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Crítica: Vazio, “Asteroid City” sofre com a genialidade estética de seu diretor

Novo filme de Wes Anderson entrega obra visual refinadíssima, mas peca por deixar de lado o mais importante: a história

Wes Anderson (“O Grande Hotel Budapeste”) tem o que milhares de diretores passam a vida buscando e às vezes morrem sem sequer ter chegado perto de tal descoberta: um estilo próprio. Em “Asteroid City”, o cineasta coloca todas essas virtudes de seu trabalho em tela; de forma primorosa, diga-se.

O problema é que ele se esquece do principal: cinema ainda é o ato de se contar uma história, coisa que “Asteroid City” não faz ou não tem – fico com a segunda opção.

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Cinema em simetria

Uma cidade no meio do deserto com apenas 87 habitantes, uma cratera, alguns poucos e excêntricos estabelecimentos, um concurso de ciência e uma porção de pessoas em busca de um propósito. Tudo isso é contado em um formato de teatro filmado em três atos, onde através de um belo preto e branco, podemos acompanhar desde o dramaturgo (Edward Norton) criando a história, passando pelo narrador da peça (Bryan Cranston), até chegar no belíssimo colorido em tons pastéis onde os atores interpretam a narrativa escrita pelo tal dramaturgo.

Obviamente, durante o desenrolar deste enredo, surgem situações sarcásticas. Aparecem ainda elementos extraordinários e conflitos entre personagens. Contudo, tudo isso são apenas fragmentos de uma possível história a ser contada – e que não levam a lugar nenhum.

“Asteroid City” é claramente um manual de como demonstrar descontrole de seu próprio conceito. O filme deixa claro que, para Wes Anderson, neste atual momento de sua carreira, somente a estética técnica é o suficiente para alçar seu filme ao patamar de arte. Não há história. Há indicações frequentes de boas ideias, rascunhos de um longa sarcástico, mas isso não se estabelece. Não se transforma em uma unidade.

Apesar dos pesares

Como a estética ainda é extraordinária, “Asteroid City” ao menos consegue ser delicioso de se assistir. É prazeroso ficar, durante 105 minutos, degustando as cores utilizadas e um impecável figurino. Os cenários são cartunescos e a luz surge bem forte e quente a ponto de sentirmos o mesmo calor que os personagens no desolador deserto. Ângulos nada convencionais nos proporcionam uma alucinante viagem às mais diversas simetrias possíveis, que resultam em enquadramentos impecáveis.

De algum modo, Wes Anderson consegue chamar atenção para seu longa. Os fragmentos das diversas histórias divertem por demais. Só não nos leva a lugar nenhum. É como assistir a um filme que conta apenas com situações inusitadas criadas e dialogadas, com um roteiro afinadíssimo na comédia de alto nível, mas vazio – ou talvez até complexo demais para se entender.

Desfile de atuações em “Asteroid City”

Wes Anderson tem o costume de trabalhar com os mesmos atores, mesclados com um ou outro novo rosto. Neste longa não é diferente, assim como não se distingue a extraordinária composição de interpretação. Sente-se, inclusive, a mão forte do diretor nas atuações, pois há uma estética a ser seguida.

Aqui, o elenco é primoroso. Vale destacar o belíssimo trabalho de Jason Schwartzman (“O Grande Hotel Budapeste”) na pele de um fotógrafo de guerra que precisa contar aos filhos que a mãe faleceu há três semanas, Scarlett Johansson (“Jojo Rabbit”) como uma atriz melancólica em busca da construção de sua nova personagem e Jeffrey Wright (“The Batman”) em performance fantástica com seu general.

Contudo, o ingresso passa a valer a pena realmente com Jake Ryan (“Chad”) e seu estranho personagem nerd, assim como as poucas mas extraordinárias cenas envolvendo os personagens dos atores Steve Carell (“The Office”), Matt Dillon (“Crash: No Limite”) e Liev Schreiber (“Wolverine: Origens”).

Tom Hanks (“Filadélfia”) também está nesse recheadíssimo elenco, interpretando o pai da falecida mãe. Contudo, ele parece ter ligado o piloto automático já há algum tempo. Ou acerta, nos entregando uma interpretação típica de seu novo modus operandi, ou erra feio, como em “Elvis”. Hanks precisa urgentemente de um grande novo personagem.

O elenco ainda conta com a sempre brilhante Tilda Swinton (“Precisamos Falar Sobre Kevin”), Maya Hawke (“Stranger Things”), Sophia Lillis (“It – A Coisa”) e Tony Revolori (“Homem-Aranha: De Volta ao Lar”). Fora das participações mais que especiais de Willem Dafoe (“O Farol”), Jeff Goldblum (Jurassic Park”), Margot Robbie (“Barbie”), o oscarizado Adrien Brody (“O Pianista”) e, pasmem, Seu Jorge. Sim, o astro brasileiro aparece em algumas cenas como um cowboy, inclusive tocando violão.

Wes Anderson e a perigosa estrada

Um filme de Wes Anderson, no geral, é capaz de entreter. Obviamente, seus longas anteriores, como “O Grande Hotel Budapeste” e a animação em stop motion “O Fantástico Sr. Raposo”, são capazes de nos satisfazer não só pelo conceito técnico e a estética única, mas também por sua história.

Porém, o cineasta pode estar trilhando um caminho perigoso ao nos entregar pela segunda vez uma obra repleta de técnica e conceito, mas vazia de propósito ou história – “Crônica Francesa” (2021) cometeu os mesmos pecados. Como ele, “Asteroid City” é um passeio lindo que não nos leva a lugar algum.

*“Asteroid City” está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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Raphael Christensen
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Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

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