Tudo corria dentro do esperado no São Paulo Metal Fest até o final do show do Cynic. Se o Carioca Club não estava lotado, também estava longe de estar vazio. Apesar do adiantado da hora, não houve muita deserção. Deu meia-noite, porém, e nada do Moonspell no palco – a primeira banda a não cumprir o programa.
O atraso de vinte minutos para a apresentação dos portugueses poderia ter passado em branco, não fosse pela organização obrigá-los a encurtar seu repertório. Fernando Ribeiro, líder do grupo, não teve papas na língua para culpar o Cynic por não cumprir seu horário.
Não que o São Paulo Metal Fest tenha sido perfeito, mas reduzir sua primeira edição a essa picuinha seria tirar o valor da empolgante apresentação do Beyond Creation e da linda estreia do Cynic no Brasil – se o grupo por um lado estourou seu horário, por outro teria sido um crime reduzir seu repertório. Além da devastadora participação do Moonspell.
*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox
O São Paulo Metal Fest
O evento realizado na última sexta-feira (14) no Carioca Club foi a primeira edição do minifestival organizado pela IDL Entertainment. A produtora atua organizando turnês pela América Latina há mais de dez anos, mas recentemente tem aparecido mais promovendo diretamente seus próprios shows no Brasil.
O festival no país acabou sendo um encontro de duas turnês: os portugueses do Moonspell encerravam seu longo giro latino-americano ao lado dos chilenos do Weight of Emptiness, enquanto os canadenses do Beyond Creation e os americanos do Cynic abriam sua excursão pelo mesmo continente.
Para dar um tempero brasileiro ao evento, foram chamados os mineiros do New Democracy e o Hatefulmurder, do Rio de Janeiro.
Por ser um evento com quatro bandas estrangeiras, o preço do ingresso abaixo de 200 reais foi um ótimo atrativo. Contudo, fazer o festival numa sexta-feira, com previsão de término do show do headliner após uma da manhã, pode ter acabado pesando mais ao público do que o orçamento já apertado com dois mega festivais agendados para os fins de semana seguintes (Monsters of Rock e Summer Breeze).
Dessa forma, o Carioca Club, que comporta 1,2 mil pessoas, teve no máximo metade de sua capacidade preenchida. A área aberta lateral nem foi aberta exceto para fumantes, com os estandes de merchandising montados ao fundo da pista ao lado da mesa de som.
Bandas brasileiras com público pequeno e desinteressado
Festival com apenas um palco é correria para organização e tempo diminuto para as bandas. Os mineiros do New Democracy, assim, não perderam muito tempo para mostrar o seu death metal melódico, também com pitadas de momentos mais agressivos de Machine Head e Gojira, mas com bastante presença do teclado.
O New Democracy entrou com pontualidade quase britânica e, por 30 minutos, tentou tirar as pouco mais de cinquenta pessoas já presentes de uma certa letargia, com pedidos de mosh vindo dos músicos ignorados.
O repertório do grupo de Varginha se focou em faixas do último disco, “The Plague” (2022), como “Black Blood”, que abriu o festival, e “Creation of My Sin”. A influência óbvia de Children of Bodom rendeu o cover de “Angels Don’t Kill”, que também não despertou reações mais acaloradas.
*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Repertório – New Democracy:
- Intro
- Black Blood
- Blood On Nile
- Creation Of My Sin
- Angels Don’t Kill
- The Way We Die
As cortinas se abriram para a banda carioca Hatefulmurder no horário agendado e até parecia que “Mr. Crowley”, clássico do Ozzy Osbourne, era uma faixa de introdução.
Não foi o caso, mas alguns minutinhos depois, começou uma contagem regressiva que parou no “SIX SIX SIX” e veio a vocalista Angelica Burns chamando o público à frente para “Reborn”, faixa-título de seu último álbum de 2019 que abriu sua enérgica apresentação.
Também com trinta minutos no palco, a banda do Rio de Janeiro se esforçou um pouco mais para tentar contagiar o público com um metalcore com pitadas de thrash e death metal, mas também sem muito sucesso.
Um pedido de wall of death não animou mais do que dez pessoas. Na faixa “Red Eyes”, do disco de mesmo nome lançado em 2017 e que marcou a estreia da atual vocalista, os pedidos de Angélica para o público cantar junto não foram correspondidos.
Ao terminar seu set com “Creature of Sorrow”, do mesmo álbum, pedindo coros da plateia, a resposta dos então quase 200 presentes foi pífia. Ainda assim, a banda agradeceu a cada pessoa por ter chegado cedo e acompanhado sua apresentação.
*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Repertório – Hatefulmurder:
- Reborn
- Worshipers of Hatred
- Silence Will Fall
- Red Eyes
- My Battle
- Psywar
- Creature of Sorrow
Weight of Emptiness
Quando os chilenos do Weight of Emptiness entraram no palco, quinze minutos depois e cumprindo o horário combinado, parecia que finalmente o público despertara. Talvez pela curiosidade para ver o vocalista Alejandro Ruiz encapuzado e maquiado comandando a apresentação.
O grupo subiu ao palco ao som da introdução “Mütrütum (The Calling)”, de seu disco mais recente “Withered Paradogma”, lançado este ano, seguida por “Defrosting”, uma paulada que despertou as primeiras reações efusivas do público em São Paulo.
Não que o som do grupo de Santiago fosse exatamente mais animado. Mesclando influências de metal extremo com passagens mais melancólicas e alguns riffs típicos doom aqui e acolá, assim como alternando urros e vocais limpos, a banda aproveitou bem seus trinta minutos, nos quais incluiu sua canção autointitulada lançada no álbum “Anfractuous Moments for Redemption” (2017), e de forma geral agradou o público paulistano.
*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Repertório – Weight of Emptiness:
- Mütrümtum (The Calling)
- Defrosting
- Chucao
- Wolves
- Weight of Emptiness
- Unbreakable
Beyond Creation
A meia-hora de espera para o começo do show do Beyond Creation foi o primeiro momento mais tedioso do São Paulo Metal Fest. Num festival sem acesso à área externa, manter as pessoas fechadas por muito tempo entre as bandas não cria das situações mais agradáveis.
Quando os canadenses subiram no palco, porém, qualquer aborrecimento foi por água abaixo. O Beyond Creation se comportou como se fosse um dos headliners da noite.
A resposta do público esteve de acordo com a expectativa e deixou os músicos no palco bastante empolgados ao reproduzir nota por nota seus complexos técnicos arranjos.
Os canadenses ficaram no palco por 50 minutos e seu repertório foi abrangente de toda a carreira, a começar por abrir com “Fundamental Process”, de “Earthborn Evolution”, lançado em 2014, até o final como “Omnipresent Perception”, de seu álbum de estreia “The Aura”, de 2011.
Pela primeira vez, rodas de mosh se abriram na pista. O festival, enfim, engrenava. Mas uma nova e enorme pausa colocaria tudo a perder de novo.
*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Repertório – Beyond Creation:
- Fundamental Process
- Earthborn Evolution
- In Adversity
- Ethereal Kingdom
- Algorythm
- Coexistence
- Omnipresent Perception
Cynic
Os 40 minutos de intervalo após o final do Beyond Creation apenas aumentaram a espera pelo momento mais aguardado do São Paulo Metal Fest: a estreia do Cynic no Brasil prometia celebrar o aniversário de 30 anos de seu icônico disco “Focus”, reproduzindo na íntegra este que é um dos pilares da consolidação do death metal como um estilo musicalmente versátil.
O guitarrista Paul Masvidal e o falecido baterista Sean Reinert já tinham ajudado o lendário Chuck Schuldiner a revolucionar o metal extremo no clássico “Human”, lançado pelo Death em 1991. A formação durou pouco tempo, assim como o Cynic, que se desintegrou pouco após lançar seu álbum de estreia.
Masvidal e Reinert, ao lado do icônico baixista Sean Malone, retomaram as atividades da banda nos anos 2000 com lançamentos que beiravam muito mais o rock progressivo do que o death metal. Com a morte do baterista e também a do baixista, ambas em 2020, o guitarrista-vocalista segue tocando o Cynic praticamente como um projeto solo.
Acompanhando Masvidal nesta noite estavam o baterista Matt Lynch, que já excursionou com o Intronaut, banda cultuada de prog/post-metal; o baixista Brandon Griffin e o tecladista Ezekiel Kaplan – além do guitarrista e gritador Max Phelps, também conhecido como o “clone” de Chuck Schuldiner no Death to All, projeto tributo à lendária banda.
Como prometido, o Cynic subiu pontualmente ao palco às 22h30 e logo de cara executou faixa a faixa o clássico álbum de 1993, para um público mais contemplativo da mistura de arranjos melodiosos a momentos mais agressivos que tornaram clássicas faixas como “Veil of Maya”, “Uroboric Forms” e “How Could I”.
Depois de uma pequena pausa sob efeitos pré-gravados com uma homenagem no telão aos companheiros da formação clássica da banda falecidos em 2010, não estava muito claro se o show já tinha acabado ou não.
A dúvida se encerrou com o início de “Kindly Bent to Free Us”, do disco homônimo de 2014. O Cynic então ficou no palco por mais 40 minutos, executando as introspectivas faixas progressivas de seus discos mais recentes.
Ninguém reclamou deste respiro de beleza numa noite dedicada a vertentes extremas do heavy metal quando o grupo deixou o palco ovacionado após a faixa “In a Multiverse Where Atoms Sing”, de seu mais recente álbum, ”Ascension Codes”, de 2021.
Repertório – Cynic:
Focus
- Veil of Maya
- Celestial Voyage
- The Eagle Nature
- Sentiment
- I’m But a Wave to…
- Uroboric Forms
- Textures
- How Could I
Segunda parte
- Kindly Bent to Free Us
- Adam’s Murmur
- Aurora
- Box Up My Bones
- Evolutionary Sleeper
- In a Multiverse Where Atoms Sing
Moonspell
Normalmente, as cortinas do Carioca Club ficam fechadas no intervalo entre as bandas. No entanto, a preparação do palco para o Moonspell foi feita às claras e, quase à meia-noite, não havia nem bateria montada no palco – as bandas anteriores compartilharam o mesmo kit.
Foram vinte minutos de atraso – intervalo de 35 minutos desde a saída do Cynic – até que a bateria personalizada de Hugo Ribeiro e o teclado inspirado em órgão medieval de igreja de Pedro Paixão estivessem prontos no palco enquanto “Mr. Crowley”, agora sim, indicava o marco para o início do show do Moonspell.
A trupe capitaneada pelo vocalista Fernando Ribeiro subiu pela oitava vez num palco na cidade de São Paulo, 25 anos após sua estreia na extinta Broadway, na Barra Funda.
O repertório celebrou os trinta anos de carreira do grupo e viajou por quase toda a sua discografia. Após as passagens intrincadas e celestiais do Cynic, o Moonspell no palco soava como um rolo compressor demoníaco. Para reação empolgada do público que se sustentava à beira da grade na casa madrugada adentro.
A boa escolha de músicas animadas seguiu o padrão apresentado na turnê latino-americana do grupo. Faixas mais recentes como “Extinct” e “From Lowering Sky” conseguiram resposta efusiva do público tanto quanto a clássica “Opium” ou a emotiva balada “Scorpion Flower”, utilizando os vocais de Anneke van Giersbergen pré-gravados.
Até então, Fernando Ribeiro se comunicava num bom humor com o público paulistano, abusando do seu repertório de gírias típicas do português brasileiro. Aliás, as faixas cantadas em sua língua nativa do disco “1755” (2017) receberam empolgados coros.
Tudo isso mudou quando o vocalista anunciou que o avisaram da necessidade de encurtar seu show, pois o Cynic estourara em vinte minutos o seu tempo. O português não se referiu aos americanos de forma diplomática, porém adotou irada elegância, citando, em seu português lusitano irritado, uma falta de respeito com o público e organização do evento.
Assim, foram antecipadas as clássicas “Alma Mater”, sob luzes verde e vermelha, formando as cores da bandeira portuguesa, e “Full Moon Madness”, faixa soturna que recebeu iluminação adequada, sob os derradeiros coros, uibos e aplausos da primeira edição do festival por volta de uma e meia da manhã.
Repertório – Moonspell:
- The Greater Good
- Extinct
- Opium
- Finisterra
- In and Above Men
- From Lowering Skies
- Breathe (Until We Are No More)
- Nocturna
- Scorpion Flower
- Em nome do medo
- Todos os santos
Bis:
- Alma Mater
- Full Moon Madness
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Tive a impressão de que dois dos três microfones do Cynic estavam com problema… de onde eu estava, só conseguia ouvir o microfone do Max Phelps. Pude perceber isso nas poucas vezes em que o Masvidal falou com o público, já que não consegui ouvir nada. Mas na hora que o Max cantava, podia ouvir claramente.
De frente para o palco, eu estava no lado esquerdo.
Realmente o microfone do Paul estava baixo, mas ele também não desligava os efeitos na hora de falar, aí não dava pra entender nada mesmo.
Eu achei uma má escolha terem colocado o Cynic, no primeiro show da primeira turnê na América Latina dentro de um festival sem ser headliner. Isso afetou a divulgação, pois o festival foi divulgado com foco no Moonspell, que atrai um público bem diferente. Algumas pessoas, como eu, fomos só pra ver Cynic e Beyond Creation, mas nem de longe foi o público que uma turnê dessa merecia. Os shows foram muito bons, mas o do BC além de curto, não teve tanto ânimo da plateia quanto um show desse tipo geralmente tem. Mas o show do Cynic foi o mais afetado, a maioria da plateia parecia estar só guardando lugar pro show do Moonspell. Todos parados, sem cantar ou se mexer com as músicas. Vi poucas pessoas curtindo de verdade. Vendo os vídeos dos outros shows da turnê dá pra perceber a diferença gritante da animação do público. Espero que isso não desanime a banda de voltar mais vezes.