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“Born Again” e a história da era Ian Gillan no Black Sabbath

Período apelidado pela imprensa como “Deep Sabbath” durou pouco, mas rendeu ótimas histórias e músicas

Não se pode negar que a carreira do Black Sabbath nos anos 1980 parece algo saído de uma novela. Após desfrutar de um renascimento com o vocalista Ronnie James Dio no início da década, a banda passou por uma enorme sucessão de vocalistas.

O primeiro deles foi Ian Gillan, do Deep Purple, que assumiu o microfone para o álbum “Born Again”, de 1983, levando o grupo a ser apelidado pela imprensa como “Deep Sabbath”.

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Mas embora a “era Gillan” tenha durado apenas um disco e uma turnê, não significa que não foram feitas ótimas músicas nem que tenham sido originadas ótimas histórias.

Sai Ronnie James Dio…

O ano de 1983 começou com o Black Sabbath mais uma vez sem vocalista ou baterista.

A relação entre Ronnie James Dio e o guitarrista Tony Iommi e o baixista Geezer Butler azedou durante a mixagem do ao vivo “Live Evil” (1982), quando, reza a lenda, Dio entrava sorrateiramente no estúdio para mixar sua voz em volume mais alto que os demais instrumentos. “Nada disso é verdade”, escreve o vocalista na autobiografia “Rainbow in the Dark” (Estética Torta, 2021):

“A verdade é que Tony e Geezer se tornaram animais notívagos. Estávamos agendados, todos os dias, para começar a trabalhar às 14h no estúdio, mas eles apareciam somente à noite. Não gosto de perder tempo, então começava a trabalhar. Se houve quaisquer interferências, aconteciam após eu deixar o estúdio. Tony e Geezer ficavam lá sozinhos a noite toda.”

Ronnie fez sua última apresentação com a banda em 30 de agosto de 1982 e saiu para formar seu próprio grupo, Dio, levando junto o baterista Vinny Appice. Os dois voltariam ao Sabbath dez anos depois para o álbum “Dehumanizer” e a subsequente turnê.

…entra Ian Gillan

Com a perda de seu vocalista e baterista, Tony Iommi e Geezer Butler tiveram que decidir o que fazer em seguida. Os dois primeiro abordaram seu velho amigo e cofundador, Bill Ward, que tinha saído em 1980, para ver se ele toparia voltar após quase três anos longe dos excessos do rock ‘n’ roll, incluindo o álcool e as drogas. Sóbrio, Ward concordou em retornar e, pouco depois, Ian Gillan aceitou ser o vocalista da banda.

Foi o empresário Don Arden quem teve a ideia de reunir Tony e Geezer com Ian. Inicialmente, ele tinha em mente a criação de um supergrupo. Sua primeira providência foi reunir os três; encontro que Iommi descreve na autobiografia “Iron Man: Minha Jornada com o Black Sabbath” (Planeta, 2013):

“Não sei exatamente como aconteceu, mas nos encontramos num pub, nos sentamos e conversamos sobre como nos sentíamos em relação à banda e a nós mesmos; foi bem empolgante.”

O guitarrista conta que algumas cervejas depois e por várias razões, a ideia de um supergrupo foi deixada de lado.

“A gente não ia chamar a banda de Black Sabbath. A ideia era ter um supergrupo de nomes diferentes em uma banda e chamá-la de outra coisa. No entanto, Don achou que deveríamos continuar com o nome Black Sabbath, e, portanto, acabamos dizendo: ‘Está bem, então’.”

Gillan entrou para o Sabbath no final de fevereiro. No entanto, o anúncio oficial só foi feito em uma coletiva de imprensa no Le Beat Route Club, no bairro de Soho, em Londres, em 6 de abril de 1983, após a qual a banda entrou em estúdio com o produtor Robin Black e Geoff Nicholls ajudando nos teclados para gravar o álbum “Born Again”.

“Zero the Hero” e… “Paradise City”?

Assim que a nova aliança foi formada, o “Deep Sabbath” foi para o Manor Studio, em Shipton-on-Cherwell, em Oxfordshire, de propriedade de Richard Branson.

A primeira diferença sentida foi em relação às letras, conforme escreve Tony Iommi:

“As de Ian falavam de lances sexuais ou fatos verdadeiros, até mesmo sobre as coisas que aconteceram no the Manor naquela época. Eram boas, mas existia uma grande diferença em relação às de Geezer e de Ronnie.”

O guitarrista exemplifica:

“Havia um prédio de tijolos na parte de trás da mansão, que ficava perto de uma igreja. Montei um equipamento lá, porque queria tentar tirar outro som de guitarra. O barulho era ensurdecedor e todos os moradores reclamaram. Redigiram um abaixo-assinado contra nós, que nos foi trazido pelo padre. E é por isso que uma das faixas do álbum se chama ‘Disturbing the Priest’ [‘Perturbando o Padre’]. É um bom exemplo de como o Ian escrevia sobre eventos reais.”

Do ponto de vista musical, entretanto, a maestria de Iommi na criação de riffs memoráveis manteve-se inabalável; tanto que dois deles teriam sido “roubados” por grupos posteriores ao Sabbath”

“Quando ouvi ‘Paradise City’, do Guns N’ Roses, pensei: ‘Caramba, parece “Zero the Hero”!’. Alguém também sugeriu que os Beastie Boys tiraram o riff de ‘(You Gotta) Fight for Your Right (To Party!)’ da nossa música ‘Hot Line’.”

Mas, no fim das contas, ele encara com leveza a situação:

“Se for verdade, vamos processá-los. Não vamos mais tocar: vamos ganhar dinheiro com ações judiciais! No entanto, é óbvio que não os processamos!”

A razão do som ruim

Ian Gillan nunca escondeu sua insatisfação tanto com a capa do álbum quanto com a sua mixagem. Na autobiografia “Ian Gillan: The Autobiography of Deep Purple’s Singer”, ele é sucinto:

“Eu vi a capa e vomitei, depois ouvi o disco e vomitei de novo.”

Mas por quê “Born Again” soa tão mal? Tony Iommi explica em “Iron Man”:

“Quando chegou a hora de fazer a mixagem, Ian reproduziu o material alto demais. Supostamente, ele estourou assim alguns tweeters dos alto-falantes do estúdio. Fizemos a mixagem sem saber que haviam estourado e ninguém percebeu. Simplesmente achamos que o som estava meio esquisito, mas algo saiu muito errado em alguma fase entre a mixagem, a masterização e a prensagem do álbum. Não acompanhamos tudo e, aparentemente, quando testaram os discos, o som estava abafado demais.”

O guitarrista ainda conta que quando finalmente pôde ouvir o álbum, ele já tinha sido lançado e entrado nas paradas.

“Não fiquei sabendo de nada, porque já estávamos em turnê na Europa […] Vendeu muito bem, mas ficamos muito decepcionados por não ter saído como a gente queria. As fitas originais soavam bem melhor.”

Tão grande quanto o Stonehenge real

“Born Again” alcançou um respeitável número 4 nas paradas britânicas; a mais alta do Black Sabbath desde que “Sabbath Bloody Sabbath” atingiu a mesma posição dez anos antes, em dezembro de 1973.

Foram feitos planos para uma turnê de divulgação e a banda subiu ao palco como atração principal do Reading Festival em agosto, antes de ir para os Estados Unidos. No entanto, a fim de evitar se expor às antigas tentações, Bill Ward decidiu não participar da turnê, e Bev Bevan, do Electric Light Orchestra (ELO), entrou em seu lugar para os compromissos ao vivo.

Além do Sabbath, o Reading Festival de 1983 contou com bandas como Big Country, Marillion, The Stranglers e a última apresentação ao vivo do Thin Lizzy, entre muitas outras. O show entrou para a história ao mostrar a banda tentando se apresentar em torno de um cenário baseado no Stonehenge que ocupava a maior parte do palco. Tony Iommi conta que…

“Enquanto a gente pensava no cenário para o palco da nossa turnê, Geezer sugeriu: ‘Por que não colocamos algo parecido com o Stonehenge [a saber, título de uma das faixas do álbum], sabe, com pedras e todas aquelas coisas?’ Pareceu ser uma boa ideia. Geezer fez anotações que descreviam como o negócio deveria ser e repassou aos designers. Dois ou três meses depois, quando o cenário chegou, a gente não conseguia acreditar. Era tão grande quanto o Stonehenge de verdade.”

Os designers interpretaram errado as medidas de Geezer. O baixista escreveu a altura em centímetros, e eles acharam que era em polegadas.

“Estávamos em estado de choque. O material não parava de chegar. Havia enormes colunas na parte de trás, que tinham a largura de um quarto comum, as colunas da frente tinham aproximadamente quatro metros de altura, fora todos os monitores e side fills que havia no palco. Eram feitas de fibra de vidro e madeira, e eram pesadas para caramba.”

O episódio não apenas não passou despercebido como inspirou uma das cenas mais icônicas e engraçadas do mockumentary — ou seja, um falso documentário — “Isto É Spinal Tap” (1984).

A cena envolvendo o Stonehenge ocorre quando a banda fictícia Spinal Tap decide fazer uma apresentação grandiosa com um cenário elaborado. Eles planejam incluir uma réplica gigante do Stonehenge. No entanto, um erro de comunicação durante o processo de produção do cenário resulta em um equívoco hilário e em uma representação muito menor do que o esperado.

Quando chega a hora da apresentação ao vivo, o cenário do Stonehenge é revelado no palco, e, para surpresa da banda e do público, é extremamente pequeno em comparação com o que deveria ser. A peça diminuta parece quase patética no palco gigantesco, e os membros da banda têm dificuldade em se apresentar em meio a essa representação desproporcional. Veja:

“O lance dele era o Purple”

“Born Again” acabaria sendo o único lançamento do Black Sabbath com Ian Gillan, pois, em 1984, o vocalista anunciou sua saída para se juntar à recém-reunida formação Mk 2 do Deep Purple e gravar o estrondoso “Perfect Strangers”.

Em “Iron Man”, Tony Iommi reflete com maturidade acerca do período:

“Ao olhar para trás agora, não me parece que Ian estava tão comprometido assim. Acho que ele se divertiu e fez o melhor que podia, mas sabia o tempo todo que ia sair. E nunca pensamos que ele fosse ficar com a gente dez anos. Simplesmente seguimos em frente para ver onde essa formação daria. Fizemos um álbum, viajamos em turnê por um ano e foi isso. Só no fim da turnê é que vimos que Ian ia voltar para o Deep Purple, mas essa história já tinha seguido seu curso natural. O lance dele era o Purple. Nunca mais pensamos em fazer outro álbum juntos, nunca brigamos, nos dávamos bem e ainda nos damos. Tivemos momentos fantásticos e ri mais do que nunca. Simplesmente vivíamos um dia de cada vez. E o último dia veio em [4 de] março de 1984, quando fizemos nosso último show juntos, em Massachusetts.”

A formação original do Black Sabbath, com Ozzy Osbourne e Bill Ward, se reuniu para tocar no Live Aid em 1985, mas Ozzy não teria porque abrir mão de uma bem-sucedida carreira solo naquele momento e o encontro durou somente uma noite.

A instabilidade logo custou a Iommi seu braço direito, Geezer Butler, que saiu para, entre outras coisas, colaborar com Ozzy.

O que se seguiu foi uma dança das cadeiras enquanto o guitarrista procurava um vocalista adequado — primeiro Ron Keel e depois David Donato, que ficou tempo suficiente para uma sessão de fotos — antes de fechar com um segundo egresso do Deep Purple, Glenn Hughes, para o álbum seguinte, “Seventh Star” (1986).

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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Período apelidado pela imprensa como “Deep Sabbath” durou pouco, mas rendeu ótimas histórias e músicas

Não se pode negar que a carreira do Black Sabbath nos anos 1980 parece algo saído de uma novela. Após desfrutar de um renascimento com o vocalista Ronnie James Dio no início da década, a banda passou por uma enorme sucessão de vocalistas.

O primeiro deles foi Ian Gillan, do Deep Purple, que assumiu o microfone para o álbum “Born Again”, de 1983, levando o grupo a ser apelidado pela imprensa como “Deep Sabbath”.

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Mas embora a “era Gillan” tenha durado apenas um disco e uma turnê, não significa que não foram feitas ótimas músicas nem que tenham sido originadas ótimas histórias.

Sai Ronnie James Dio…

O ano de 1983 começou com o Black Sabbath mais uma vez sem vocalista ou baterista.

A relação entre Ronnie James Dio e o guitarrista Tony Iommi e o baixista Geezer Butler azedou durante a mixagem do ao vivo “Live Evil” (1982), quando, reza a lenda, Dio entrava sorrateiramente no estúdio para mixar sua voz em volume mais alto que os demais instrumentos. “Nada disso é verdade”, escreve o vocalista na autobiografia “Rainbow in the Dark” (Estética Torta, 2021):

“A verdade é que Tony e Geezer se tornaram animais notívagos. Estávamos agendados, todos os dias, para começar a trabalhar às 14h no estúdio, mas eles apareciam somente à noite. Não gosto de perder tempo, então começava a trabalhar. Se houve quaisquer interferências, aconteciam após eu deixar o estúdio. Tony e Geezer ficavam lá sozinhos a noite toda.”

Ronnie fez sua última apresentação com a banda em 30 de agosto de 1982 e saiu para formar seu próprio grupo, Dio, levando junto o baterista Vinny Appice. Os dois voltariam ao Sabbath dez anos depois para o álbum “Dehumanizer” e a subsequente turnê.

…entra Ian Gillan

Com a perda de seu vocalista e baterista, Tony Iommi e Geezer Butler tiveram que decidir o que fazer em seguida. Os dois primeiro abordaram seu velho amigo e cofundador, Bill Ward, que tinha saído em 1980, para ver se ele toparia voltar após quase três anos longe dos excessos do rock ‘n’ roll, incluindo o álcool e as drogas. Sóbrio, Ward concordou em retornar e, pouco depois, Ian Gillan aceitou ser o vocalista da banda.

Foi o empresário Don Arden quem teve a ideia de reunir Tony e Geezer com Ian. Inicialmente, ele tinha em mente a criação de um supergrupo. Sua primeira providência foi reunir os três; encontro que Iommi descreve na autobiografia “Iron Man: Minha Jornada com o Black Sabbath” (Planeta, 2013):

“Não sei exatamente como aconteceu, mas nos encontramos num pub, nos sentamos e conversamos sobre como nos sentíamos em relação à banda e a nós mesmos; foi bem empolgante.”

O guitarrista conta que algumas cervejas depois e por várias razões, a ideia de um supergrupo foi deixada de lado.

“A gente não ia chamar a banda de Black Sabbath. A ideia era ter um supergrupo de nomes diferentes em uma banda e chamá-la de outra coisa. No entanto, Don achou que deveríamos continuar com o nome Black Sabbath, e, portanto, acabamos dizendo: ‘Está bem, então’.”

Gillan entrou para o Sabbath no final de fevereiro. No entanto, o anúncio oficial só foi feito em uma coletiva de imprensa no Le Beat Route Club, no bairro de Soho, em Londres, em 6 de abril de 1983, após a qual a banda entrou em estúdio com o produtor Robin Black e Geoff Nicholls ajudando nos teclados para gravar o álbum “Born Again”.

“Zero the Hero” e… “Paradise City”?

Assim que a nova aliança foi formada, o “Deep Sabbath” foi para o Manor Studio, em Shipton-on-Cherwell, em Oxfordshire, de propriedade de Richard Branson.

A primeira diferença sentida foi em relação às letras, conforme escreve Tony Iommi:

“As de Ian falavam de lances sexuais ou fatos verdadeiros, até mesmo sobre as coisas que aconteceram no the Manor naquela época. Eram boas, mas existia uma grande diferença em relação às de Geezer e de Ronnie.”

O guitarrista exemplifica:

“Havia um prédio de tijolos na parte de trás da mansão, que ficava perto de uma igreja. Montei um equipamento lá, porque queria tentar tirar outro som de guitarra. O barulho era ensurdecedor e todos os moradores reclamaram. Redigiram um abaixo-assinado contra nós, que nos foi trazido pelo padre. E é por isso que uma das faixas do álbum se chama ‘Disturbing the Priest’ [‘Perturbando o Padre’]. É um bom exemplo de como o Ian escrevia sobre eventos reais.”

Do ponto de vista musical, entretanto, a maestria de Iommi na criação de riffs memoráveis manteve-se inabalável; tanto que dois deles teriam sido “roubados” por grupos posteriores ao Sabbath”

“Quando ouvi ‘Paradise City’, do Guns N’ Roses, pensei: ‘Caramba, parece “Zero the Hero”!’. Alguém também sugeriu que os Beastie Boys tiraram o riff de ‘(You Gotta) Fight for Your Right (To Party!)’ da nossa música ‘Hot Line’.”

Mas, no fim das contas, ele encara com leveza a situação:

“Se for verdade, vamos processá-los. Não vamos mais tocar: vamos ganhar dinheiro com ações judiciais! No entanto, é óbvio que não os processamos!”

A razão do som ruim

Ian Gillan nunca escondeu sua insatisfação tanto com a capa do álbum quanto com a sua mixagem. Na autobiografia “Ian Gillan: The Autobiography of Deep Purple’s Singer”, ele é sucinto:

“Eu vi a capa e vomitei, depois ouvi o disco e vomitei de novo.”

Mas por quê “Born Again” soa tão mal? Tony Iommi explica em “Iron Man”:

“Quando chegou a hora de fazer a mixagem, Ian reproduziu o material alto demais. Supostamente, ele estourou assim alguns tweeters dos alto-falantes do estúdio. Fizemos a mixagem sem saber que haviam estourado e ninguém percebeu. Simplesmente achamos que o som estava meio esquisito, mas algo saiu muito errado em alguma fase entre a mixagem, a masterização e a prensagem do álbum. Não acompanhamos tudo e, aparentemente, quando testaram os discos, o som estava abafado demais.”

O guitarrista ainda conta que quando finalmente pôde ouvir o álbum, ele já tinha sido lançado e entrado nas paradas.

“Não fiquei sabendo de nada, porque já estávamos em turnê na Europa […] Vendeu muito bem, mas ficamos muito decepcionados por não ter saído como a gente queria. As fitas originais soavam bem melhor.”

Tão grande quanto o Stonehenge real

“Born Again” alcançou um respeitável número 4 nas paradas britânicas; a mais alta do Black Sabbath desde que “Sabbath Bloody Sabbath” atingiu a mesma posição dez anos antes, em dezembro de 1973.

Foram feitos planos para uma turnê de divulgação e a banda subiu ao palco como atração principal do Reading Festival em agosto, antes de ir para os Estados Unidos. No entanto, a fim de evitar se expor às antigas tentações, Bill Ward decidiu não participar da turnê, e Bev Bevan, do Electric Light Orchestra (ELO), entrou em seu lugar para os compromissos ao vivo.

Além do Sabbath, o Reading Festival de 1983 contou com bandas como Big Country, Marillion, The Stranglers e a última apresentação ao vivo do Thin Lizzy, entre muitas outras. O show entrou para a história ao mostrar a banda tentando se apresentar em torno de um cenário baseado no Stonehenge que ocupava a maior parte do palco. Tony Iommi conta que…

“Enquanto a gente pensava no cenário para o palco da nossa turnê, Geezer sugeriu: ‘Por que não colocamos algo parecido com o Stonehenge [a saber, título de uma das faixas do álbum], sabe, com pedras e todas aquelas coisas?’ Pareceu ser uma boa ideia. Geezer fez anotações que descreviam como o negócio deveria ser e repassou aos designers. Dois ou três meses depois, quando o cenário chegou, a gente não conseguia acreditar. Era tão grande quanto o Stonehenge de verdade.”

Os designers interpretaram errado as medidas de Geezer. O baixista escreveu a altura em centímetros, e eles acharam que era em polegadas.

“Estávamos em estado de choque. O material não parava de chegar. Havia enormes colunas na parte de trás, que tinham a largura de um quarto comum, as colunas da frente tinham aproximadamente quatro metros de altura, fora todos os monitores e side fills que havia no palco. Eram feitas de fibra de vidro e madeira, e eram pesadas para caramba.”

O episódio não apenas não passou despercebido como inspirou uma das cenas mais icônicas e engraçadas do mockumentary — ou seja, um falso documentário — “Isto É Spinal Tap” (1984).

A cena envolvendo o Stonehenge ocorre quando a banda fictícia Spinal Tap decide fazer uma apresentação grandiosa com um cenário elaborado. Eles planejam incluir uma réplica gigante do Stonehenge. No entanto, um erro de comunicação durante o processo de produção do cenário resulta em um equívoco hilário e em uma representação muito menor do que o esperado.

Quando chega a hora da apresentação ao vivo, o cenário do Stonehenge é revelado no palco, e, para surpresa da banda e do público, é extremamente pequeno em comparação com o que deveria ser. A peça diminuta parece quase patética no palco gigantesco, e os membros da banda têm dificuldade em se apresentar em meio a essa representação desproporcional. Veja:

“O lance dele era o Purple”

“Born Again” acabaria sendo o único lançamento do Black Sabbath com Ian Gillan, pois, em 1984, o vocalista anunciou sua saída para se juntar à recém-reunida formação Mk 2 do Deep Purple e gravar o estrondoso “Perfect Strangers”.

Em “Iron Man”, Tony Iommi reflete com maturidade acerca do período:

“Ao olhar para trás agora, não me parece que Ian estava tão comprometido assim. Acho que ele se divertiu e fez o melhor que podia, mas sabia o tempo todo que ia sair. E nunca pensamos que ele fosse ficar com a gente dez anos. Simplesmente seguimos em frente para ver onde essa formação daria. Fizemos um álbum, viajamos em turnê por um ano e foi isso. Só no fim da turnê é que vimos que Ian ia voltar para o Deep Purple, mas essa história já tinha seguido seu curso natural. O lance dele era o Purple. Nunca mais pensamos em fazer outro álbum juntos, nunca brigamos, nos dávamos bem e ainda nos damos. Tivemos momentos fantásticos e ri mais do que nunca. Simplesmente vivíamos um dia de cada vez. E o último dia veio em [4 de] março de 1984, quando fizemos nosso último show juntos, em Massachusetts.”

A formação original do Black Sabbath, com Ozzy Osbourne e Bill Ward, se reuniu para tocar no Live Aid em 1985, mas Ozzy não teria porque abrir mão de uma bem-sucedida carreira solo naquele momento e o encontro durou somente uma noite.

A instabilidade logo custou a Iommi seu braço direito, Geezer Butler, que saiu para, entre outras coisas, colaborar com Ozzy.

O que se seguiu foi uma dança das cadeiras enquanto o guitarrista procurava um vocalista adequado — primeiro Ron Keel e depois David Donato, que ficou tempo suficiente para uma sessão de fotos — antes de fechar com um segundo egresso do Deep Purple, Glenn Hughes, para o álbum seguinte, “Seventh Star” (1986).

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