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Entrevista: Miljenko Matijevic fala sobre Steelheart atual, acidente e “Rock Star”

Vocalista volta atrás em recente declaração sobre ter sido traído por ex-colegas e reflete sobre “Steelheart 30”, álbum que revisita o legado da banda

Em texto originalmente publicado em meu site, e revisto e atualizado para publicação em IgorMiranda.com.br, chamo Miljenko Matijevic de “herói do coração de aço”. Mais do que mera tradução do nome de sua banda, Steelheart, a denominação se aplica à história de vida do vocalista croata, cuja trajetória foi momentaneamente interrompida por uma cilada do destino.

Hoje, aos 58 anos, Miljenko celebra suas mais de três décadas dedicadas à música com “Steelheart 30”, lançado de maneira independente e disponível para compra apenas no site oficial do Steelheart.

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Embora o foco do bate-papo abaixo tenha sido o álbum comemorativo, é impossível não abordar com ele certos pontos nevrálgicos de sua carreira, incluindo, é claro, a volta por cima em que nem mesmo o mais otimista dos otimistas poderia apostar.

“Sempre há como consertar as coisas”

De acordo com o press-release disponível no site oficial, “Steelheart 30” consiste em “novas gravações e faixas recém-remixadas e remasterizadas, incluindo sucessos, [algumas] preferidas dos fãs e [aquelas] obrigatórias nos shows”. Ou seja, uma celebração à carreira do Steelheart, e não só a seu disco de estreia homônimo lançado em 1990, como Miljenko explica:

“É uma homenagem à minha trajetória, a tudo que fiz até hoje. São mais de trinta anos viajando pelo mundo, tocando, cantando e compondo. Senti que chegara a hora de prestar o devido respeito a esse legado. Daí regravei sucessos como ‘She’s Gone’ e ‘Mama, Don’t You Cry’ com uma orquestra de 40 músicos; ‘I’ll Never Let You Go (Angel Eyes)’ em formato acústico num dueto com uma jovem cantora que não vou dizer quem é; ‘Everybody Loves Eileen’ totalmente repaginada… enfim, músicas que significam um tanto para mim.”

Conto a Miljenko que não é necessário fazer mistério quanto à identidade da jovem cantora, visto que seu nome consta dos créditos do álbum: SteviAnn, sua filha. Ele revela que a ideia de convidá-la a participar veio na sequência de algumas tentativas frustradas com cantoras mais famosas:

“Eu estava voando, voltando de um show. Eram tipo onze e meia da noite quando me ocorreu: ‘por que não convidar minha filha?’ Daí, enviei uma mensagem para ela, perguntei se ela toparia fazer esse dueto. ‘Ai, meu Deus! Você está falando sério?’ ‘Seríssimo.’ Ela respondeu que sim, que pegaria um avião para Los Angeles assim que pudesse. Mal sabia ela que, antes de enviar a mensagem, eu já havia comprado a passagem!”

Pai e filha se reuniram em estúdio alguns dias depois, e o resultado Miljenko compara ao dueto de Frank Sinatra com sua filha, Nancy, na faixa “Somethin’ Stupid”:

“Foi uma dádiva, uma bênção. Ela fez um trabalho incrível e deu nova cara a essa música cuja letra não é necessariamente sobre um relacionamento amoroso. Fala sobre amor, mas pode ser amor de pai e filho, amor fraterno, amor por alguém que foi à guerra ou já partiu desta vida. ‘I’ll Never Let You Go’. Nunca vou deixar que você se vá. Não importa o que aconteça, você estará sempre na minha mente, no meu coração.”

Outro destaque de “Steelheart 30” é uma nova versão de “Trust in Love” com a participação vocal de fãs de todo o mundo. A ideia surgiu em meio à pandemia, conforme Miljenko detalha:

“Publiquei [na internet] uma mensagem destinada a todos os meus fãs, convidando-os a enviar áudios ou vídeos seus cantando o refrão da música. Eu lhes disse: ‘Pouco importa se você é afinado ou não, apenas cante’. Recebi cerca de 350 contribuições; desde áudios gravados no celular a vídeos realizados de maneira profissional em estúdio. E dá pra sentir a força de toda essa gente no resultado final.”

Inicialmente escrita como um apelo de paz entre as Coreias do Norte e do Sul, “Trust in Love” logo adquiriu caráter universal — “guerras ridículas e sem sentido são uma realidade em inúmeros países”, diz —, o que levou Miljenko a gravá-la em uma porção de idiomas após a versão original, em inglês.

“Depois que lançamos o videoclipe e vimos a repercussão, senti que talvez devesse gravá-la em croata. E então, em italiano. E quem sabe em português, mandarim, japonês, russo, indiano… Fiz em uns dez idiomas, mas a mensagem permaneceu inalterada: sempre há uma maneira de consertar as coisas, e o primeiro passo é acreditar no amor.”

“Trust in Love” também proveu inspiração para um longa-metragem homônimo, com estreia prevista para meados deste ano. O filme dirigido pelo britânico Mick Davis (“A Aposta”, “Uma Namorada para Meu Pai”) marca a estreia de Miljenko na atuação, feito do qual se diz “muito orgulhoso”. “Amei o trabalho e trabalhar com todos no set”, afirma.

“Um filme divertido sobre rock ‘n’ roll”

A carreira de ator propriamente dita pode ser novidade, mas o envolvimento de Miljenko com a sétima arte data de mais de duas décadas, quando deu voz a Chris “Izzy” Cole, personagem interpretado por Mark Wahlberg em “Rock Star” (2001).

Baseado na história de Tim “Ripper” Owens, que de fã do Judas Priest tornou-se vocalista da banda, o filme contava, além de Wahlberg, com Jennifer Aniston — à época, um dos maiores cachês de Hollywood — e roqueiros como Zakk Wylde, Jeff Pilson e Jason Bonham, entre outros.

Para Miljenko, um sucesso de bilheteria poderia ter virado a mesa em seu favor, projetando-o para além do nicho no qual é reconhecido. Infelizmente, o destino tinha outros planos:

“Na primeira semana [nos cinemas], [‘Rock Star’] foi a segunda maior bilheteria do país. A ideia, portanto, era lançar minha música ‘We All Die Young’, que faz parte da trilha sonora, na quarta-feira da semana seguinte, com direito a videoclipe, num p#ta plano de marketing. Só que na terça ocorreram os atentados de 11 de setembro, e toda e qualquer música que tivesse palavras como ‘Kill’ (‘Matar’), ‘Die’ (‘Morrer’), ‘Blood’ (‘Sangue’) e afins foram varridas das rádios e dos canais de música da TV. A partir daí, foi um efeito dominó: a procura pelo filme caiu drasticamente, e o faturamento repercutiu isso.”

O tempo se encarregou de conferir a “Rock Star” um status de cult, mas será que, para além da trilha sonora e de todos os nomes de peso envolvidos, Miljenko o acha um bom filme?

“Acho excelente. Foi muito bem-feito. Mark fez um trabalho e tanto. Todos fizeram. É um filme divertido sobre rock ‘n’ roll que entrega o que promete.”

“O acidente é responsável por quem sou”

Toda a ambientação de “Rock Star” se dá na segunda metade dos anos 1980, quando o chamado glam metal dominava tanto as paradas de sucessos quanto as listas de clipes mais pedidos na programação da MTV.

Produto dessa cena, o Steelheart foi dos muitos grupos que chegaram tarde na festa. Miljenko avalia:

“Demos duro pra car#lho, né? Batemos em todas as portas que pudemos e muitas vezes ouvimos ‘não’ como resposta. Mas beleza. Se tivéssemos dado as caras em 1985 ou 1986, a realidade teria sido outra. Teríamos feito muito mais sucesso. Daí sofri meu acidente, e então o grunge tomou conta. Mas é fato que o Steelheart teria voado muito mais alto se tivesse chegado mais cedo.”

O acidente ao qual Miljenko se refere ocorreu no Halloween de 1992, na McNichols Sports Arena em Denver, Colorado. O Steelheart, recém-chegado de uma bem-sucedida turnê pela Europa, era banda de abertura do Slaughter, também gozando de um pico de popularidade: seu mais recente trabalho, “The Wild Life” (1992), tinha alcançado a 8ª posição na Billboard. Durante a música “Dancin’ in the Fire”, Matijevic decidiu escalar uma das torres de iluminação sem se dar conta do perigo que isso representava. O peso fez a estrutura vir abaixo, derrubando o vocalista, esmagando o seu rosto contra o palco.

Passadas três décadas, Miljenko reconhece a fatídica noite como um divisor de águas na sua vida. Para ele:

“[O acidente] é responsável por quem sou. É parte da minha vida. Todo mundo já passou por algo do tipo, capaz de mudar sua perspectiva em relação a tudo. Eu poderia ficar me lamentando, sentindo raiva, mas prefiro não.”

O acidente não apenas sinalizou o encerramento das atividades do Steelheart, que jamais voltaria a tocar com a formação clássica, como chegou perto levar Miljenko a óbito: somada às fraturas no nariz, na mandíbula, no queixo e na coluna, o vocalista foi vítima de uma grave perda de memória. A recuperação levaria anos e lhe custaria muito caro, mas…

“Ficar à deriva, como fiquei, foi um desafio e tanto. Não recomendo. Por outro lado, abriu meus olhos para uma porção de coisas. Aos poucos fui me dando conta de que havia muita coisa a ser feita, de que um propósito maior me aguardava. Se um tubarão resolve parar de nadar, ele morre, né? Houve dias bons, assim como houve dias ruins. Felizmente, os dias bons prevaleceram sobre os ruins e é isso: me sinto vivo, e é muito bom estar vivo.”

“Bandas são como relacionamentos: às vezes não dão certo”

Com base numa entrevista dada por Miljenko Matijevic à Metal Edge em janeiro na qual ele diz que foi traído pelos ex-colegas de Steelheart após o acidente — “Ninguém apareceu na minha casa para ver como eu estava. Nunca esquecerei isso. O baterista John Fowler ligou um dia e perguntou: ‘Ei, você acha que podemos receber nossos cheques no início deste mês?’ Essa foi a única vez”, disse ele —, pergunto se o “abrir os olhos” o qual mencionou acima tem a ver com isso. Sua resposta meio que lhes alivia a barra:

“Eu e aqueles caras tínhamos uma história. Me recuso a atirá-los na fogueira a essa altura. Foi uma época estranha, sabe? Talvez eles estivessem confusos diante de tudo o que aconteceu, ou sem rumo. Eles provavelmente sacaram que era o começo do fim. Mas quer saber? A vida tem dessas. Às vezes não damos conta de ver as coisas com clareza. Não guardo ressentimentos deles ou de qualquer outra pessoa. Ninguém sabe o que outro está passando de verdade. Ninguém se abre cem por cento em relação aos próprios problemas. Talvez todos estivessem profundamente magoados, não há como saber. Bandas, no fim das contas, são como relacionamentos; e relacionamentos, às vezes, não dão certo. Tudo corre o risco de não dar certo.”

“Os anos 1980 já eram” — será?

A julgar pelos álbuns que vieram depois da recuperação, começando por “Wait” (1996), pode-se dizer que Miljenko é artista dos mais ecléticos e inquietos. Está sempre em busca de explorar novos territórios musicalmente falando.

Apesar de isso ser algo bem-recebido pelos fãs, ele confessa que uma parcela ainda sente falta da sonoridade de “Steelheart” e de seu sucessor, “Tangled in Reins” (1992). Ainda assim, não se deixa abalar por cobranças veladas:

“Veja, eu amo fazer música e amo todos os tipos de música. Gravei um álbum inteiro de música típica indiana e outro mais voltado para o jazz. Ambos os projetos são completamente diferentes do Steelheart, mas esta é a minha vida, este sou eu. Não que eu seja egoísta ou não leve em consideração as expectativas do meu público, mas é importante que as pessoas entendam que sou um artista. Nem todos recebem de braços abertos tudo o que faço, mas, cá entre nós: os anos 1980 já eram. Posso até usar elementos que remontem àquela época, mas com uma abordagem moderna. Vivo no presente.”

E nesse presente em que vive, Miljenko vê crescente interesse nos artistas e bandas oriundos da década de 1980. Monsters of Rock Cruise e diversos festivais nos Estados Unidos e na Europa têm por missão celebrar o hard rock de outrora. Para ele, trata-se não só de “manter o sonho vivo”, mas de…

“Apresentar essa música às novas gerações. Vejo uma porção de garotos de 15, 16, 17 anos na grade dos shows. Quer prova maior de que há mercado para esse tipo de som? O Cruise e esses festivais são uma senhora oportunidade para os saudosistas assistirem a várias bandas da juventude de uma vez. No fim das contas, [o hard rock dos anos 1980] não envelhece. Sempre alguém, em determinado momento, colocará um som dessa época para rolar. E isso é maneiro pra c#ralho.”

Não seria cordato de minha parte encerrar uma entrevista com um sujeito que tantas vezes se viu controlado pelo destino com uma pergunta acerca do que o futuro lhe reserva. Mais adequado questioná-lo sobre o que ele espera realizar ainda na música, ao que responde:

“Espero alcançar o máximo de pessoas possível e que todas vejam quem sou e o que faço por meio das minhas letras. Quero que minha música continue proporcionando alegrias e sorrisos, amor e motivação. O que quer que as pessoas busquem ao ouvir minha música, espero que encontrem. Sei lá o que a vida me reserva, não tenho como antecipar cenas dos próximos capítulos, mas espero poder continuar fazendo música que dialogue com as emoções das pessoas.”

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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