As 50 mil pessoas que estiveram no Allianz Parque na última sexta-feira (16) testemunharam um momento histórico – que irá se repetir neste sábado (17) e domingo (18). Após três décadas, as sete lendas do rock nacional que compõem a formação clássica do Titãs – exceção feita ao saudoso Marcelo Fromer, morto por atropelamento em 2001 – se reuniram na cidade onde idealizaram algumas de suas principais composições e marcaram os primeiros ensaios.
Nando Reis, Paulo Miklos, Branco Mello, Arnaldo Antunes, Tony Bellotto, Sérgio Britto e Charles Gavin estão desde abril girando o país com a turnê “Titãs Encontro”, com apresentações em grandes arenas. Junto ao septeto está o produtor e multi-instrumentista Liminha, ocupando a vaga de Marcelo Fromer.
*Fotos de Jeff Marques / @mulekedoidomemo. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Pontualmente às 15h, os fãs que adquiriram entradas para a “experiência VIP” – uma espécie de camarote, praticamente ao lado do palco, com serviço open bar – foram autorizados a adentrar o estádio. Cerca de uma hora depois, os portões foram abertos ao público geral. Apesar da enorme expectativa e dos ingressos esgotados, poucas pessoas compareceram logo no início do evento – compreensível, por se tratar de uma sexta-feira.
Nos corredores do estádio, barracas ofereciam merchandising exclusivo não só da turnê, como também dos projetos solo de Nando Reis e Arnaldo Antunes. Nas bordas laterais das arquibancadas, painéis de LED interativos exibiam fotos dos Titãs, em conjunto com demais informações acerca da “Titãs Encontros”, como estimativa de público e próximas datas. Tudo em meio a uma discotecagem impecavelmente temática, ao trazer hits do punk e post-punk oitentista, como “Love Will Tear Us Apart” (Joy Division), “Rock the Casbah” (The Clash) e “Asleep” (The Smiths).
Precisamente às 19h, subiu ao palco para o show de abertura o Colomy, trio que conta com Sebastião Reis (voz, violão), filho de Nando Reis, além de Pedro “Lipa” (guitarra e voz) e Eduardo Schuler (bateria), além de Magno Brito (baixo) e Pedro Kemer (teclados) no apoio. O início ficou a cargo de “Sendo Como Mar”, que combina batidas explosivas com violão. Uma releitura ousada e acelerada de “Track Track”, música do argentino Fito Paez conhecida aqui na versão dos Paralamas do Sucesso, trouxe Sebastião cantando em português enquanto Pedro entoava trechos em espanhol.
“Pássaro Livre” reduziu o ritmo com bases em violão e sintetizadores, enquanto “Nem Tudo Está Perdido” cativou com seu refrão de impacto. Na reta final do set, Sebastião brincou que o show era curto “porque também queremos assistir aos Titãs”, então, anunciou uma canção “que traz uma das melhores lembranças” que tem com seu pai: “O Mundo é Bão, Sebastião”, que capturou novamente a atenção do público.
Na pista, alguns fãs comentavam que o Colomy só estava ali por ter o filho de Nando Reis na formação. Uma opinião equivocada. Sebastião tem bela voz e notória presença de palco, enquanto Pedro e Eduardo se mostraram músicos versáteis. Além disso, o cenário foi caprichado com uma iluminação bem pensada. Escolha acertada para a abertura.
Repertório – Colomy:
- Sendo Como Mar
- Track Track (original de Fito Paez)
- Pássaro Livre
- Nem Tudo Está Perdido
- Por Perto
- O Mundo é Bão, Sebastião
Por volta das 19h30, os fãs começaram a preencher todos os setores do estádio, de modo que, perto das 20h30, o local já estava abarrotado. Com 20 minutos de atraso, as silhuetas dos oito Titãs emergiram na plataforma superior do cenário, em meio a um fundo branco, desencadeando gritos histéricos do público. Em seguida, cada um assumiu seu lugar no palco, enquanto Paulo Miklos e Nando Reis rapidamente tomaram o protagonismo em “Diversão”.
Começava, assim, o primeiro ato do show, caracterizado por músicas de forte conteúdo político. Sob intensas luzes vermelhas e fotografias de um ensaio especial, Arnaldo Antunes seguiu com “Lugar Nenhum”, entregando-se com entusiasmo enquanto percorria o palco de ponta a ponta e gesticulava aos fãs próximos à grade. Em “Desordem”, Sérgio Britto assumiu a liderança, enquanto Nando fazia slaps violentos no baixo. Apesar de ser uma banda de pop rock, a cena agressiva e quase espantosa evocava uma energia digna de grupos de hardcore beatdown.
Após uma breve pausa, Branco Mello emocionou o público ao falar sobre a recuperação da cirurgia para a remoção de um tumor na laringe, no fim de 2021. Com a voz rouca, ele expressou sua felicidade por estar vivo e poder participar em uma nova turnê ao lado de seus amigos. Após arrancar gritos ensurdecedores e até lágrimas, o músico engatilhou “Tô Cansado”, talvez uma das mais punks do setlist.
Com Nando Reis à frente, “Igreja” teve como destaque sua letra polêmica e cheia de críticas às religiões. Já o hit “Homem Primata” foi comandada por Britto, mas os demais vocalistas acabaram se juntando à interpretação. Miklos manteve a energia com “Estado Violência”, porém, mais uma vez, o centro das atenções acabou sendo Nando e sua técnica furiosa de slaps no baixo. Explorando a plataforma superior do cenário, Arnaldo seguiu com “O Pulso” e “Comida”, quando os efeitos especiais ganharam destaque com a reprodução de um molde 3D do vocalista e cenas de uma animação simulando um paciente em estado terminal.
“É emocionante tocar músicas que foram escritas há tantos anos e que ainda continuam refletindo a realidade desse país louco”, comentou Nando Reis antes de iniciar a dobradinha com “Jesus não tem dentes no país dos banguelas” e “Nome aos bois”. Com imagens de colunas de templos gregos em movimento ao fundo, o ruivo protagonizou um dos momentos mais intensos de toda a apresentação. Além de pequenas modificações, como viradas mais complexas na bateria e riffs pesados quase metálicos, o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro foi incluído junto a ditadores, resultando em reações acaloradas.
De volta ao punk rock, Branco finalizou o primeiro ato com “Eu Não Sei Fazer Música” e “Cabeça Dinossauro”. O vocalista se arriscou tanto que chegou a mandar alguns berros guturais. Admirados com a performance avassaladora, alguns fãs responderam com um pequeno moshpit na pista premium.
Logo após uma breve pausa, um vídeo com trechos de entrevistas do grupo ao longo da carreira preencheu o telão. Os músicos, então, retornaram e deram início ao segundo ato do show, acústico. Entre eles estavam “Epitáfio”, “Os Cegos do Castelo” e “Pra Dizer Adeus”. Neste primeiro momento, a banda optou por se manter fiel às versões de estúdio, sem grandes mudanças, e contou com o apoio dos fãs entre trechos estratégicos.
A grande surpresa veio com a entrada de Alice Fromer, filha de Marcelo Fromer, que cantou com Arnaldo Antunes “Toda Cor” e “Não Vou Me Adaptar”. Para finalizar, a moça participou de uma linda versão para “Ovelha Negra”, em homenagem à rainha do rock, Rita Lee, falecida no início do mês passado. Foi apenas a terceira execução da música na turnê, sucedendo as performances em Manaus e Belém, nos últimos dias 11 e 12 de maio.
O espetáculo prosseguiu com o terceiro ato, que mesclou músicas animadas e de protesto. Nando iniciou com “Família”, seguido por Sérgio com “Go Back” e Paulo trouxe uma explosão de energia em “É Preciso Saber Viver”, sucesso de Erasmo Carlos. Branco teve mais uma oportunidade de brilhar em “32 Dentes” e “Flores”, acompanhado por uma belíssima produção visual que exibia cenas psicodélicas com cores vivas e saturadas, simulando a estética pop art dos anos 90.
A presença visual também impactou durante a performance de Arnaldo em “Televisão” e “Porrada”, com a projeção de aparelhos de TVs vintage de madeira sendo arremessadas de um monte e cenas de uma luta violenta. Aqui, pela primeira vez na noite, Paulo mostrou suas habilidades no saxofone. Para encerrar o set regular, todos os Titãs se uniram de forma sincronizada em “Polícia”, “AA UU” e “Bichos Escrotos” – esta última acompanhada por uma animação que fazia referência ao personagem Gregor Samsa, protagonista do livro “A Metamorfose”, de Franz Kafka.
Após mais de duas horas de música, os fãs reuniram as últimas forças para acompanhar o bis. O bloco começou de forma tímida com “Miséria”, comandada por Paulo. Em seguida, Nando trouxe uma dose de animação com a pegada reggae de “Marvin” e seu refrão inconfundível. Alguns minutos após às 23h, os oito integrantes fizeram um pequeno discurso sobre a importância do encontro histórico e deram início a “Sonífera Ilha”, canção responsável por impulsionar a fama do grupo no início de sua carreira.
Nos últimos anos, foram muitas as oportunidades de se assistir a shows de reunião. Muitos foram arrastados e até tediosos, transmitindo a sensação de que estavam sendo realizados apenas pela questão financeira, sem compromisso real com a música. Felizmente, a turnê “Titãs Encontro” não entra nessa lista.
Durante 32 músicas, os oito integrantes se dedicaram ao máximo para entregar uma apresentação memorável. Cada um contribuiu de forma imprescindível, mas vale ressaltar a presença marcante de Paulo Miklos, sempre extraindo interação máxima dos fãs, e o esforço surreal de Branco Mello, superando todas as dificuldades para voltar a fazer o que ama. Uma experiência valiosa.
*Fotos de Jeff Marques / @mulekedoidomemo. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Repertório – Titãs:
Ato 1
- Diversão
- Lugar nenhum
- Desordem
- Tô cansado
- Igreja
- Homem primata
- Estado violência
- O pulso
- Comida
- Jesus não tem dentes no país dos banguelas
- Nome aos bois
- Eu não sei fazer música
- Cabeça dinossauro
Ato 2 – Acústico
- Epitáfio
- Os cegos do castelo
- Pra dizer adeus
- Toda cor (com Alice Fromer)
- Não vou me adaptar (com Alice Fromer)
- Ovelha negra (cover de Rita Lee; com Alice Fromer)
Ato 3
- Família
- Go Back
- É preciso saber viver (Erasmo Carlos cover)
- 32 dentes
- Flores
- Televisão
- Porrada
- Polícia
- AAUU
- Bichos escrotos
Bis
- Miséria
- Marvin
- Sonífera ilha
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