...

Terapia, Napster e aquele som de bateria: a história de “St. Anger”, do Metallica

Lendas do metal precisaram fazer seu álbum mais controverso para conseguir sobreviver e permanecer juntos

O Metallica passou os anos 90 constantemente reinventando seu som para se tornarem mais palatáveis ao grande público. No processo, eles se tornaram uma banda imensamente popular e influente – para o bem e o mal – e foram aos poucos alienando seu público raiz.

Quando o grupo iniciou uma guerra contra o Napster, plataforma de compartilhamento de músicas na internet, toda boa vontade dos fãs foi pela janela. Relatos de integrantes sendo forçados a vender suas coleções de arte por causa de mp3 quebrando a indústria pareceram tão removidos da realidade a ponto de criar ranço.

- Advertisement -

Em meio a tudo isso, o Metallica estava passando por seu período mais conturbado. James Hetfield estava sofrendo com alcoolismo e vícios ocultos. O baixista Jason Newsted deixou a banda, cansado de ser tratado como cidadão de segunda classe. Além disso, o metal no mainstream estava completamente diferente.

Era a era do nü metal, de grupos como Deftones, Limp Bizkit, Linkin Park, Papa Roach e Slipknot. Foi nesse ambiente que o grupo tentou se afirmar como ainda sendo o líder do gênero, com “St. Anger”.

Essa é a anatomia de um desastre, como o velho programa do Discovery dizia.

Napster e o fim da boa vontade

Tudo começou quando o Metallica descobriu no início de 2000 que uma demo da canção “I Disappear”, gravada para a trilha de “Missão Impossível 2”, estava tocando em rádios antes mesmo do lançamento oficial. Após uma pesquisa sobre as origens do vazamento, eles chegaram ao Napster, um programa de compartilhamento de arquivos entre usuários (P2P).

A prática de compartilhamento de arquivos não era nova. O mp3 não era novo. O Napster simplesmente era uma plataforma onde isso poderia ocorrer de maneira muito mais eficiente que antes, levando em conta a disseminação de internet discada e banda larga nos Estados Unidos e o resto do mundo.

O Metallica descobriu naquele programa não só a origem do vazamento de “I Disappear”, como também de todo seu catálogo lançado. A reação foi processar o serviço por violação de direitos autorais.

O baterista Lars Ulrich tomou a frente nessa batalha. Deu um depoimento ao Senado americano em julho de 2000 e apareceu em uma esquete durante o MTV Video Music Awards daquele ano, durante a qual ele confiscou todos os bens de um usuário – interpretado pelo comediante Marlon Wayans.

A esquete foi extremamente mal recebida pelo público presente na premiação. Shawn Fanning, um dos criadores do Napster, subiu ao palco para entregar um prêmio vestindo uma camiseta do Metallica e disse:

“Eu peguei emprestada essa camiseta de um amigo. Talvez, se eu gostar, eu compre uma para mim.”

Quando chegou a hora de Ulrich introduzir uma performance do Blink-182 ao final da cerimônia, o baterista do Metallica foi vaiado pela plateia. Isso não desmotivou a banda a continuar indo atrás do serviço, que eventualmente declarou falência em 2002. Entretanto, compartilhamento de arquivos continuou sendo a moeda do reino pelo resto da década na música.

Saídas

O Metallica não era mais formado por garotos sujos. Os quatro integrantes eram adultos, a maioria deles com filhos. O único solteiro no grupo era Jason Newsted, que se sentia um pouco inquieto com a falta de espaço no processo criativo.

Entretanto, era impossível sequer para ele lançar músicas num projeto paralelo, como ele contou à Playboy numa entrevista em 2000:

“James e Lars começaram essa banda juntos. Eles passaram por todo tipo de pedreira. E eles tem sentimentos sérios, talhados em pedra sobre a banda e como ela precisa ser gerida. É bem, bem difícil de engolir às vezes. Eu acho que o entendimento é que não queremos ser como outras bandas, em que pessoas vão e lançam projetos paralelos. Eu fiz músicas incríveis com outros músicos. Deixaria pessoas acachapadas – já deixou algumas assim. Mas eu não posso lançar.”

Newsted a esse ponto fazia parte do Metallica por mais de uma década; ainda assim, o resto do grupo ainda parecia lhe tratar como alguém de fora. Suas contribuições eram diminuídas e ele era destratado em entrevistas. James Hetfield, nessa mesma ocasião à Playboy, tirou sarro da aparente ausência de baixo no disco “…And Justice for All” – o primeiro do baixista na formação – e fingiu esquecer seu nome numa resposta.

Durante uma reunião entre integrantes do Metallica em janeiro de 2001, Newsted decidiu que seus dias na banda haviam chegado ao fim após os colegas negarem sua sugestão da banda tirar um ano de férias – durante o qual ele se concentraria no projeto paralelo Echobrain.

O grupo havia alugado um alojamento militar desativado em San Francisco para converter em estúdio, onde iriam gravar o próximo disco. O anúncio público da saída de Jason ocorreu em meio aos preparativos.

A reação de alguns integrantes foi capturada em uma cena do documentário “Some Kind of Monster”, dirigido por Joe Berlinger e Bruce Sinofsky. O chilique de Lars Ulrich demonstra sua inteligência emocional.

A saída de Newsted não afetou o cronograma. O Metallica recrutou o produtor Bob Rock para, também, tocar baixo nas sessões.

Inicialmente, algumas canções que acabariam em “St. Anger” surgiram desse período – “Some Kind of Monster” e “My World” –, mas tudo foi colocado em xeque quando, após uma briga entre Hetfield e Ulrich, o guitarrista e vocalista abandonou as gravações para se internar em uma clínica de reabilitação.

Reconstruindo algumas pontes, queimando outras

Durante o período em que James Hetfield passou se tratando – mais de seis meses –, havia uma incerteza enorme sobre o futuro do Metallica. Sob a tutela de Phil Towle, terapeuta de performance trabalhando com a banda em meio a tudo isso, alguns dos integrantes começaram a fazer reparos nas relações do passado.

Ulrich se encontrou com Dave Mustaine, líder do Megadeth e ex-integrante do Metallica, demitido antes da gravação do primeiro disco, “Kill ‘Em All”. O baterista também foi com o guitarrista Kirk Hammett e Bob Rock para um show do Echobrain, prestigiar o ex-colega Newsted.

Outro episódio inusitado dessa época foi quando Ulrich, Hammett e Rock se uniram com o produtor de hip hop Swizz Beats na faixa “We Did It Again” – lançada no seu disco solo “Swizz Beatz Presents G.H.E.T.T.O. Stories” –, feita de material gravado com Hetfield rearranjado e com vocais do rapper Ja Rule.

No livro “This Monster Lives: The Inside Story of Some Kind of Monster”, Joe Berlinger escreveu sobre como ele e Bruce Sinofsky coordenaram uma sessão conjunta de lados opostos dos EUA:

“Ja Rule trouxe um cortejo de umas 15 pessoas, que apostavam dezenas de milhares de dólares jogando dados e fumavam becks enormes. Ao mesmo tempo, eu estava em LA num estúdio, filmando Kirk, Lars e Bob. Ambas as sessões estavam conectadas via computador. Os caras do Metallica decidiram que Kirk devia tocar um solo à distância. A ideia era para Ja Rule improvisar por cima do solo.”

Quando Hetfield saiu da clínica, seu estado emocional estava ainda frágil. Vários traumas foram expostos e ele tentava exercer controle sobre tudo possível. O músico exigia dos outros integrantes que eles trabalhassem apenas quatro horas por dia – e nada podia ser trabalhado, ouvido ou sequer discutido sem a presença dele.

Isso naturalmente criou uma quantidade de atrito com Lars Ulrich, a outra personalidade forte na banda. Enquanto isso, Kirk Hammett, normalmente a voz da razão, estava insatisfeito com a ordem de não haver solos de guitarra no disco.

A razão dada por Bob Rock para a exclusão de solos (via Revolver) era para manter a magia inicial das canções:

“Nós fizemos uma promessa a nós mesmos que só iriíamos manter coisas que tivessem integridade. Não queríamos fazer uma declaração teatral ao inserir overdubs. Se adicionássemos algo e ajudasse a manter a vibe ou o que queríamos passar, ficava. Mas se distraísse disso, a gente matava. Toda vez que a gente tentou fazer um solo, ou datava [o som da música] um pouco ou tirava do que estávamos tentando fazer de algum jeito. Acho que queríamos toda a agressividade vindo da banda toda ao invés de uma pessoa.”

A bateria Suvinil de “St. Anger”

Apesar dessa fala, um elemento em “St. Anger” se provou muito mais agressivo do que todos os outros – e não no sentido positivo. A bateria de Lars Ulrich no álbum tem sido alvo desde então de piadas relacionadas ao seu som, comparado a latas de tinta.

O canal de YouTube da Reverb chegou a fazer um episódio de 1º de abril de sua série explorando sons de bateria famosos, mostrando como conseguir o efeito “St. Anger”.

Em entrevista ao canal Tone Talk, Bob Rock falou sobre a origem do timbre:

“Estávamos no local onde eles ensaiam, em San Francisco, daí partimos para Oakland, onde eles tocavam com Cliff (Burton, falecido baixista). A gente se divertiu muito e Lars me contou sobre a bateria dele. Buscávamos inspiração, pois James não estava lá (ele estava em reabilitação), então, começamos a experimentar outras baterias”

O produtor contou que Lars Ulrich tocou em diversas baterias até chegar à que foi usada na gravação.

“Ele sentou naquela bateria e disse: ‘apenas me dê uma caixa’. Eu tinha acabado de comprar uma caixa Ludwig Plexi, pois queria testá-la. Daí, ele colocou, tocou e disse: ‘esse é o som’. Eu falei: ‘o quê?’.”

Naquele mesmo dia, foi gravada uma demo com o uso de alguns microfones, de forma não muito rebuscada:

“Fizemos a demo e o som era aquele. Lars não quis voltar atrás. Não o culpo. Se você conseguir entender o conceito, esse é o som de bateria de quando eles estavam ensaiando. É o mais próximo daquilo. Não importa o que as pessoas digam: foi esse momento que manteve a banda junta e os inspirou a seguir em frente. Então, estou bem com todas as críticas que recebi. É só um som de caixa de bateria, dá um tempo.”

Metallica contra o mundo

No que o Metallica encontrou o som de “St. Anger”, as coisas começaram a entrar em foco. Inseguranças, relações importantes, a briga do Napster, insatisfações com a indústria musical… tudo isso deu forma ao desenvolvimento do trabalho.

Além disso, James Hetfield aos poucos foi abrindo mão do controle excessivo sobre a banda, permitindo até outros integrantes contribuírem com letras. Em entrevista à MTV (via Loudwire), Lars Ulrich falou sobre a mudança:

“Essa foi a última pista de que ele era realmente um homem mudado [após deixar a reabilitação]. Então nós fomos no que chamamos de processo de fluxo de consciência. Era quase como estar na escola com um caderno e caneta. Todos nos sentamos e bolamos ideias, e então rodamos a sala e todo mundo lia pro resto da turma o que tinha escrito. Era um tanto intimidador no começo, mas ao mesmo tempo, incrivelmente desafiador e uma coisa ótima de introduzir em termos de tornar todo mundo mais próximo um do outro.”

Em entrevista à Metal Edge (via Blabbermouth), Hetfield falou sobre o conteúdo do disco:

“Tem dois anos de emoções condensadas nisso. Nós passamos por muitas mudanças pessoais, perrengues, epifanias, é profundo. É tão profundo liricamente e musicalmente.”

“St. Anger” saiu em 5 de junho de 2003. Estreou no primeiro lugar das paradas de 30 países, incluindo os Estados Unidos. O clipe da faixa-título, filmado dentro da penitenciária de San Quentin, contava com a presença do baixista Robert Trujillo, até então integrante da banda ao vivo de Ozzy Osbourne, que havia sido contratado para substituir Jason Newsted.

O problema é que de imediato o público mostrou sinais de não ter gostado do disco. Críticas foram ferozes, descrevendo a sonoridade como barata e as letras como ruins.

Em entrevista à MTV (via Loudwire), Kirk Hammett se mostrou em paz com essa reação:

“Durante nossa jornada, nos esquecemos dessa palavra de cinco letras chamada ‘rádio’. E estamos de bem com isso porque sentimos que esse material é bem forte e bem representativo de onde estamos musicalmente, pessoalmente, emocionalmente e mentalmente. É a declaração mais completa da banda que já fizemos.”

Por mais que represente o nadir da carreira do Metallica – a ponto da banda evitar tocar as músicas dessa época ao vivo – e eles terem revertido à sonoridade dos anos 80 no lançamento seguinte, “Death Magnetic” (2008) –, “St. Anger” serviu o propósito de manter o grupo unido durante o seu período mais turbulento.

Eles sobreviveram a tudo isso e continuam tinindo. Não tanto quanto a bateria de Lars Ulrich em “St. Anger”, mas tinindo mesmo assim.

Metallica – “St. Anger”

  • Lançado em 5 de maio de 2003 pela Elektra
  • Produzido por Bob Rock e Metallica

Faixas:

  1. Frantic
  2. St. Anger
  3. Some Kind of Monster
  4. Dirty Window
  5. Invisible Kid
  6. My World
  7. Shoot Me Again
  8. Sweet Amber
  9. The Unnamed Feeling
  10. Purify
  11. All Within My Hands

Músicos:

  • James Hetfield (vocais, guitarra)
  • Kirk Hammett (guitarra)
  • Lars Ulrich (bateria)

Músico adicional:

  • Bob Rock (baixo)

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Facebook | YouTube.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioCuriosidadesTerapia, Napster e aquele som de bateria: a história de “St. Anger”,...
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades