Ao final dos anos 1970, quando nasceu o The Police, o cenário pop no Reino Unido estava passando por uma mudança sísmica. O surgimento do movimento punk marcou um retorno às raízes do rock após uma década marcada pelos excessos do rock clássico e progressivo.
Muitos artistas se viram transformados em dinossauros da noite para o dia, relegados ao passado por uma juventude implacável. Entretanto, houve aqueles que souberam usar esse novo paradigma para se repaginar, construir para si uma nova imagem e se tornar uma das maiores bandas da história.
Esse é o conto de como um ex-baterista de rock progressivo, um baixista de jazz e um guitarrista de 36 anos entraram de penetra no punk – e basicamente inventaram o new wave inglês.
As curiosas origens do The Police
Stewart Copeland cresceu conhecendo o melhor de todas as culturas fora dos Estados Unidos porque sua família era um instrumento de política externa. Seu pai, Miles Jr, foi um dos fundadores da CIA, a Agência Central de Inteligência americana, e arquiteto de golpes militares na Síria em 1949 e no Irã em 1953.
Por causa dessa agenda imperialista, Stewart cresceu fora dos EUA, principalmente no Egito e no Líbano. Foi nesses países que o músico presenciou ritmos alternativos ao rock e música ocidental em geral. Ele começou a tocar bateria aos 12 anos de idade. Um ano depois, já se apresentava em bailes.
Após cursar a Universidade da Califórnia em Berkeley – conhecida por seu viés progressista oposto à ideologia do pai –, Copeland foi morar no Reino Unido. Acabou se tornando o baterista da banda de rock progressivo Curved Air durante uma turnê de reunião em 1974.
Stewart fez parte do Curved Air por dois anos, mas à medida que a banda implodia em sua volta, ele estava interessado em outras coisas. O surgimento do movimento punk fez toda e qualquer banda na cena parecer ultrapassada aos seus olhos. Além disso, a popularização do reggae e música jamaicana lhe trouxe lembranças dos ritmos de sua juventude.
Num artigo escrito pelo baterista e publicado no The Guardian, ele escreveu sobre o punk:
“Pra mim, era em parte a escala DIY (do it yourself / faça você mesmo) que me atraiu. Bandas das antigas como o Curved Air viviam em torres, removidas das alavancas controlando nosso destino. Éramos mini poços de petróleo para gravadoras explorarem, os clientes finais sendo rádio top 40. Nós éramos o produto, empacotados como itens de luxo. Mas agora haviam novas casas de show abrindo e eventos acontecendo, com fontes de informação alternativas e novas rotas para notoriedade. Rebelião aberta contra a velha ordem! Eu queria uma banda do it yourself.”
Diante disso, Stewart Copeland recrutou um jovem guitarrista da Córsega chamado Henry Padovani. Contudo, ainda precisava de um baixista para finalizar sua visão de um power trio.
Felizmente, durante uma das paradas finais do Curved Air em Newcastle, o baterista conheceu o jovem batizado Gordon Sumner, que tocava com uma banda de jazz fusion chamada Last Exit e era chamado por todos de Sting.
Após caçar seu número de telefone, Stewart convenceu o baixista a vir para Londres. Lá, ambos montaram uma banda e começaram a traçar um caminho alternativo ao estrelato, sem depender das estruturas tradicionais.
Numa entrevista ao The Guardian em 2007, Sting falou sobre a primeira jam entre ele, Copeland e Padovani, no apartamento do baterista em Londres:
“Stewart queria formar um grupo de new wave, mas eu tinha vindo de tocar com um conjunto de jazz e não estava tanto afim, mas fui inspirado pela energia incrível do movimento, então pensei: ‘bem, sou novo em Londres e completamente desconhecido, então vou dar uma chance’.”
O grupo foi batizado The Police por Copeland, e lançou seu primeiro single, “Fall Out”, em maio de 1977. Tirando uma resenha feita por Mick Jagger como crítico convidado da revista Sounds, o compacto passou completamente batido pela imprensa e público britânico.
Precisando de dinheiro, Sting e Copeland aceitaram participar de um projeto musical idealizado pelo baixista do Gong, Mike Howlett, chamado Strontium 90. A formação seria os três já citados e um veterano da cena rock dos anos 1960 na guitarra: Andy Summers, figura notória em Londres.
Veterano do lendário grupo de R&B Zoot Money’s Big Roll Band, o músico ainda foi integrante do The Animals por um breve período em 1968. Também pertenceu a uma versão do Soft Machine antes de ir fazer faculdade de música nos Estados Unidos.
Em 1977, ele tinha 35 anos e era essencialmente um músico cuja chance de estrelato parecia ter ido embora. Aí ele viu Sting e Stewart Copeland tocando. A porta da fama havia se fechado, mas uma janela estava aberta.
O que antes era um trio passou a ser um quarteto, mas os dias de Henry Padovani no Police estavam contados. Após uma sessão de gravação abortada dia 10 de agosto de 1977 com John Cale na produção, o guitarrista foi demitido e a banda assumiu sua forma final: Sting no baixo e vocais, Andy Summers na guitarra e Stewart Copeland na bateria.
Reputação zero e “Outlandos D’Amour”
Dizer que o The Police existia entre a cruz e a espada seria subestimar a tensão na indústria musical dos anos 1970 no Reino Unido. Os punks não levavam o trio à sério por enxergarem eles como músicos de carreira, aquilo chamado hoje de “industry plant”. Enquanto isso, seus colegas de progressivo enxergavam o movimento jovem como uma atrocidade musical; moleques brincando enquanto eles, sim, eram instrumentistas sérios.
Ou seja: Sting, Stewart Copeland e Andy Summers tinham que se virar fazendo bicos para não morrer de fome. Nos primeiros sete meses dessa formação, eles só conseguiram marcar 10 shows. O disco de estreia, feito sem gravadora, tinha um orçamento de 1,5 mil libras, e foi gravado ao longo dos seis primeiros meses de 1978 no estúdio Surrey Sound, no esquema de poderem usar horários livres do lugar.
Entretanto, algo produtivo estava acontecendo nos bastidores, como o baterista contou ao The Guardian:
“Uma a uma, as canções do Sting começaram a aparecer e quando Andy entrou, a quantidade dessas que dava pra fazer aumentou, então o material começou a ficar bem mais interessante e Sting começou a ficar mais interessado no grupo.”
O trio adquiriu seu look característico de cabelos platinados quando serviram de modelos para uma campanha publicitária de chiclete. Ironicamente, o que era para ser algo feito para pagar as contas se tornou um chamariz ao vivo. Outro bico deles, servindo de banda para o compositor experimental alemão Eberhard Schroeder, apresentou Sting e sua voz ao público fora do Reino Unido.
O primeiro sinal de que o The Police estava no caminho certo ocorreu quando Miles Copeland III, irmão mais velho de Stewart e empresário da banda, apareceu numa sessão de estúdio deles. Ele ainda era desconfiado da inclusão de Summers devido à sua idade, mas quando o trio começou a tocar uma canção composta por Sting, uma faísca surgiu.
Isso foi suficiente para ele ir até a A&M Records e conseguir um contrato de gravação e distribuição apenas na força dessa canção, chamada “Roxanne”. Lançado em abril de 1978, o single não só ficou de fora das paradas, como também da programação da BBC.
A banda atribuiu essa omissão ao fato da letra falar de prostituição. A gravadora ficou feliz de promover o compacto como se tivesse sido banido pela BBC, mesmo que não fosse verdade. Isso compraria a eles um pouco de publicidade enquanto gravavam sua estreia.
Mais divulgação veio quando um single chamado “Don’t Care” chegou ao número 48 das paradas britânicas em agosto de 1978. O artista responsável pela faixa, Klark Kent, mantinha sua identidade em segredo, mas todo mundo na imprensa deduziu se tratar de Copeland operando sob um pseudônimo.
Sucesso aos poucos e então de repente
O segundo single do The Police, “Can’t Stand Losing You”, ironicamente foi banido pela BBC devido à sua capa que retrata uma tentativa de suicídio. A A&M tentou convencer o grupo a remixar a canção após o fracasso de “Roxanne”, mas após cinco versões descartadas, resolveram lançar a original, que se tornou o primeiro hit da banda ao atingir o número 42 da parada em outubro de 1978.
Esse sucesso foi o que a gravadora precisava para autorizar o lançamento de “Outlandos D’Amour” no dia 2 de novembro de 1978. O nome, nada convencional para algo punk, veio de Miles Copeland III após ouvir “Roxanne” e imaginar uma imagem romântica para o grupo. Trata-se de “Bandidos do Amor” em francês.
O disco não chegou às paradas britânicas. O terceiro single “So Lonely” teve o mesmo destino.
Anos depois a canção seria regravada em português pelo cantor Léo Jaime como uma canção de ódio a uma censuradora chamada “Solange”, com direito aos Paralamas do Sucesso servindo de apoio.
Entretanto, aos poucos os ventos estavam mudando em favor ao The Police. Uma turnê pela América do Norte que fez a ponte entre o final de 1978 e o começo de 1979 foi bem recebida a ponto da A&M decidir lançar “Roxanne” como o single nos EUA e Canadá em fevereiro. A canção chegou à 32a e 31a posição, respectivamente.
O êxito motivou a gravadora a relançar o compacto no Reino Unido em abril. E aí foi quando a banda estourou, chegando à 12ª posição. “Can’t Stand Losing You” recebeu o mesmo tratamento em junho de 1979, e teve mais sucesso ainda, chegando ao segundo lugar.
Foi apenas o começo para The Police. Num espaço de cinco anos, eles se tornaram uma das maiores bandas do planeta. Tornaram-se responsáveis por adicionar elementos de reggae, jazz e world music ao rock e a moldar a música na década de 80.
Quando anunciaram seu fim, em 1986, cada integrante estava com seu legado seguro na história do rock. Algo impensável 10 anos antes, quando estavam olhando de fora para dentro.
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