A história completa de quando o Metallica processou o Napster

Caso envolvendo a banda se tornou muito conhecido na indústria fonográfica e mudou esse mercado para sempre

Muitos fãs de rock já devem ter ouvido falar do famoso processo que o Metallica moveu contra o Napster, serviço de compartilhamento de músicas que fez muito sucesso no passado. Afinal, se tratava de um caso envolvendo uma das bandas mais populares do planeta e uma plataforma que estava em alta na época.

No entanto, mal sabia o grupo que essa decisão também desencadearia algumas críticas — até mesmo de colegas de profissão — e geraria um debate que se estende até os dias atuais. A ação, definitivamente, contribuiu para mudar o mercado fonográfico para sempre.

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Abaixo, vamos te contar os principais detalhes a respeito do processo movido pelo Metallica contra o Napster e todas as suas consequências. As informações são da Kerrang, Rolling Stone, The Verge, Louder Sound, The Quietus e Consequence

Shawn Fanning, o “pai” do Napster

Toda essa história sobre esse famoso processo começou em junho de 1999. Na época, um estudante chamado Shawn Fanning havia acabado de desistir de cursar a faculdade — em mais um caso de empreendedor conhecido que não concluiu seus estudos universitários. 

Após uma conversa com o amigo Sean Parker — sim, aquele mesmo que também ajudou Mark Zuckerberg a fundar o Facebook — sobre a dificuldade em encontrar material online de graça, Fanning decidiu que criaria seu próprio serviço “peer-to-peer” (ou P2P, uma arquitetura de computação que permite a distribuição e compartilhamento de dados entre duas pessoas), com foco no compartilhamento de músicas.

Segundo o próprio Shawn Fanning, em um artigo para a revista Newsweek, a ideia por trás da criação era “construir diferentes comunidades voltadas para diferentes tipos de música”.

O projeto foi batizado de Napster, que era justamente o apelido de Fanning. Com o serviço, seus usuários poderiam baixar músicas no formato MP3 de graça. Em contrapartida, demais arquivos semelhantes no computador da pessoa estariam disponíveis para download — justamente por ser um serviço P2P.

Rapidamente o Napster passou a ter milhões de usuários — chegava a dobrar o número de participantes em apenas duas semanas em um determinado momento —, que tinham acesso gratuito a uma quantidade quase infinita de canções. No entanto, não demorou muito para os primeiros problemas surgirem para o serviço.

“Eles nos f*deram, vamos f*der com eles”

Nem seria preciso te lembrar que o Napster, no fundo, era ilegal. Afinal, o programa estava compartilhando músicas gratuitamente entre seus participantes, sem realizar qualquer pagamento de direitos autorais aos artistas responsáveis.

Não demorou muito para o primeiro processo aparecer: já em 2000, a Associação Americana de Indústria de Gravação (RIAA, na sigla em inglês) acionou o Napster por violação de direitos autorais. Na época, o vice-presidente executivo da organização, Cary Sherman, afirmou o seguinte:

“O Napster está facilitando a pirataria e tentando construir um negócio pelas costas dos artistas e detentores de direitos autorais.”

No entanto, o caso só foi ganhar grandes proporções justamente após o Metallica entrar na jogada. Tudo começou após um dos empresários da banda, Cliff Burnstein, alertar o grupo de que uma versão demo do single “I Disappear”, parte da trilha sonora do filme “Missão Impossível 2”, vazou na internet. Por consequência, a canção passou a ser compartilhada pelos usuários do Napster e já estava sendo tocada em algumas rádios dos Estados Unidos. 

Claro, a banda de thrash metal ficou irada com a notícia e decidiu que não deixaria o caso passar batido. Para o Huffington Post em 2013, o baterista Lars Ulrich se lembra de quando a banda foi alertada e a rápida decisão de processar o serviço.

“Recebi uma ligação do nosso escritório no dia seguinte (após o vazamento), em que nos disseram: ‘tem relação com uma coisa chamada Napster’. E nós pensamos: ‘ bem, eles nos f*deram, então vamos f*der com eles também!’.”

Metallica processa o Napster

Assim, no dia 13 de abril de 2000, o Metallica entrou na Justiça da Califórnia contra o Napster por violação de direitos autorais. Além disso, o grupo também solicitou que todo seu catálogo de músicas fosse excluído do serviço e que os mais de 330 mil usuários que baixaram alguma de suas canções fossem banidos da plataforma.

Na época, a banda divulgou um comunicado em que explicava sua decisão:

“Em cada projeto, passamos por um cansativo processo criativo para termos as músicas que consideramos representar o Metallica em cada momento de nossas vidas. Levamos nossa arte — seja nossa música, os versos ou nossas fotos e ilustrações — bem a sério, como a maioria dos artistas.

Dessa forma, é revoltante para nós sabermos que nossa arte esteja sendo trocada como uma commodity. Do ponto de vista de negócio, é sobre pirataria — pegar para você algo que não te pertence. E isso é moralmente e legalmente errado. Negociar tais informações — sejam elas músicas, vídeos, fotos ou qualquer outra coisa — é, em efeito, negociar bens roubados.”

Um nome esquecido que também fez questão de processar o Napster algumas semanas mais tarde foi o rapper Dr. Dre — e também envolveu nesta história seu pupilo mais famoso, Eminem, que chegou a afirmar o seguinte sobre o caso:

“Quando eu trabalho das nove da manhã às cinco da tarde, eu espero receber meu contracheque toda semana — e o mesmo vale com a música. Se eu estou dando meu melhor e dedicando todo meu tempo para a música, espero ser recompensado por isso. E se você tem dinheiro pra ter um computador, você pode pagar 16 dólares por meu CD.”

No final das contas, a corda rompeu para o lado mais fraco: o Napster perdeu os processos movidos por Metallica e Dr. Dre. Tanto que em 2002, acabou decretando sua falência. 

No entanto, o caso foi muito além dos tribunais e mudou a indústria fonográfica para sempre.

O Metallica estava mesmo certo?

Sim, o Metallica não estava errado em correr atrás daquilo que era seu por direito. Mas essa decisão de processar o serviço desencadeou mudanças pra lá de revolucionárias no mercado fonográfico, pegou mal para a própria banda e deu início a um debate no meio: será que a banda realmente estava certa? Seus integrantes não teriam desrespeitado os fãs e se preocupado apenas com dinheiro?

Uma opinião compartilhada entre especialistas da indústria é que o Metallica calculou mal sua jogada ao processar o Napster. Afinal, isso colocou a banda contra muitos internautas — e, por consequência, seus próprios fãs, que logo passaram a acusar o grupo de ganância. 

Além disso, especialistas também lembram que o processo, no final das contas, causou o efeito oposto: foi a partir daí que muitos internautas passaram a distribuir ainda mais músicas gratuitamente entre eles. Foi justamente desta maneira que as diversas pessoas conseguiram ter acesso a músicas em boa parte dos anos 2000. 

E não custa nada lembrar que, anos depois, os serviços de streaming surgiram. O próprio Napster, após o processo, foi refundado e se tornou um precursor desta nova maneira de comercializar qualquer trabalho musical que já se tornou tendência.

Outra consequência curiosa é que nem todas as bandas e artistas de renome da indústria ficaram do lado do Metallica nesta história. O Limp Bizkit, por exemplo, chegou a realizar uma turnê gratuita em 2000, que era patrocinada justamente pelo próprio Napster. O vocalista Fred Durst, inclusive, defendeu publicamente o serviço.

Nikki Sixx, baixista do Mötley Crüe, chegou a criticar o Metallica pela postura em entrevista para a MTV:

“Eles (Metallica) conseguem dinheiro com suas camisetas, shows e outros tipos de acordos comerciais. Eu acho que esse não é um comportamento aceitável que um artista deve ter com seus fãs.”

Esquete com Lars Ulrich

A situação também virou motivo de piada e chacota para a banda. No VMA de 2000, o Metallica topou participar de uma esquete com o comediante Marlon Wayans — que também era apresentador desta edição do evento —, a respeito do processo.

No vídeo, Wayans é visto escutando “I Disappear” no Napster até ser confrontado pelo próprio Lars Ulrich. Após o comediante dizer que estava apenas compartilhando a canção com outras pessoas, o baterista e seus capangas decidem pegar as coisas — e até a “namorada” — do apresentador do evento, com a justificativa de que ele também deveria compartilhar seus pertences.

A esquete termina com o narrador dizendo o seguinte: “Napster: compartilhar só é divertido quando não é com suas coisas.”. O vídeo, com certeza, fez muita gente sentir vergonha pela banda e nos perguntar como Ulrich aceitou tal convite. Assista abaixo.

Como se não bastasse esse vídeo vexatório, o VMA ainda convidou o próprio Shawn Fanning para introduzir a apresentação de Britney Spears no evento. Ao falar, o “pai” do Napster também tirou sarro do grupo ao aparecer com uma camiseta do Metallica e dizer o seguinte sobre a peça de roupa:

“Um amigo a compartilhou comigo!”

Por conta de todas essas situações, há quem diga no meio fonográfico que teria sido melhor para o Metallica ter procurado o Napster e feito algum tipo de acordo com o serviço. Como deu pra notar, o processo, no final das contas, também afetou negativamente a imagem da banda e só piorou essa questão do compartilhamento de músicas na internet. 

Sem arrependimentos

Apesar de todas estas situações que acabamos de citar, ninguém do Metallica parece ter arrependimentos do processo movido contra o Napster.

Em 2018, para um programa de TV sueco “Nyhetsmorgon”, o guitarrista Kirk Hammett afirmou que toda a banda ainda acredita ter feito a coisa certa e que, aparentemente, não dá a mínima para as críticas recebidas.

“Toda aquela coisa do Napster não nos fez nenhum favor. Mas querem saber? Ainda estamos certos sobre isso, estamos certos sobre o Napster, independente de quem está por aí dizendo que o ‘Metallica está errado’.”

Hammett também fez questão de lembrar que a pirataria continua persistindo na internet e criticou as atuais plataformas de streaming.

“Existia uma época em que streaming era meio que esquisito e ele não tem aquela qualidade — não me importo com o que digam sobre o streaming moderno. Nunca vai soar melhor do que em um vinil.”

Por fim, apesar de sua opinião, o guitarrista admitiu que o Metallica precisou se adaptar aos tempos modernos para continuar relevante.

“Apesar do que disse, queremos ser acessíveis e você precisa garantir que está acessível em todas as frentes modernas.”

Em 2016, Lars Ulrich se mostrou mais reflexivo em relação ao caso. À revista Rolling Stone, ele contou que passou a entender melhor o que o Napster representava.

O músico admitiu ter aprendido que a impulsividade que moveu o Metallica a processar a empresa deve ser substituída por mais cautela. É importante, segundo ele, tentar saber com o que está lidando.

“Subestimei o que o Napster era para as pessoas em termos da liberdade que representava. Então penso que, às vezes, mesmo quando você não quer, tem que fazer uma pequena ponderação antes de pular – pelo menos ter uma ideia de onde você acha que vai aterrissar. (risos)”

O baterista aponta, no entanto, que os representantes do Napster adotaram a tática de jogar o Metallica contra os fãs. Segundo ele, isso acabou mudando totalmente a origem da discussão: muitas pessoas acharam que a banda estava sendo gananciosa, ainda que Ulrich sustente que a disputa nunca foi motivada por dinheiro.

“Era entre nós e o Napster. Aí o Napster fez com que fosse entre nós e os fãs – o que foi uma sacada muito, muito esperta. Essa não era a intenção. A questão com o Napster não era sobre dinheiro. Não era sobre comércio. Não era sobre direitos autorais. Era literalmente sobre escolha. De quem é a escolha de tornar nossa música disponível para download gratuito? Dissemos: ‘espere aí, a escolha devera ser nossa’. Outras pessoas tinham opiniões diferentes e virou sobre sermos gananciosos ou sobre dinheiro.”

O próprio Metallica se adaptou bem ao streaming, provavelmente por já ter uma mentalidade mais aberta em relação ao controle de sua obra – por incrível que pareça. Frequentemente, o grupo libera materiais exclusivos para consumo digital, incluindo até mesmo uma compilação de faixas ao vivo gravadas em shows no Brasil.

Mas toda vez que pessoas como Tom MorelloRob HalfordMike Portnoy e outros fazem críticas ao sistema vigente das plataformas de streaming, fica claro que Lars Ulrich e o Metallica não estavam tão desconectados da realidade.

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Augusto Ikeda
Augusto Ikedahttp://www.igormiranda.com.br
Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atua no mercado desde 2013 e já realizou trabalhos como assessor de imprensa, redator, repórter web e analista de marketing. É fã de esportes, tecnologia, música e cultura pop, mas sempre aberto a adquirir qualquer tipo de conhecimento.

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