parecia fadada ao esquecimento.

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Entretanto, eles ainda tinham uma carta na manga. Essa é a história de como a banda que ninguém esperava fez um dos discos mais vendidos de todos os tempos.

Era uma vez uma parceria

O Supertramp começou a partir de um encontro de opostos. Rick Davies era um tecladista de origem humilde, classe trabalhadora, influenciado por blues e jazz. Roger Hodgson tocava baixo, estudou em uma escola particular e saiu direto dela para a indústria musical.

Os dois se conheceram durante testes promovidos pelo holandês Stanley “Sam” August Miesegaes para montar uma banda em torno de Davies. Surpreendentemente, eles foram com a cara um do outro e formaram uma parceria criativa de imediato. O guitarrista e vocalista Richard Palmer se encarregava de escrever letras para as canções.

A formação inicial passou por muitas mudanças. Palmer deixou o grupo após o primeiro álbum em 1970 e foi trabalhar com o King Crimson. O segundo disco passou tão batido pelo público quanto a estreia – e não tardou para Miesegaes tirar seu apoio. Mesmo assim, Davies e Hodgson permaneceram juntos. 

Eles recrutaram o saxofonista John Helliwell, o baterista Bob C. Benberg, o baixista Dougie Thomson – Hodgson a esse ponto tinha se tornado o guitarrista e tanto ele quanto Davies cantavam. Era cristalizada, assim, a formação clássica do grupo. Juntos, eles atingiram sucesso no Reino Unido com seu terceiro álbum, “Crime of the Century” (1974).

Entretanto, a relação entre Davies e Hodgson mudou junto com seus estilos de vida. Devido à sua origem, o tecladista sempre foi o mais realista dos dois, cético com relação a qualquer tipo de espiritualidade. Enquanto isso, o garoto de colégio particular virou bicho-grilo, aprendeu sobre misticismo hindu e começou a tomar ácido.

Em entrevista de 1972 à Melody Maker (via Ultimate Classic Rock), Hodgson falou sobre seu despertar lisérgico:

“O resultado de eu começar a viajar de ácido foi que tive minha mente aberta a todo tipo de coisa que ele não ligava. Isso criou uma barreira, porque não podíamos compartilhar a experiência.”

O que eles podiam compartilhar, contudo, era sucesso. O álbum seguinte do Supertramp, “Crisis? What Crisis?” (1975) continuou o êxito na Inglaterra e mostrou um caminho nos Estados Unidos. “Even in the Quietest Moments…” (1977), quinto disco de estúdio da banda, chegou ao Top 20 em ambos os países e o single “Give a Little Bit” emplacou também.

A esse ponto, o Supertramp havia acumulado alguns discos de ouro e um sucesso confortável. Eles decidiram estabelecer os EUA como território principal de suas operações, com todos os integrantes se mudando para Los Angeles.

Supertramp: músicas comerciais, clima pesado

Uma vez estabelecidos na Califórnia, Roger Hodgson se afastou ainda mais da banda. O guitarrista e vocalista encontrou nos Estados Unidos um ambiente mais acolhedor ao seu estilo de vida espiritual, especialmente em uma comunidade hippie no norte do estado.

À revista Prog, John Helliwell descreveu o grupo em questão:

“Era uma organização de pessoas focadas em espiritualidade comandada por esse cara chamado Swami Kriyananda, apesar do nome dele na verdade ser David Walters. Todo mundo lá puxava o saco dele. Era estranho. No fim das contas, Roger comprou uma casa próxima ao lugar, o Swami encontrou uma mulher pra ele e os dois se casaram.”

O Supertramp começou os trabalhos do sucessor de “Even in th Quietest Moments…” em abril de 1978, se reunindo num estúdio para determinar o repertório. Em entrevista ao livro “Tramp’s Footprints”, de Abel Fuentes (via El País), Rick Davies falou sobre o material:

“A gente decidiu gravar músicas que fossem simples e pudessem ter impacto comercial. O lado pop das coisas sempre foi parte do Supertramp, mas talvez fosse subestimado por causa das comparações feitas por especialistas entre nós e grupos como Genesis e Pink Floyd. Às vezes a gente brincava que se precisássemos ser mais comerciais, isso não seria difícil pra nós.”

Em contraste, Hodgson contou à Ram Magazine, em agosto de 1979, que a guinada pop também serviu para quebrar a imagem da banda.

“As canções nesse álbum foram escolhidas porque queríamos passar um clima de diversão e alegria. Acho que a gente sentia como se tivéssemos feito três discos bem sérios e já era hora de mostrarmos um lado mais leve de nós mesmos.”

Nada sinalizou mais esse propósito que a faixa-título de “Breakfast in America”. Composta oito anos antes por Hodgson, a canção tem um gancho tão forte a ponto de ter sido usado pelo conjunto de hip-hop Gym Class Heroes, em 2005, na música “Cupid’s Chokehold”.

Hodgson, porém, contou à Ram Magazine que nem todo mundo na banda gostava da composição.

“Se Rick tivesse o direito, ele não teria deixado entrar no disco. Ele nunca gostou da letra de ‘Breakfast’. É tão cafajeste: ‘Take a look at my girlfriend’. Ele gosta mais de construir uma canção. Ele teria ficado mais feliz se eu mudasse a letra para algo mais engraçado ou relevante. Eu tentei, mas não deu certo, então ficamos encalhados com o original.”

Entretanto, enquanto as melodias eram grudentas, as letras simbolizavam o afastamento cada vez maior da banda. Davies e Hodgson discordavam quanto à inclusão de músicas mais espirituais e acabavam trocando farpas por intermédio das letras.

Apesar de assinarem todas as faixas juntos, já fazia quase três álbuns desde que Davies e Hodgson compunham separados. O material trazido pelo tecladista para o novo disco lidava com as dificuldades de se comunicar com o companheiro, enquanto este tentar passar sua mensagem espiritual ao colega através de metáforas.

Como Hodgson contou a Abel Fuentes em “Tramp’s Footprints” sobre a canção “Child of Vision”:

“Eu escrevi aquela música como uma crítica ao estilo de vida materialista nos Estados Unidos, mas na realidade era direcionada ao Rick. Nós éramos completamente diferentes. Estava se tornando difícil trabalharmos juntos.”

Sucesso desenfreado com “Breakfast in America”

Nem toda música, claro, era sobre Rick Davies. O maior sucesso do álbum “Breakfast in America” veio a partir de uma composição na qual Roger Hodgson trabalhou exaustivamente durante seis meses antes de apresentar ao resto do Supertramp. Uma música que lidava com sua juventude em colégios internos e seus problemas relacionados ao sistema educacional britânico. Era “The Logical Song”.

À revista Prog, Hodgson escreveu sobre sua inspiração para a faixa:

“‘The Logical Song’ nasceu das minhas questões sobre o que realmente importa na vida. Minha infância inteira foi passada aprendendo todos esses jeitos de ser e raramente ouvíamos algo sobre nossos próprios seres. Somos ensinados a viver externamente, mas não guiados com relação a quem somos por dentro. Vamos da inocência e maravilhamento da infância para a confusão da adolescência, que acaba muitas vezes em cinismo e desilusão como adulto. Em ‘The Logical Song’, a questão principal que atingiu a ferida mais aberta é ‘please tell me who I am’ [‘por favor, me diga quem eu sou’], e isso é basicamente o cerne da canção. Acho que essa questão eterna continua a ressoar com pessoas do mundo todo, e por isso permanece tão significativa.”

A gravação do disco começou em maio de 1978 e durou até dezembro do mesmo ano. Bastante tempo, mesmo para a época.

O Supertramp era um grupo conhecido na indústria pelo esmero sonoro nos seus álbuns, que até hoje são usados por audiófilos para medir a qualidade de um formato ou sistema de som. Ainda assim, o processo desse trabalho foi quase o dobro de “Crime of the Century”.

Grande parte desses sete meses foram gastos com a kryptonita de uma gravação: overdubs. Em entrevista ao site Sound on Sound, o produtor Peter Henderson falou:

“Ninguém estava preparado para abrir mão de nada e apesar de eu lembrar dos empresários erguendo as sobrancelhas, acho que valeu a pena em termos dos resultados.”

Em outra conversa, desta vez com a Prog, Henderson lembrou de uma visita do chefão da A&M Records, Jerry Moss, ao estúdio:

“Jerry veio ao estúdio e disse algo sobre Peter Frampton – que também estava na A&M – e sobre a banda ser capaz de repetir o sucesso dele. Basicamente, ele disse: ‘eu acho que vocês serão os próximos’.”

Estima-se que Peter Frampton tenha vendido entre 11 e 16 milhões de cópias do seu álbum ao vivo Frampton Comes Alive! (1976) — oito milhões foram apenas nos Estados Unidos. O guitarrista se tornou um dos artistas mais populares do planeta.

A previsão de Moss estava quase certa.

“Breakfast in America” saiu no dia 29 de março de 1979 e atingiu o primeiro lugar nas paradas de dez países, incluindo os Estados Unidos. Os quatro singles lançados do álbum – “The Logical Song”, a faixa-título, “Goodbye Stranger” e “Take the Long Way Home” – foram hits em ambos os lados do Atlântico.

Em meio à explosão do punk, disco music e new wave, o grupo que ninguém prestava tanta atenção de repente estava em todo lugar. Mais de 20 milhões de cópias foram vendidas até hoje. Fica atrás apenas de The Dark Side of the Moon (1973), do Pink Floyd, como o álbum prog mais vendido da história. Entre as marcas expressivas, virou o quarto disco mais comercializado entre todos da França, com três milhões de unidades apenas por lá.

Infelizmente, o sucesso do álbum e da turnê de nada ajudou para resolver os problemas internos. O Supertramp demorou três anos para lançar o sucessor de “Breakfast in America”, “…Famous Last Words…” (1982), que não repetiu o êxito comercial e acabou marcando a saída de Hodgson em busca de uma carreira solo.

Eles tentaram continuar sob a batuta de Rick Davies, mas não tiveram o mesmo nível de sucesso. Hodgson solo também não chegou aos mesmos patamares. É complicado demais quando seu maior álbum é um dos lançamentos mais populares da história da música.

Supertramp — “Breakfast in America”

  • Lançado em 29 de março de 1979 pela A&M
  • Produzido por Peter Henderson e Supertramp

Faixas:

  1. Gone Hollywood
  2. The Logical Song
  3. Goodbye Stranger
  4. Breakfast in America
  5. Oh Darling
  6. Take the Long Way Home
  7. Lord Is It Mine
  8. Just Another Nervous Wreck
  9. Casual Conversations
  10. Child of Vision

Músicos:

  • Rick Davies (vocais, teclados, clavinete na faixa 2, gaita na faixa 6)
  • Roger Hodgson (vocais, teclados, guitarras, violão de 12 cordas na faixa 2, vibrafone na faixa 9)
  • John Helliwell (saxofone, vocais, instrumentos de sopro)
  • Bob Siebenberg, creditado como Bob C. Benberg (bateria)
  • Dougie Thomson (baixo)

Músicos adicionais:

  • Slyde Hyde (tuba e trombone)
  • Gary Mielke (programação de Oberheim)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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