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Os melhores discos de 2023 na opinião de Thiago Zuma

Lista do colaborador do site apresenta dez álbuns pesados e duas menções honrosas obrigatórias

Na abundância do mundo de stream, com acesso fácil a praticamente todos os discos lançados, ouve-se muito aquela ladainha de que “o ano teve muito disco bom!” Com tamanha oferta, o tempo dedicado a entender cada álbum fica menor. Assim, aqueles que causam gratificação instantânea, mas talvez apenas momentânea, tomam a frente enquanto algumas pérolas se perdem na confusão, pois só começam a fazer sentido depois de algum tempo, anos quem sabe.

Creio que 2023 vai ficar marcado no metal pela ótima safra de death metal. Eu poderia fazer fácil uma lista só com discos do estilo que curti muito e ficaram de fora do meu top 10, a começar por bandas clássicas, como Autopsy, Obituary, Incantation e Cannibal Corpse, colocando trabalhos ótimos no mercado. Tomb Mold e Outer Heaven se consolidaram na vanguarda do estilo, cuja porta de entrada está sendo arrombada pelo Frozen Soul e pelo Ulthar. Ainda teve o cavernoso Cruciamentum reaparecendo depois de uns dez anos, no finzinho de novembro com um trabalho ainda sob digestão. Sem contar o disco de estreia do Majesties, para fazer salivar o fã da linha mais melódica com saudades de quando o In Flames era bom mesmo (leia-se, até o “The Jester Race”).

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Para não falar das brasileiras da Crypta, que, com “Shades of Sorow”, conseguiu se posicionar entre os nome consagrados do death metal no mundo. No underground nacional, o Fossilization, de São Paulo, vem cavando seu espaço nos festivais gringos com seu aclamado primeiro LP cheio, “Leprous Daylight”, e espero ver o Orthostat, de Santa Catarina, caindo na estrada país afora para mostrar seu segundo disco, “The Heat Death”, do mesmo padrão com o se faz de melhor na linha mais técnica do estilo. 

Feita a ressalva do parágrafo inicial, a minha lista ficou com dez discos que estiveram entre os mais ouvidos do ano no universo do “metal sujo”, e já entraram ou estão na fila preferencial para fazer parte da cada vez mais seletiva coleção aqui de casa (vinil custa caro e ocupa espaço). Não sem antes duas menções honrosas obrigatórias, que não são exatamente discos, então deixei de fora da lista principal.

Menções honrosas

Menção honrosa 1: Bell Witch, “Future’s Shadow Part 1: The Clandestine Gate” (funeral doom)

O Bell Witch sempre foi de fazer músicas longas, mas parece que agora a banda é só isso mesmo: cada disco, uma música. Isso não é uma reclamação – os 45 minutos de “Mirror Reaper”, de 2017, formam uma das minhas músicas (ou single? ou disco?) favoritas de todos os tempos. A música (ou single? ou disco?) lançada esse ano, por sua vez, tem 1h23min15seg e é apenas(!) a primeira parte. Ok, dá pra dizer que a banda se vendeu e lançou no stream uma versão na íntegra e outra separada nos quatro movimentos (afinal, tem que espremer bastante pros spotify da vida soltarem centavinhos). Mas ficou mantida toda capacidade de criar atmosferas melancolicamente cativantes e majestosamente desgraçadas pela dupla americana, que não tem guitarrista. Daquelas experiências que recompensam o esforço de se desligar do mundo e fazer uma linda viagem lamacenta por uma hora e meia.

Menção honrosa 2: Dream Unending / Worm, “Starpath” (split EP, death / doom metal / progressivo, black / doom metal)

Não sei se podia colocar esse split no top 10, mas por via das dúvidas fica aqui como menção honrosa mesmo. Duas vertentes da seara pesada mais soturna, duas das bandas mais promissoras desse estilo desgracento, ambas formadas por duplas, num split em que as músicas se complementam: de um lado, duas faixas de mais de dez minutos mostrando a contraposição de partes morosamente agressivas ao prog etéreo do Dream Unending; do outro, três petardos de um blackened doom metal mais atmosférico e sujo do Worm, trocando passagens bucólicas por blastbeats desgracentos. Um pacote lindo de morrer, bem lentamente…

Os melhores discos de 2023 para Thiago Zuma

10) Tribunal – “The Weight of Remembrance” (gothic / doom metal)

Lá por janeiro, quando esse disco saiu e eu ouvi bastante naquele momento de poucos lançamentos relevantes, jamais imaginei que no final do ano eu ainda estaria curtindo tanto um álbum de gothic/doom metal. Mas, apesar do nome causar calafrios em quem é formado em direito – a balança na capa não ajuda muito -, eis que o disco de estreia dessa dupla canadense continuou me cativando. Muito disso vai pelo capacidade de conduzir de forma dinâmica os andamentos, bem como conseguir evitar cair no padrão batido de bela & fera nos contrapontos entre vocais. Com riffs que lembram tanto Mournful Congregation quanto Paradise Lost e refrãos fortes para alegrar até fã de Candlemass, “The Weight of Remembrance” conseguiu garantir esse lugarzinho aqui.

9) Demoniac – “Nube Negra” (black / thrash metal) 

Presença latino-americana nesse top 10, “Nube Negra” é o terceiro disco do quarteto chileno cujo som é um blackened thrash metal que prima pela completa insanidade. As músicas vão naquela levada agressiva, rápida e cativante típica do estilo quando bem feito – tente não berrar o título da faixa-título a cada parada do instrumental antes do refrão e falhe miseravelmente. Mas o diferencial, prendendo a atenção, é quando de repente surge do nada um acordeão, acompanhado ou não de sintetizadores, ou levadas acústicas, dando tons melancólicos melodiosos que servem como um refresco da pancadaria e mantêm o álbum sempre interessante.

8) Stoned Jesus – “Father Light” (stoner / doom metal)

Nunca duvidei da capacidade de escrever riffs de Igor Sydorenko, guitarrista e vocalista do power trio ucraniano. Mas as músicas do Stoned Jesus nunca me convenceram por completo, legais de acompanhar ao vivo, naquela viagem com distorção no talo estourando ouvidos. Talvez a situação do país de origem tenha aguçado a sensibilidade para finalmente o grupo compor canções à altura dos habituais riffs grandiosos. Ok, a banda alega que as composições estavam prontas ainda antes da pandemia, ainda mais da guerra, mas fato é que as letras parecem adequadas para o momento e as músicas acompanham com perfeição toda essa atmosfera desoladora.

7) Royal Thunder – “Rebuilding the Mountain” (hard rock / grunge)

Sendo fã do Royal Thunder desde seu início de carreira, a banda ter implodido após o agressivo disco “Wick”, lançado em 2017 era um desperdício. Mas a baixista e esplêndida vocalista Mlny Parsonz tinha chegado ao fundo do poço. Assim, o título do novo disco acaba sendo apropriado para uma reconstrução da sonoridade da banda, agora de novo um power trio. Mais direto que os antecessores, “Rebuilding the Mountain” talvez não tenha a versatilidade quase prog de “Crooked Doors” – meu disco favorito de 2015 -, mas o retorno a um hard setentista mais básico com pitadas de grunge entregue com tamanha intensidade deu resultados. Com a banda abrindo shows do Alice in Chains nos Estados Unidos e o disco em algumas listas importantes de melhores do ano, parece que finalmente o mundo descobriu o Royal Thunder. 

6) Baroness – “Stone” (sludge / progressivo)

Eis que o Baroness lançou finalmente o disco que eu vinha esperando desde “Yellow & Green” de 2012 – John Baizley precisava da purgação do acidente que quase vitimou a banda em “Purple” (2015) e experimentar com os novos músicos para achar um novo ponto de equilíbrio em “Gold & Grey” (2019). Primeiro álbum sem alusão a cores no título e repetindo a formação do antecessor, “Stone” escancara o entrosamento e consolida os duetos vocais e guitarristicos do chefão Baizley com Gina Gleason, resultando em composições tão seguras de si, diversas e complementares que fazem seus 46 minutos de duração formarem uma jornada completa como um filme dos bons.

5) Spirit Adrift – “Ghost at the Gallows” (heavy metal tradicional)

Tem sido divertido acompanhar a busca de Nate Garrett pela composição do disco perfeito de metal clássico. Desde que o guitarrista, vocalista e compositor único do Spirit Adrift resolveu acelerar o doom metal de seu primeiro disco a partir de “Curse of Conception” (2017), sempre fugiu da sonoridade retrô ao incorporar elementos mais extremos nos timbres e abordagem dos riffs e solos. Prolífico, “Ghost at the Gallows” é o quinto trabalho desde então (considerando 2 EPs), mas diminui um pouco a velocidade que vinha aumentando até beirar o power metal em “Enlightened in Eternity” (2020). Repleto de composições mais introspectivas e tensas, o álbum é o mais bem acabado da carreira do grupo, sem perder nada dos riffs cativantes, solos melodiosos – agora ajudado por Tom Draper, que chegou a tocar ao vivo com o Carcass – e refrãos memoráveis.

4) Horrendous – “Ontological Mysterium” (death metal / progressivo)

Meu parágrafo de introdução mostrou como 2023 foi um ano bom para o death metal. Mas meu disco favorito do estilo no ano quase nem dele é. Porque, além de estar ali beirando bastante o metal tradicional da velha guarda com alguns riffs e solos bem melodiosos, muitas vezes o quarteto americano viaja tanto nas músicas e acaba ficando mais perto do prog. Crítica que discos seminais como “Human”, “Focus” e “Unquestionable Presence” também receberam, então o Horrendous está bem acompanhado. Abrindo mão de estruturas musicais convencionais como sempre, a banda voltou a ter composições mais coesas em “Ontological Mysterium”. Ao parar de sofrer do mal de não saber a hora de parar de enfiar riffs nas músicas, como nos dois discos anteriores, o Horrendous conseguiu soar mais deliciosamente bangeável (isso é palavra?).

3) Malokarpatan – “Vertumnus Caesar” (heavy metal)

Quando Fenriz, do Darkthrone, sugere alguma banda, é quase uma obrigação a qualquer fã de metal dar uma checada. E faz tempo que ele vem dizendo “ouçam Malokarpatan”. Para mim, porém, os discos desses eslovacos sempre soaram mais como “uma ideia legal” do que tinha prazer em ouvi-los. Isso mudou com “Vertumnus Caesar”, seu trabalho mais bem acabado em termos de produção, com sujeira e peso equilibrados em composições mais curtas, mas não por isso menos labirínticas do que no passado. Riffs para orgulhar Hank Shermann e Michael Denner, cavalgadas cativantes de fazer Steve Harris parecer manco, vocais excêntricos autoritários e impenetráveis numa língua incompreensível e, vez ou outra, uns synths trevosos se sobrepondo a uma bateria frenética que varia do tribal ao blastbeat. Tudo isso de forma orgânica em músicas de 5 ou 6 minutos. Um feito.

2) Godthrymm – “Distortions” (doom metal)

Não sei se dá pra chamar o Godthrymm de superbanda do doom, apesar de o guitarrista e vocalista Hamish Glencross ter tocado no My Dying Bride por mais de uma década, e o baterista Shaun Taylor-Steels ter passado pelo mesmo grupo e também pelo lendário Solstice. Certamente dá pra chamar “Distortions” de um super disco de doom metal da linha mais clássica. Como se o quarteto britânico trouxesse à década atual o som tradicional dos americanos do Solitude Aeturnus – os vocais de Hamish me lembram muito os de Robert Lowe. A adição do vocal feminino da esposa do guitarrista, Catherine Glencross, também tecladista, dá um tom único às composições longas, de refrãos marcantes. Tudo numa fluência deliciosa, com riffs épicos em andamentos que às vezes se aproximam do glacial, mas seguem naquele tempo delicioso ensinado pelo Black Sabbath, sob melodias morosas de quem enxerga o abismo inevitável logo à frente.

1) The Keening, “Little Bird” (folk / doom metal)

Primeiro disco solo de Rebecca Vernon, vocalista e guitarrista do finado SubRosa, uma das minhas bandas favoritas da década passada – “More Constant than the Gods”(2013) e “For this We Fought the Battle of Angels” (2016) ainda rodam em casa com boa frequência. Se em 2022, The Otolith lançou seu disco de estreia com três ex-integrantes e soou como uma ótima continuação do trabalho da antiga banda, com o The Keening, Vernon mostrou porque precisava de novos ares para se expressar. Sem abandonar completamente o bonito doom pinçado pelo uso de violinos típico de seu grupo anterior, “Little Bird” aposta mais forte nas sutilezas, que dão um tom meio folk às músicas. A produção do renomado e versátil Billy Anderson adiciona peso na medida certa para não se sobressair às melodias minimalistas e os vocais delicados das intrincadas composições. Um daqueles felizes casos que, do fim de uma banda, surgem duas para se apreciar.

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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