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Entrevista: Biógrafo de Champignon fala sobre carreira, tretas e morte do baixista

Em “Champ: A Incrível História do Baixista Champignon do Charlie Brown Jr”, Pedro de Luna apresenta toda a história do músico falecido em 2013

Luiz Carlos Leão Duarte Junior, o Champignon, ficou amplamente conhecido como membro do Charlie Brown Jr, uma das bandas mais influentes no cenário do rock nacional dos anos 1990 e 2000. Por mais que a figura central do grupo fosse o vocalista Chorão, Champ rapidamente se destacou pelo seu talento musical, sendo um dos principais responsáveis pela sonoridade característica do CBJr.

Champignon fez parte do Charlie Brown Jr em dois momentos: da formação em 1992 a 2005 e de 2011 até o fim da banda, em março de 2013, com a morte de Chorão. Meses mais tarde, em setembro, ele tirou a própria vida.

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“Uma tardia (porém justa) homenagem a um dos melhores e mais premiados baixistas brasileiros”. É assim que Pedro de Luna descreve “Champ: A Incrível História do Baixista Champignon do Charlie Brown Jr”, seu mais recente livro, publicado em 2022 (compre aqui) e viabilizado por meio de financiamento coletivo.

Ao longo de 496 páginas ricamente ilustradas, o autor — cuja obra inclui também as biografias “Planet Hemp: Mantenha o Respeito” (2018) e “Eu Sou Assim, Eu Sou Speed” (2019) e, ao que tudo indica, em breve incluirá um título dedicado ao pioneiro do manguebeat Mundo Livre S/A — disseca a carreira de Champ não apenas no grupo que primeiro o projetou, mas também à frente das bandas Music Legends e Revolucionnários, e ao lado de Junior Lima no Nove Mil Anjos.

Em entrevista exclusiva ao site IgorMiranda.com.br, De Luna oferece detalhes acerca do processo de pesquisa e escrita e oferece insights sobre seu biografado.

Uma boa história nunca contada

Curiosamente, Pedro de Luna não era fã do Charlie Brown Jr antes de se tornar biógrafo de Champignon. Cria dos fanzines e entusiasta da cena independente, quando jovem não achou nada demais naquela banda oriunda da Baixada Santista em sua primeira passagem pelo Rio de Janeiro:

“Não era uma banda que circulava no meio underground. Quando apareceram, a impressão que tivemos foi de que era mais uma coisa inventada por gravadora, e aquele som remetia muito a bandas que a gente já conhecia — Rancid, Sublime, Operation Ivy, Bad Religion. Meio que soou mais do mesmo.”

Passados muitos anos, uma surpresa: num pequeno intervalo entre 2017 e 2018, três pessoas diferentes lhe disseram que ele deveria escrever uma biografia de Champignon. Ressabiado, ele pesquisou sobre o músico e…

“Na internet não tinha quase nada. Só se falava da morte dele. Achei estranho, e isso me intrigou. Geralmente, quando é assim, é porque tem uma boa história por trás.”

De Luna começou, então, as sondagens. Sua primeira visita foi à casa de Claudia Bossle, viúva de Champignon, que lhe mostrou fotos, vídeos e discos de ouro e platina. Apesar da boa vontade de Claudia, as conversas não chegaram muito longe.

“Percebi que ela queria fazer um livro mais parecido com o da Graziela [Gonçalves, viúva de Chorão], sobre a relação do casal, e não sobre a banda. Somado a isso, ela não tinha nenhum dinheiro para investir no projeto.”

O “livro da Graziela” ao qual se refere é “Se Não Eu, Quem Vai Fazer Você Feliz?” (2018), escrito pela viúva de Chorão, Graziela Gonçalves, a Grazon. Pedro confirma ter lido a obra, reconhece que ela lhe ajudou muito, mas aponta que se trata de “uma visão parcial da história”. Ele explica:

“Quando acabei de ler, pensei ‘este é um livro de posicionamento; ela quer mostrar o quanto foi importante’. E ela realmente foi, porque aturar um cara de altos e baixos por dez anos é digno de parabéns, mas é um livro de posicionamento; ela marca a posição dela, e me parece que ela tinha uma expectativa de sair como ‘herdeira’ no fim da história. ‘O Chorão morreu. Quem segurou a barra a vida inteira? Eu, né?’. Acho que ela escreveu o livro com essa intenção de ser reconhecida. E, no fim das contas, a coisa ficou muito mais sob responsabilidade do filho [do Chorão], Alexandre.”

Nesse ínterim, De Luna conheceu Eliane e Danielle, irmãs de Champignon, que asseguraram apoio total da família e ajudaram a estruturar o livro e a listar os possíveis entrevistados.

Triunfo sobre as adversidades

Embora não saiba de cor com quantas pessoas falou, Pedro de Luna estima ter entrevistado cerca de 50 pessoas, dentre as quais destaca o pai e, principalmente, as irmãs de Champignon. Ele também cita os produtores Tadeu Patolla e Carlo Bartolini; os músicos que tocaram com ele não só no Charlie Brown Jr, mas no Revolucionnários, no Music Legends e no Nove Mil Anjos; outros que tocaram com ele, mas não eram dessas bandas, como o falecido Canisso (Raimundos) e PJ (Jota Quest); e membros da equipe técnica do CBJr e roadies.

O autor lista, ainda, alguns nomes que se recusaram a dar entrevistas. Um deles surpreende pela proximidade ao biografado:

“O Marcão [guitarrista do Charlie Brown Jr] não deu entrevista, alegando um contrato de exclusividade que hoje acredito que fosse com o documentário ‘Chorão: Marginal Alado’ (2019). A primeira esposa do Champignon, com quem ele foi casado pouco mais de um ano, também não quis participar nem deixou a filha dele, que é menor de idade, participar. E o Digão (Raimundos) não retornou aos pedidos de entrevista.”

Por mais que certas ausências possam ter resultado em lacunas na história, De Luna compreende o porquê de ter ouvido alguns “não”. Nenhum deles foi por algum dos entrevistados possuir alguma rusga com Champignon — o autor cita que “as pessoas não sabem qual será a abordagem, se lhes será feita uma pergunta constrangedora” e comenta que o período de pandemia, sem entrevistas presenciais, dificultou o processo.

Outra dificuldade encontrada foi a escassez de rastros digitais do auge do Charlie Brown Jr. Sem Fotolog, MySpace e Orkut, restaram apenas jornais da época para saber a data exata de algum show ou premiação. E muitas dessas publicações não têm acertos digitalizados. Dificuldade à parte, o final do livro inclui uma cronologia detalhada; prova do quão “psicopata de data” — definição dada pelo próprio autor — Pedro é.

Autodidata, kardecista e pé-no-chão

Pedro de Luna conta que, durante sua pesquisa, fez várias descobertas acerca de Champignon que fazem dele um personagem interessante para se ler sobre. A primeira que lhe ocorre é o autodidatismo: o baixista realmente aprendeu a tocar sozinho, na frente da TV, e já se apresentava na noite aos 12 anos, quando conheceu Chorão.

O biógrafo também destaca o fato de Champ não ter se deixado corromper pela fama ou pelo dinheiro.

“Era um cara que apesar de ter recebido muitos prêmios e ganhado muito dinheiro, sempre se manteve muito desapegado das coisas materiais. Pelo contrário, era até ingênuo nesse aspecto, porque ajudou muitas pessoas.”

Um lado espiritualizado do músico também veio à tona:

“Kardecista, tinha mania de usar branco em datas especiais, como no nascimento da filha ou em shows muito importantes.”

Mas o que mais impressionou o biógrafo não foram as habilidades musicais, a postura pé-no-chão ou a espiritualidade de Champignon, e sim o quanto ele era querido por aqueles que o cercavam:

“Era um cara muito amado. A quantidade de áudios que tenho de gente do fã-clube ou de ex-namoradas dele, o amor com que falam dele, vozes embargadas… me fez pensar ‘como eu queria ter conhecido esse cara, porque devia ser um ser humano apaixonante’. E quanta gente falou da risada dele, o quanto era cativante!”

Champignon e Chorão: uma relação difícil

Quando o assunto é Charlie Brown Jr, muito se fala do “poeta Chorão” — denominação da qual Pedro de Luna discorda:

“‘Poeta’ é Cazuza, Renato Russo, né? O Chorão era o letrista da banda.”

Embora todas as narrativas reforcem que Champignon e Chorão eram como irmãos, a relação dos dois foi marcada por altos e baixos ao longo dos anos. Membros centrais do Charlie Brown Jr, eles eram conhecidos por suas personalidades fortes, e isso resultou em tensões, principalmente devido a diferenças criativas e de opinião sobre o rumo musical e as decisões internas.

Em 2005, após uma série de desavenças com Chorão, Champignon pediu as contas. Pedro de Luna conta que tais desavenças começaram quando o vocalista passou a não dar brecha para os demais membros contribuírem tanto, num processo que se deu…

“Conforme eles foram circulando no mainstream, conhecendo gente importante — produtores, executivos de gravadora —, e começaram a entender como funciona a questão dos direitos autorais. [Começaram a] entender que quem fazia a letra ganhava um valor X, e quem fazia a composição, outro valor X. Isso começou a gerar rusgas entre eles. Dinheiro é uma m#rda, porque corrompe, né?”

Mas não só dinheiro, vaidade também.

“Quando da saída dos integrantes originais [primeiro o guitarrista Thiago Castanho, e então Champignon, Marcão e o baterista Renato Pelado], o Chorão estava se sentindo o dono da bola. ‘A banda é minha, eu que criei, tem que ser tudo do meu jeito’. Tanto que a primeira matéria de circulação nacional que explanou o motivo da briga, na revista Capricho, tinha como título ‘Chorão Brown Jr’. Acho que era parte do temperamento dele controlar, querer ser tudo.”

Respirar Charlie Brown Jr 24 horas por dia, e cobrar que os outros assim o fizessem, acabou levando Chorão à ruína física e mentalmente. De Luna aponta:

“O cara não conseguia tirar férias. Ele foi criando um império que não era mais [só] a banda. Era banda, marca de roupa, pista de skate. Foi criando tanta coisa que virou escravo da própria criação, o que é muito triste.”

Não fosse toda essa necessidade por controle, crê o autor, Champignon poderia ter contribuído muito mais no Charlie Brown Jr.

“Depois [que saiu da banda em 2005] ele se mostrou um bom letrista e vocalista. Depois que o Chorão morreu, naqueles poucos meses de A Banca, ele foi eleito para cantar. Não foi algo pelo qual tenha pedido, pelo contrário; doeu muito nele não tocar mais baixo. Mas, sim, ele poderia ter sido muito mais do que o cara do beatbox e até ter cantado algumas músicas no Charlie Brown Jr.”

Esculacho e morte

Champignon e Chorão se reconciliaram e o baixista retornou ao posto em 2011. Mas a volta foi marcada por brigas, agressões físicas e um episódio que teria um impacto duradouro no relacionamento dos dois e no psicológico de Champ.

Durante uma apresentação do Charlie Brown Jr no dia 8 de setembro de 2012 em Apucarana (PR), Chorão retirou o microfone de Champignon e fez um longo discurso contra o baixista. O vocalista dirige-se diretamente ao companheiro e afirma que ele deveria “ficar muito grato” por ter sido aceito de volta à banda. Pedro de Luna afirma:

“O Chorão tinha cismado que o Champignon tinha que ficar pedindo desculpa o tempo todo. Eles se reuniram, mas nunca se acertaram, de fato.”

E aí entra um detalhe curioso: o suicídio do Champignon aconteceu exatamente um ano depois desse “esculacho” de Apucarana. A respeito das motivações que levaram o baixista a tirar a própria vida, Pedro de Luna especula:

“Ele tinha passado o dia na internet, não tinha dormido bem, tinha voltado de um show em que o Falcão, d’O Rappa, deixou ele mofando do lado de fora do camarim um tempão. Voltou para casa bem triste, chorando, e passou o dia na internet, discutindo pelo Facebook com um dos caras que ele tinha ajudado no passado, e eu imagino que o Facebook tenha mostrado a lembrança de um ano atrás para ele. Pensa: o cara já não estava bem, cheio de dívidas, magoado, um monte de problemas emocionais, saudade do Chorão… aí vem aquela lembrança do esculacho. Nada justifica você tirar a própria vida, mas naquele dia ele não estava bem. Foi um dia de m#rda que culminou numa noite ruim.”

“Saudade do Chorão”. Sabe-se que a morte de Chorão em março de 2013 afetou profundamente Champignon, que lutou para lidar com a perda do colega e amigo. “Eles brigavam pra c#ralho, mas se amavam”, explica o autor, que continua:

“Quis o destino que o Champignon estivesse morando em São Paulo naquele momento de 2013, então ele foi o primeiro a chegar no prédio do Chorão [no dia da morte] e, obviamente, todos os repórteres foram para cima dele.”

Além dos repórteres, os contratantes dos vindouros shows do Charlie Brown Jr.

“O Chorão recebia metade dos cachês [dos shows] adiantado. Quando ele faleceu, os contratantes não quiseram saber. ‘E aí? Vão vir fazer o show ou vão devolver a grana?’ Então, em um mês, os caras tiveram que inventar um nome, A Banca, e honrar todos aqueles compromissos.”

Em meio a essa agenda, menor que a do Charlie Brown Jr, Champ, que já estava emocionalmente muito fragilizado, recebeu a notícia de que seria pai pela segunda vez.

“Ou seja, duas pensões [para pagar]. E ele já tinha decretado falência, pois quando voltou para o Charlie Brown Jr já não era mais sócio, era músico contratado, então o cachê era menor. Pra piorar, um monte de fãs do Chorão começou a fazer hate na internet, chamando-o de Judas, mercenário. Daí, num lampejo de fúria, fraqueza e muito saquê, ele falou: ‘Quer saber? F#da-se’.”

Baixista dos sonhos — e seus baixistas dos sonhos

À morte de Champignon seguiram-se diversas homenagens, dentre as quais Pedro de Luna destaca a feita pelo Capital Inicial no palco do Rock in Rio — com direito a um “Viva Champignon!” após a banda tocar “Só os Loucos Sabem”, do Charlie Brown Jr.

Porém, o autor assegura que o baixista chegou a obter em vida o devido reconhecimento pelo talento que era:

“Teve, sim, e chegou a verbalizar isso quando foi eleito pelo terceiro ano seguido o ‘baixista dos sonhos’ no VMB [Video Music Brasil] de 2007. Ele agradece porque mesmo estando fora da mídia ainda é reconhecido por tocar pra caramba.”

Além do supracitado prêmio da antiga MTV Brasil, Champignon ganhou troféus no canal Multishow e na 89 FM, rádio rock de São Paulo. O biógrafo afirma:

“Quando ele saiu do Charlie Brown Jr também foi a primeira vez que ele foi capa de revista, só ele, sem a banda, e começou a dar entrevistas sendo o Champignon, e não representando o Charlie Brown Jr. Tenho certeza que, naquele momento, ele reconheceu que tinha seu valor independentemente da banda em que estivesse.”

De Luna não conheceu Champignon pessoalmente, mas sua pesquisa lhe permite traçar um perfil completo do músico; a começar pelas influências musicais, das óbvias às nada óbvias:

“Ele citava sempre o Jaco Pastorius, Flea (Red Hot Chili Peppers), Robert Trujillo (Infectious Grooves, Suicidal Tendencies, futuramente Metallica). Ele ouvia rock, hardcore, mas também gostava de jazz e hip-hop. E pouca gente sabe, mas na metade dos anos 2000 ele começou a gostar muito de música eletrônica, e quando saiu do Charlie Brown Jr em 2005, um dos projetos dele era tocar baixo com batidas eletrônicas de um DJ, algo assim. Ele chegou a encomendar umas bases para o Zegon, do Tropkillaz, que também era DJ do Planet Hemp, pois tinha muito interesse em tocar alguma coisa que pudesse fazer com pouca gente ou até sozinho, e a música eletrônica permitia isso.”

*“Champ: A Incrível História do Baixista Champignon do Charlie Brown Jr” pode ser adquirido por meio da Amazon (clique aqui).

** No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV), associação civil sem fins lucrativos, oferece apoio emocional e prevenção do suicídio, gratuitamente, 24 horas por dia. Qualquer pessoa que queira e precise conversar, pode entrar em contato com o CVV, de forma sigilosa, pelo telefone 188, além de e-mail, chat e Skype, disponíveis no site www.cvv.org.br.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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Entrevista: Biógrafo de Champignon fala sobre carreira, tretas e morte do baixista

Em “Champ: A Incrível História do Baixista Champignon do Charlie Brown Jr”, Pedro de Luna apresenta toda a história do músico falecido em 2013

Luiz Carlos Leão Duarte Junior, o Champignon, ficou amplamente conhecido como membro do Charlie Brown Jr, uma das bandas mais influentes no cenário do rock nacional dos anos 1990 e 2000. Por mais que a figura central do grupo fosse o vocalista Chorão, Champ rapidamente se destacou pelo seu talento musical, sendo um dos principais responsáveis pela sonoridade característica do CBJr.

Champignon fez parte do Charlie Brown Jr em dois momentos: da formação em 1992 a 2005 e de 2011 até o fim da banda, em março de 2013, com a morte de Chorão. Meses mais tarde, em setembro, ele tirou a própria vida.

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“Uma tardia (porém justa) homenagem a um dos melhores e mais premiados baixistas brasileiros”. É assim que Pedro de Luna descreve “Champ: A Incrível História do Baixista Champignon do Charlie Brown Jr”, seu mais recente livro, publicado em 2022 (compre aqui) e viabilizado por meio de financiamento coletivo.

Ao longo de 496 páginas ricamente ilustradas, o autor — cuja obra inclui também as biografias “Planet Hemp: Mantenha o Respeito” (2018) e “Eu Sou Assim, Eu Sou Speed” (2019) e, ao que tudo indica, em breve incluirá um título dedicado ao pioneiro do manguebeat Mundo Livre S/A — disseca a carreira de Champ não apenas no grupo que primeiro o projetou, mas também à frente das bandas Music Legends e Revolucionnários, e ao lado de Junior Lima no Nove Mil Anjos.

Em entrevista exclusiva ao site IgorMiranda.com.br, De Luna oferece detalhes acerca do processo de pesquisa e escrita e oferece insights sobre seu biografado.

Uma boa história nunca contada

Curiosamente, Pedro de Luna não era fã do Charlie Brown Jr antes de se tornar biógrafo de Champignon. Cria dos fanzines e entusiasta da cena independente, quando jovem não achou nada demais naquela banda oriunda da Baixada Santista em sua primeira passagem pelo Rio de Janeiro:

“Não era uma banda que circulava no meio underground. Quando apareceram, a impressão que tivemos foi de que era mais uma coisa inventada por gravadora, e aquele som remetia muito a bandas que a gente já conhecia — Rancid, Sublime, Operation Ivy, Bad Religion. Meio que soou mais do mesmo.”

Passados muitos anos, uma surpresa: num pequeno intervalo entre 2017 e 2018, três pessoas diferentes lhe disseram que ele deveria escrever uma biografia de Champignon. Ressabiado, ele pesquisou sobre o músico e…

“Na internet não tinha quase nada. Só se falava da morte dele. Achei estranho, e isso me intrigou. Geralmente, quando é assim, é porque tem uma boa história por trás.”

De Luna começou, então, as sondagens. Sua primeira visita foi à casa de Claudia Bossle, viúva de Champignon, que lhe mostrou fotos, vídeos e discos de ouro e platina. Apesar da boa vontade de Claudia, as conversas não chegaram muito longe.

“Percebi que ela queria fazer um livro mais parecido com o da Graziela [Gonçalves, viúva de Chorão], sobre a relação do casal, e não sobre a banda. Somado a isso, ela não tinha nenhum dinheiro para investir no projeto.”

O “livro da Graziela” ao qual se refere é “Se Não Eu, Quem Vai Fazer Você Feliz?” (2018), escrito pela viúva de Chorão, Graziela Gonçalves, a Grazon. Pedro confirma ter lido a obra, reconhece que ela lhe ajudou muito, mas aponta que se trata de “uma visão parcial da história”. Ele explica:

“Quando acabei de ler, pensei ‘este é um livro de posicionamento; ela quer mostrar o quanto foi importante’. E ela realmente foi, porque aturar um cara de altos e baixos por dez anos é digno de parabéns, mas é um livro de posicionamento; ela marca a posição dela, e me parece que ela tinha uma expectativa de sair como ‘herdeira’ no fim da história. ‘O Chorão morreu. Quem segurou a barra a vida inteira? Eu, né?’. Acho que ela escreveu o livro com essa intenção de ser reconhecida. E, no fim das contas, a coisa ficou muito mais sob responsabilidade do filho [do Chorão], Alexandre.”

Nesse ínterim, De Luna conheceu Eliane e Danielle, irmãs de Champignon, que asseguraram apoio total da família e ajudaram a estruturar o livro e a listar os possíveis entrevistados.

Triunfo sobre as adversidades

Embora não saiba de cor com quantas pessoas falou, Pedro de Luna estima ter entrevistado cerca de 50 pessoas, dentre as quais destaca o pai e, principalmente, as irmãs de Champignon. Ele também cita os produtores Tadeu Patolla e Carlo Bartolini; os músicos que tocaram com ele não só no Charlie Brown Jr, mas no Revolucionnários, no Music Legends e no Nove Mil Anjos; outros que tocaram com ele, mas não eram dessas bandas, como o falecido Canisso (Raimundos) e PJ (Jota Quest); e membros da equipe técnica do CBJr e roadies.

O autor lista, ainda, alguns nomes que se recusaram a dar entrevistas. Um deles surpreende pela proximidade ao biografado:

“O Marcão [guitarrista do Charlie Brown Jr] não deu entrevista, alegando um contrato de exclusividade que hoje acredito que fosse com o documentário ‘Chorão: Marginal Alado’ (2019). A primeira esposa do Champignon, com quem ele foi casado pouco mais de um ano, também não quis participar nem deixou a filha dele, que é menor de idade, participar. E o Digão (Raimundos) não retornou aos pedidos de entrevista.”

Por mais que certas ausências possam ter resultado em lacunas na história, De Luna compreende o porquê de ter ouvido alguns “não”. Nenhum deles foi por algum dos entrevistados possuir alguma rusga com Champignon — o autor cita que “as pessoas não sabem qual será a abordagem, se lhes será feita uma pergunta constrangedora” e comenta que o período de pandemia, sem entrevistas presenciais, dificultou o processo.

Outra dificuldade encontrada foi a escassez de rastros digitais do auge do Charlie Brown Jr. Sem Fotolog, MySpace e Orkut, restaram apenas jornais da época para saber a data exata de algum show ou premiação. E muitas dessas publicações não têm acertos digitalizados. Dificuldade à parte, o final do livro inclui uma cronologia detalhada; prova do quão “psicopata de data” — definição dada pelo próprio autor — Pedro é.

Autodidata, kardecista e pé-no-chão

Pedro de Luna conta que, durante sua pesquisa, fez várias descobertas acerca de Champignon que fazem dele um personagem interessante para se ler sobre. A primeira que lhe ocorre é o autodidatismo: o baixista realmente aprendeu a tocar sozinho, na frente da TV, e já se apresentava na noite aos 12 anos, quando conheceu Chorão.

O biógrafo também destaca o fato de Champ não ter se deixado corromper pela fama ou pelo dinheiro.

“Era um cara que apesar de ter recebido muitos prêmios e ganhado muito dinheiro, sempre se manteve muito desapegado das coisas materiais. Pelo contrário, era até ingênuo nesse aspecto, porque ajudou muitas pessoas.”

Um lado espiritualizado do músico também veio à tona:

“Kardecista, tinha mania de usar branco em datas especiais, como no nascimento da filha ou em shows muito importantes.”

Mas o que mais impressionou o biógrafo não foram as habilidades musicais, a postura pé-no-chão ou a espiritualidade de Champignon, e sim o quanto ele era querido por aqueles que o cercavam:

“Era um cara muito amado. A quantidade de áudios que tenho de gente do fã-clube ou de ex-namoradas dele, o amor com que falam dele, vozes embargadas… me fez pensar ‘como eu queria ter conhecido esse cara, porque devia ser um ser humano apaixonante’. E quanta gente falou da risada dele, o quanto era cativante!”

Champignon e Chorão: uma relação difícil

Quando o assunto é Charlie Brown Jr, muito se fala do “poeta Chorão” — denominação da qual Pedro de Luna discorda:

“‘Poeta’ é Cazuza, Renato Russo, né? O Chorão era o letrista da banda.”

Embora todas as narrativas reforcem que Champignon e Chorão eram como irmãos, a relação dos dois foi marcada por altos e baixos ao longo dos anos. Membros centrais do Charlie Brown Jr, eles eram conhecidos por suas personalidades fortes, e isso resultou em tensões, principalmente devido a diferenças criativas e de opinião sobre o rumo musical e as decisões internas.

Em 2005, após uma série de desavenças com Chorão, Champignon pediu as contas. Pedro de Luna conta que tais desavenças começaram quando o vocalista passou a não dar brecha para os demais membros contribuírem tanto, num processo que se deu…

“Conforme eles foram circulando no mainstream, conhecendo gente importante — produtores, executivos de gravadora —, e começaram a entender como funciona a questão dos direitos autorais. [Começaram a] entender que quem fazia a letra ganhava um valor X, e quem fazia a composição, outro valor X. Isso começou a gerar rusgas entre eles. Dinheiro é uma m#rda, porque corrompe, né?”

Mas não só dinheiro, vaidade também.

“Quando da saída dos integrantes originais [primeiro o guitarrista Thiago Castanho, e então Champignon, Marcão e o baterista Renato Pelado], o Chorão estava se sentindo o dono da bola. ‘A banda é minha, eu que criei, tem que ser tudo do meu jeito’. Tanto que a primeira matéria de circulação nacional que explanou o motivo da briga, na revista Capricho, tinha como título ‘Chorão Brown Jr’. Acho que era parte do temperamento dele controlar, querer ser tudo.”

Respirar Charlie Brown Jr 24 horas por dia, e cobrar que os outros assim o fizessem, acabou levando Chorão à ruína física e mentalmente. De Luna aponta:

“O cara não conseguia tirar férias. Ele foi criando um império que não era mais [só] a banda. Era banda, marca de roupa, pista de skate. Foi criando tanta coisa que virou escravo da própria criação, o que é muito triste.”

Não fosse toda essa necessidade por controle, crê o autor, Champignon poderia ter contribuído muito mais no Charlie Brown Jr.

“Depois [que saiu da banda em 2005] ele se mostrou um bom letrista e vocalista. Depois que o Chorão morreu, naqueles poucos meses de A Banca, ele foi eleito para cantar. Não foi algo pelo qual tenha pedido, pelo contrário; doeu muito nele não tocar mais baixo. Mas, sim, ele poderia ter sido muito mais do que o cara do beatbox e até ter cantado algumas músicas no Charlie Brown Jr.”

Esculacho e morte

Champignon e Chorão se reconciliaram e o baixista retornou ao posto em 2011. Mas a volta foi marcada por brigas, agressões físicas e um episódio que teria um impacto duradouro no relacionamento dos dois e no psicológico de Champ.

Durante uma apresentação do Charlie Brown Jr no dia 8 de setembro de 2012 em Apucarana (PR), Chorão retirou o microfone de Champignon e fez um longo discurso contra o baixista. O vocalista dirige-se diretamente ao companheiro e afirma que ele deveria “ficar muito grato” por ter sido aceito de volta à banda. Pedro de Luna afirma:

“O Chorão tinha cismado que o Champignon tinha que ficar pedindo desculpa o tempo todo. Eles se reuniram, mas nunca se acertaram, de fato.”

E aí entra um detalhe curioso: o suicídio do Champignon aconteceu exatamente um ano depois desse “esculacho” de Apucarana. A respeito das motivações que levaram o baixista a tirar a própria vida, Pedro de Luna especula:

“Ele tinha passado o dia na internet, não tinha dormido bem, tinha voltado de um show em que o Falcão, d’O Rappa, deixou ele mofando do lado de fora do camarim um tempão. Voltou para casa bem triste, chorando, e passou o dia na internet, discutindo pelo Facebook com um dos caras que ele tinha ajudado no passado, e eu imagino que o Facebook tenha mostrado a lembrança de um ano atrás para ele. Pensa: o cara já não estava bem, cheio de dívidas, magoado, um monte de problemas emocionais, saudade do Chorão… aí vem aquela lembrança do esculacho. Nada justifica você tirar a própria vida, mas naquele dia ele não estava bem. Foi um dia de m#rda que culminou numa noite ruim.”

“Saudade do Chorão”. Sabe-se que a morte de Chorão em março de 2013 afetou profundamente Champignon, que lutou para lidar com a perda do colega e amigo. “Eles brigavam pra c#ralho, mas se amavam”, explica o autor, que continua:

“Quis o destino que o Champignon estivesse morando em São Paulo naquele momento de 2013, então ele foi o primeiro a chegar no prédio do Chorão [no dia da morte] e, obviamente, todos os repórteres foram para cima dele.”

Além dos repórteres, os contratantes dos vindouros shows do Charlie Brown Jr.

“O Chorão recebia metade dos cachês [dos shows] adiantado. Quando ele faleceu, os contratantes não quiseram saber. ‘E aí? Vão vir fazer o show ou vão devolver a grana?’ Então, em um mês, os caras tiveram que inventar um nome, A Banca, e honrar todos aqueles compromissos.”

Em meio a essa agenda, menor que a do Charlie Brown Jr, Champ, que já estava emocionalmente muito fragilizado, recebeu a notícia de que seria pai pela segunda vez.

“Ou seja, duas pensões [para pagar]. E ele já tinha decretado falência, pois quando voltou para o Charlie Brown Jr já não era mais sócio, era músico contratado, então o cachê era menor. Pra piorar, um monte de fãs do Chorão começou a fazer hate na internet, chamando-o de Judas, mercenário. Daí, num lampejo de fúria, fraqueza e muito saquê, ele falou: ‘Quer saber? F#da-se’.”

Baixista dos sonhos — e seus baixistas dos sonhos

À morte de Champignon seguiram-se diversas homenagens, dentre as quais Pedro de Luna destaca a feita pelo Capital Inicial no palco do Rock in Rio — com direito a um “Viva Champignon!” após a banda tocar “Só os Loucos Sabem”, do Charlie Brown Jr.

Porém, o autor assegura que o baixista chegou a obter em vida o devido reconhecimento pelo talento que era:

“Teve, sim, e chegou a verbalizar isso quando foi eleito pelo terceiro ano seguido o ‘baixista dos sonhos’ no VMB [Video Music Brasil] de 2007. Ele agradece porque mesmo estando fora da mídia ainda é reconhecido por tocar pra caramba.”

Além do supracitado prêmio da antiga MTV Brasil, Champignon ganhou troféus no canal Multishow e na 89 FM, rádio rock de São Paulo. O biógrafo afirma:

“Quando ele saiu do Charlie Brown Jr também foi a primeira vez que ele foi capa de revista, só ele, sem a banda, e começou a dar entrevistas sendo o Champignon, e não representando o Charlie Brown Jr. Tenho certeza que, naquele momento, ele reconheceu que tinha seu valor independentemente da banda em que estivesse.”

De Luna não conheceu Champignon pessoalmente, mas sua pesquisa lhe permite traçar um perfil completo do músico; a começar pelas influências musicais, das óbvias às nada óbvias:

“Ele citava sempre o Jaco Pastorius, Flea (Red Hot Chili Peppers), Robert Trujillo (Infectious Grooves, Suicidal Tendencies, futuramente Metallica). Ele ouvia rock, hardcore, mas também gostava de jazz e hip-hop. E pouca gente sabe, mas na metade dos anos 2000 ele começou a gostar muito de música eletrônica, e quando saiu do Charlie Brown Jr em 2005, um dos projetos dele era tocar baixo com batidas eletrônicas de um DJ, algo assim. Ele chegou a encomendar umas bases para o Zegon, do Tropkillaz, que também era DJ do Planet Hemp, pois tinha muito interesse em tocar alguma coisa que pudesse fazer com pouca gente ou até sozinho, e a música eletrônica permitia isso.”

*“Champ: A Incrível História do Baixista Champignon do Charlie Brown Jr” pode ser adquirido por meio da Amazon (clique aqui).

** No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV), associação civil sem fins lucrativos, oferece apoio emocional e prevenção do suicídio, gratuitamente, 24 horas por dia. Qualquer pessoa que queira e precise conversar, pode entrar em contato com o CVV, de forma sigilosa, pelo telefone 188, além de e-mail, chat e Skype, disponíveis no site www.cvv.org.br.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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