O que diz a lei antirracismo brasileira sobre o caso Roger Waters

Norma de número 7.716 proíbe veiculação de símbolos nazistas para fins de divulgação da ideologia; revisão sancionada em janeiro amplia interpretação

A acusação de antissemitismo e apologia ao nazismo envolvendo Roger Waters ganhou, neste sábado (10), novos contornos no Brasil – país onde ele fará sete shows entre outubro e novembro. De acordo com o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, o ministro da Justiça, Flávio Dino, teria dito ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, que o músico inglês seria preso caso vestisse uniforme nazista durante os shows da turnê “This is Not a Drill” no Brasil.

Horas após a publicação, Flávio Dino se manifestou em seu perfil no Twitter para esclarecer a informação. Inicialmente, afirmou não ter tido acesso à petição e colou trecho da lei 7.716, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Enfatizou a passagem que criminaliza veiculação de símbolos nazistas “para fins de divulgação” da ideologia (“o que obviamente exige análise caso a caso”) e, por fim, destacou: “não me cabe concordar ou discordar de pedidos sem sequer ler os argumentos dos interessados. Posturas ‘canceladoras’, supostamente ‘radicais’ e ‘revolucionárias’, no atual contexto, só servem para fortalecer a extrema-direita e propiciar o seu retorno ao poder”.

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Tudo isso surgiu a partir de um pedido feito pelo advogado Ary Bergher e encaminhado ao Ministério da Justiça. Vice-presidente da Confederação Israelita do Brasil e presidente do Instituto Memorial do Holocausto, Bergher argumenta que o uso do uniforme nazista no show se enquadra como crime sob o Art. 20 da Lei nº 7.716, que lê em seu parágrafo 1º:

“Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.”

Além disso, o mesmo artigo prevê crime – através de redação criada pela Lei nº 14.532, sancionada em 11 de janeiro de 2023 – caso esse ato seja cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza. O mesmo vale em caso de ocorrência dentro do contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público.

Segundo a Lei nº 14.532, relacionada ao Art. 20 da Lei nº 7.716:

“Na interpretação desta Lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.”

O contexto

Durante sua performance, como é de praxe há 40 anos, Roger Waters usa uma roupa inspirada no uniforme dos soldados nazistas para a execução da música “In the Flesh”. Parte do contexto do álbum e show “The Wall” (Pink Floyd), a faixa traz o personagem Pink, em uma alucinação causada por drogas, acreditando ser um ditador fascista. Ao ser reproduzida ao vivo, “In the Flesh” busca mostrar como tal momento de loucura pode ser comparado a um comício político – por isso a caracterização. Geralmente, ela é tocada antes de “Run Like Hell”, que emula a ascensão de um ditador ao poder.

Ainda que ele vista tais peças como crítica ou sátira, a situação gerou polêmica e até investigação policial na Alemanha. Por lá, é proibido fazer alusão a imagens, símbolos e gestos nazistas na Alemanha, independentemente do contexto. No Brasil, como reforçado por Dino, a proibição vale quando é “para fins de divulgação ao nazismo”. Não há menção a outros contextos. Por outro lado, a revisão feita através da lei nº 14.532 pode ampliar a interpretação e complicar a vida do músico em território nacional.

Agora resta saber se o ministro da Justiça realmente vai colocar essa lei em prática ou se sequer irá precisar, uma vez que Waters deixou o figurino de lado para shows em Frankfurt (Alemanha) e Birmingham (Inglaterra), respectivamente nos dias 28 e 31 de maio. O uniforme retornou nos shows subsequentes, em outras datas no Reino Unido.

A turnê “This is Not a Drill”

Atualmente, Roger Waters está em turnê pela Europa com o espetáculo “This is Not a Drill”. O Brasil tem 7 datas de shows confirmadas a partir de outubro. São elas:

  • 24/10 – Brasília – Arena BRB Mané Garrincha
  • 28/10 – Rio de Janeiro – Estádio Nilton Santos / Engenhão
  • 01/11 – Porto Alegre – Estádio Beira Rio
  • 04/11 – Curitiba – Arena da Baixada
  • 08/11 – Belo Horizonte – Mineirão
  • 11/11 – São Paulo – Allianz Parque
  • 12/11 – São Paulo – Allianz Parque

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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