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Quando o AC/DC recalculou a rota para a América em “Powerage”

Disco que marca estreia do baixista Cliff Williams é o favorito de Keith Richards (Rolling Stones); bem-sucedida turnê americana fez vendas dispararem

“Doing nothing means a lot to me” (“Não fazer nada significa muito para mim”), canta Bon Scott em “Down Payment Blues”. Tal verso não poderia ser mais inverídico. Se teve coisa que o AC/DC não fizera desde o início de sua caminhada em 1974 foi “não fazer nada”.

A campanha de “Powerage” que o diga: de abril a outubro de 1978, foram 107 shows ao todo, abrangendo três continentes. O quinto álbum de estúdio do grupo também conquistou admiradores de peso e é o favorito de um de seus principais criadores.

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Experimentando na Austrália

Era final de fevereiro de 1978 quando o AC/DC e sua equipe técnica desembarcaram em Sydney, Austrália, para se prepararem para a gravação de seu quinto álbum de estúdio.

Energizados pela bem-sucedida etapa norte-americana da turnê de “Let There Be Rock” (1977), Bon Scott (vocais), os irmãos Angus (guitarra solo) e Malcolm Young (guitarra base), Phil Rudd (bateria) e o recém-chegado baixista Cliff Williams estavam decididos a fazer o que fosse necessário para que o grupo estourasse nos Estados Unidos. O disco precisaria mostrar que o AC/DC seria capaz de competir fora de casa com Aerosmith, Kiss, Alice Cooper, Ted Nugent e outros peixes grandes da América.

Como isso seria feito? Mostrando aos críticos não só a energia de bons performers, mas a segurança de bons músicos. Por isso, “Powerage” demorou mais tempo para ser gravado do que os discos anteriores da banda: foram várias semanas experimentando, tanto na estrutura de riffs dos Young quanto na perspectiva das letras de Bon, mas sem abrir mão da espontaneidade e do despojamento.

Por exemplo, em uma entrevista de 1979, Angus explicou como a introdução de “What’s Next to the Moon” surgiu:

“Estávamos no estúdio e eu tinha acabado de quebrar uma corda. Em vez de trocar de guitarra, preferi manter a que estava, porque o som dela estava animal naquele dia! Então só troquei a corda e, para testar a afinação, toquei algumas notas seguidas de um acorde. Malcolm disse: ‘Essa seria uma boa introdução para uma música.’ E assim surgiu a introdução de ‘What’s Next to the Moon’.”

No que tange à perspectiva de Bon enquanto letrista, não há melhor exemplo de desbravamento de outras frentes que a amarga “Gone Shootin’”. Quando escreve “I stirred my coffee with the same spoon” (“Mexi meu café com a mesma colher”), a inspiração vem de Silver, mulher viciada em heroína com quem mantinha um relacionamento; a colher do café era a mesma usada para o preparo da droga.

O assunto vícios volta aos holofotes em “Up to My Neck in You”, cuja letra diz “I been up to my neck in whiskey / I been up to my neck in wine / I been up to my neck in wishin’ / that this neck wasn’t mine” (“Vivia até o pescoço com uísque / Até o pescoço com vinho / Até o pescoço desejando / Que o pescoço não fosse meu”).

Em óbvia correlação à cidade de Las Vegas, “Sin City” abusa de metáforas para antecipar a tomada de assalto do AC/DC na América. A banda é o apostador e os EUA são a mesa no qual todas as fichas estão sendo apostadas.

Eletrificando os Estados Unidos

Apesar da força das oito faixas — nove se contarmos “Cold Hearted Man”, presente apenas nas primeiras edições do LP lançado na Grã-Bretanha — apresentadas à Atlantic Records, a gravadora “sugeriu” que o AC/DC gravasse mais uma, mais comercial, que pudesse ser levada às rádios e que estas quisessem tocar. Daí surgiu “Rock ‘n’ Roll Damnation”, gravada acrescentada no último minuto ao novo disco como faixa de abertura.

“Powerage” foi lançado primeiro no Reino Unido, em 28 de abril, mesma data em que o single inaugural, “Rock ‘n’ Roll Damnation”, entrou nas paradas britânicas em 51º lugar, chegando ao 24º, sua melhor colocação, em 15 de maio. Dez dias depois, “Powerage” foi lançado nos Estados Unidos. Passado um mês, teve início uma eletrizante turnê norte-americana de 67 shows.

No dia 23 de julho, 70 mil fãs aplaudiram de pé o grupo no Oakland Coliseum, em San Francisco, na terceira edição do festival Day on the Green. Mesmo se apresentando às 10h30 da manhã, a banda roubou a cena. Em Chicago, no dia 5 de agosto, o grupo encantou uma multidão de 40 mil pessoas no Summer Jam, o maior festival de rock da cidade, eclipsando Aerosmith, Foreigner, Van Halen e Cheap Trick. Em Nova York, no dia 24 de agosto, o Palladium já estava lotado quando a banda, trazida como atração de abertura para o Rainbow, subiu ao palco — o que Ritchie Blackmore deve ter adorado.

Menos de seis meses depois do lançamento de “Powerage”, a Atlantic Records lançaria o primeiro álbum ao vivo do AC/DC. Intitulado “If You Want Blood (You’ve Got It)”, o disco foi gravado em Glasgow, Escócia, no dia 30 de abril. A capa, numa alusão à agenda exaustiva que vinha sendo mantida pela banda desde 1974, traz uma foto de Angus empalado pela própria guitarra.

Quando 1978 chegou ao fim, “Powerage” tinha vendido 150 mil cópias, garantindo posteriormente o primeiro disco de ouro para o AC/DC nos Estados Unidos — tornando-se platina com o passar dos anos. O álbum também chegaria à 23ª posição nas paradas britânicas.

O preferido de muitos

Embora bons de modo geral, os números continuaram ruins na opinião da gravadora. Na Austrália, “Powerage” tinha sido o pior disco do AC/DC em vendas, mas Michael conforme Browning, então empresário do grupo, conta ao biógrafo Mick Wall em “AC/DC: A biografia” (Globo Livros, 2014): “Conheço muitos fãs que acham que é o melhor disco da banda.”

Entre esses fãs, luminares do mundo da música, como Keith Richards (The Rolling Stones) — que volta e meia ouve “Powerage” enquanto se aquece para tocar ao vivo —, Eddie Van Halen (Van Halen), Slash (Guns N’ Roses) — ambos listaram “Down Payment Blues” entre seus riffs de guitarra favoritos — e Joe Perry (Aerosmith), que em artigo para a Classic Rock Magazine, falou sobre o disco:

“Todos os discos com Bon Scott são ótimos e ‘Powerage’ é, definitivamente, um dos meus favoritos. Ele destila perfeitamente tudo que gosto no rock ‘n’ roll em sua essência. Como guitarrista, obviamente, sou atraído pelos riffs e a maneira como Angus Young detona em cada solo. Mas então, você ouve as histórias que Bon tem a contar nas letras e isso é simplesmente maravilhoso.”

Outro que aponta “Powerage” como seu disco favorito do AC/DC é o baixista Cliff Williams. A Wall, ele revela que:

“Há claramente muita química ali. Era um ambiente de trabalho cheio de energia. Chegávamos ali, nos preparávamos e trabalhávamos por muitas horas… Foi uma experiência tremenda — e o disco acabou ficando muito bom.”

Difícil não concordar.

AC/DC — “Powerage”

Fotos: divulgação
  • Lançado em 25 de maio de 1978 pela Albert / Atlantic
  • Produzido por Harry Vanda e George Young

Faixas:

  1. Rock ‘n’ Roll Damnation
  2. Gimme a Bullet
  3. Down Payment Blues
  4. Gone Shootin’
  5. Riff Raff
  6. Sin City
  7. Up to My Neck in You
  8. What’s Next to the Moon
  9. Cold Hearted Man
  10. Kicked in the Teeth

Músicos:

  • Bon Scott (vocais)
  • Angus Young (guitarra solo)
  • Malcolm Young (guitarra rítmica, backing vocals)
  • Cliff Williams (baixo e backing vocals em todas as faixas, exceto 9)
  • Phil Rudd (bateria)

Músico adicional:

  • Mark Evans (baixo na faixa 9)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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