“Olê, olê, olê… Alcest, Alcest”. Nem parecia que a banda em questão tinha executado, para um Carioca Club bem cheio, músicas longas que equilibravam bonitas melodias contemplativas a riffs abrasivos de black metal e distorções etéreas de shoegaze, cantado em francês. O público reagiu com palmas, gritos e coros. Queria mais.
O sucesso do show único na quarta passagem do Alcest pelo Brasil confirmou a gradativa ascensão do grupo francês no país. Das três vindas anteriores, em duas a banda foi uma atração secundária das edições de 2014 e 2016 do Overload Fest, fazendo sua própria turnê apenas em 2018, quando se apresentou em São Paulo, Rio de Janeiro e Florianópolis, sempre trazidos pela organizadora daquele festival.
*Fotos de Andre Santos / @andresantos_mnp. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Empolgação até com a intro
Dez minutos antes da hora marcada para o Alcest subir ao palco, as luzes se apagaram para que o tema “Miserere mei, Deus”, de Gregorio Allegri, fosse executado no sistema de som do Carioca Club. Uma atmosfera sacra poderia ter tomado conta da casa, ainda com as cortinas tampando o palco, não fosse pelos gritos do público a qualquer movimentação dos calçados visíveis por baixo delas.
A excitação do público ficou ainda maior quando as cortinas se abriram e já estavam no palco o guitarrista Pierre Corson (também conhecido como Zero), o baixista Indria Saray e o baterista Jean Deflandre (ou Winterhalter, para a base de fãs do Alcest), todos ao som de um feedback de guitarra e baixo elevando a ansiedade.
Bastou Winterhalter começar a socar o surdo de sua bateria num ritmo tribal para Neige (ou Stéphane Paut, talvez para apenas a sua mãe), vocalista, guitarrista, compositor único e dono do Alcest, entrar no palco, vestido com camisa preta meio estampada parecendo um turista deslocado e, calmamente, empunhar a sua guitarra sob gritaria intensa.
Zero passou então a tocar as primeiras melodias de “Les Jardins de Minuit”, a música inicial do repertório, extraída do disco mais recente do grupo, “Spiritual Instinct”, de 2019. Neige, após dançar desengonçado à batida do baterista, colocou as suas mãos nos ouvidos e o público respondeu cantando a melodia inicial da música em coro. Naquele momento, o Alcest já estava com a noite ganha e mal tinha dito uma palavra.
Tímido, mas preciso
No palco por aproximadamente uma hora e meia, os franceses tiveram uma performance de certa forma tímida. Não houve tanta movimentação exceto por Neige, que também pouco saiu da área central do palco, deixando as laterais para Indria e Zero. As luzes se alternavam normalmente seguindo as cores principais das artes dos discos das músicas executadas, reproduzidas beirando à perfeição, com ajuda de algumas bases de teclados e coros pré-gravados.
“Spiritual Instinct” (2019) teve outras duas músicas executadas, ainda na fase inicial da apresentação. “Protection” e “Sapphire” tiveram resposta animada do público, provando a boa repercussão obtida pelo disco um pouco mais soturno em relação à trilha sonora para um mundo de recordações inocentes idealizada por Neige quando criou o Alcest.
A segunda parte da faixa-título de “Écailles de lune” (2010), recebida com luzes azuis no palco, veio logo no início da noite. Despertou uma comoção maior nas alternâncias da pancadaria black metal com momentos de melodias quase celestiais ao longo de seus quase dez minutos.
O disco de 2010 foi um marco na carreira do Alcest ao conseguir pela primeira vez realizar plenamente a visão musical que Neige vinha ensaiando desde a época do projeto Amesoeurs e de “Le Secret”, primeiro EP do Alcest de 2005, quando deixou para trás seu reprovável passado no black metal francês, do qual o músico vira e mexe precisa expressar seu arrependimento.
“Écailles de lune” ainda teria mais duas faixas executadas. A contagiante melodia de “Percées de Lumière” recebeu resposta animada do público, enquanto a quase acústica e introspectiva “Sur l’océan couleur de fer” providenciou um interlúdio mais tranquilo, seguido por “Souvenirs d’un autre monde”, faixa-título do primeiro disco da banda, de 2007, quando Neige ainda apenas utilizava riffs mais abrasivos contrapostos a melodias bonitas sem momentos mais extremos.
Peso e bis
Luzes vermelhas no palco e “Oiseaux de proie”, do álbum “Kodama” (2016), se tornou o momento mais pesado da noite. Cabelos se chacoalharam e urros da plateia acompanharam riffs mais violentos comandados por Winterhalter socando sem dó sua bateria. Abriu caminho às belas melodias e os coros de “Autre Temps”, única faixa extraída do álbum “Les Voyages De L’Âme”, de 2012, que, sob iluminação esverdeada, encerrou a primeira parte do show.
Após os cânticos de estádio chamarem o Alcest de volta ao palco, um emocionado Neige disse com aparente sinceridade ter sido o público do Carioca Club o melhor da turnê latino-americana que terminava naquela noite. Enquanto isso, luzes rosadas prenunciavam a pesada e ritmada “Kodama”, faixa-título do álbum de 2016, que abriu o bis recebendo palmas, gritos e coros de sua melodia.
Como já virou tradição nos shows do Alcest, as distorções típicas de shoegaze da etérea “Délivrance”, faixa do álbum “Shelter” – gravado na Islândia sob supervisão de Birgir Jón Birgisson, do Sigur Rós, e lançado em 2014 – deram o final catártico que a noite pedia, com os músicos saindo um por um do palco enquanto o cântico do refrão era executado no sistema de som sob ruídos de feedbacks de guitarra.
Obviamente, Neige foi o último a deixar o palco e fez até coraçãozinho com as mãos para se despedir. O músico prometeu um breve retorno ao país, como não poderia deixar de ser após uma noite emblemática que mostrou como o Alcest consolidou seu público no Brasil de forma orgânica e deu mais um passo para expandi-lo.
*Fotos de Andre Santos / @andresantos_mnp. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Alcest – ao vivo em São Paulo
- Local: Carioca Club
- Data: 2 de abril de 2023
- Turnê: Spiritual Instinct
Repertório:
- Les Jardins de Minuit
- Protection
- Écailles de lune
- Sapphire
- Percées de Lumière
- Sur l’océan couleur de fer
- Souvenirs d’un autre monde
- Oiseaux de proie
- Autre Temps
Bis:
- Kodama
- Délivrance
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Foi um belíssimo show, com músicas muito bem executadas e timbres perfeitos. Destaque especial para a performance impecável do Winterhalter e sua batera grave, de bumbo e tom gigantes. Alcest mostrou que está cada vez mais maduro e consistente. Que banda!
Uma das melhores bandas que existem excelente matéria!
Amei a matéria, descreveu muito bem
Obrigado pelo material, isso tem que ser mantido para sempre, gratidão e ótimo trabalho
O show foi lindo demais!!! Matéria excelente!