Debaixo de chuva, Paramore entrega show nostálgico e maduro em São Paulo

Vocalista Hayley Williams mostrou carisma e energia de sobra, além de fazer discursos sobre política e saúde mental; banda se apresenta novamente neste domingo (12) na capital paulista

Quase uma década. Esse foi o tempo que o Paramore demorou para voltar ao Brasil. Naquela que até então havia sido a última vinda, em 2014, o trio, composto agora por Hayley Williams (voz), Zac Farro (bateria) e Taylor York (guitarra), tinha outra formação – com Jeremy Davis no baixo – e não havia lançado os seus dois últimos álbuns de estúdio.

O público brasileiro não teve a oportunidade de experienciar a “recente” maturidade musical da banda, o que mudou neste mês. O grupo excursiona pela América do Sul em divulgação ao álbum “This is Why” (2023) e, após apresentação no Rio de Janeiro, realizou, no último sábado (11), o primeiro de dois shows esgotados em São Paulo, no Centro Esportivo Tietê, espaço com capacidade para 18 mil pessoas.

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*Cobertura sem fotos devido ao não credenciamento do fotógrafo do site para a apresentação.

Iniciativas de fãs do Paramore

Por mais que a abertura dos portões estivesse marcada para às 16h, devido à quantidade de pessoas esperando na fila, poucos minutos antes os fãs puderam ter acesso ao espaço. Como forma de tornar a experiência agradável para todos, eles entraram na pista premium de mãos dadas (assim ninguém precisava correr) e combinaram de sentar no chão em vez de ficar em pé até o momento do show, para evitar desmaios e facilitar idas ao banheiro e aos quiosques de refeições.

Todos respeitaram a proposta, idealizada pelo fã-clube Paramore Brasil – até a chuva começar a engrossar. Caía tanta água que, além de todos tirarem das bolsas suas capas de chuva, a equipe técnica precisou passar um rodo no palco para secá-lo.

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O show de abertura de Elke estava programado para às 19h, e, como havia muito tempo pela frente, os fãs tentaram se distrair do jeito que podiam – já que a playlist ambiente, com músicas de Orange Juice, Cocteau Twins e Yazoo, não combinaram muito com a ocasião.

Eles fizeram brincadeiras entre si, levantaram o questionamento do porquê o show não aconteceu no Allianz Parque – provavelmente por causa do Campeonato Paulista – e ajudaram distribuindo água para quem estava no fundo.

Elke, abraçada em meio à aleatoriedade

Descrita como uma mistura de Grimes e Aurora por uma fã ao meu lado – o que faz todo sentido –, Elke tem um tipo de performance singular. O destaque não ficou na musicalidade ou até no desempenho da banda de apoio – formada por Gavin McDonald (bateria), Josh Gilligan (baixo) e Marko (guitarra) –, mas nos movimentos teatrais da cantora e em seus gritos, proferidos nos meio das músicas.

É compreensível que a artista art-pop tenha sido escalada para abrir os shows do Paramore, visto a peculiaridade de seu trabalho e a sua proximidade com os integrantes, tendo colaborado até com backing vocals na gravação de “Big Man, Little Dignity”, faixa do “This is Why”. Provavelmente por isso, os fãs do Paramore a abraçaram.

A grande maioria não sabia a letra de qualquer uma das músicas, mas deram um jeito de aprender os refrãos em “My Sweetheart” – que abriu o set – e, na sequência, “Rinse Repeat”, “Mothers” e “I Can Help”. Elke correspondia à recepção calorosa de maneira protocolar, mas suficiente para deixar a plateia satisfeita. Quando podia, fazia corações com os dedos, chamou o público de “maravilhoso” e pareceu genuinamente emocionada ao receber uma camiseta com seu nome de uma pessoa na plateia.

As interações às vezes eram meio aleatórias – do nada, ela pediu para que cada um gritasse “Elke”, “Paramore” e depois os próprios nomes –, mas não havia preocupação em seguir um padrão. Antes de começar “Without the I”, a melhor da noite devido à melodia cativante, a artista inesperadamente subiu as calças e mostrou que machucou seus dois joelhos, embora tenha ressaltado que estava tudo bem.

Com toda a certeza, seus joelhos estavam bons, já que danças quase circenses também não faltaram. Depois, ela seguiu com “Zubie Zubie” e um cover de “Mr. Brightside”, do The Killers, misturado com “Águas de março”, de Tom Jobim. A combinação não era óbvia e valeu a referência ao Brasil junto da tentativa de trazer uma música mais conhecida.

Sem muitas despedidas e com a promessa de estar na loja de merchandising para dar um “oi” aos fãs depois, Elke encerrou sua curta apresentação com “Call of the Void”.

Repertório:

  1. My Sweetheart
  2. Rinse Repeat
  3. Mothers
  4. I Can Help
  5. No Pain
  6. The Pink Tip of a Match Turns Black
  7. Milk Dipped Cloud
  8. Without the I
  9. Zubie Zubie
  10. Mr. Brightside (cover de The Killers, com “Águas de Março”, de Tom Jobim)
  11. Call of the Void

Paramore em jogo ganho

Quando um membro da equipe técnica apareceu para ajustar o pedestal do microfone – Elke tem aproximadamente 1,77m de altura, enquanto Hayley possui 1,57m –, era um sinal de que a entrada do Paramore estava próxima. Com apenas quatro minutos de atraso, às 20h04, e uma chuva que não dava trégua, as luzes se apagaram e o trio – acompanhado de Brian Robert Jones (guitarra rítmica), Joey Howard (baixo), Joey Mullen (percussão) e Logan MacKenzie (guitarra) – apareceu no palco.

Sem qualquer intro nos telões – o que teria sido interessante para gerar ainda mais expectativas nos fãs aflorados –, a banda começou com “You First” e logo nos segundos iniciais foi percebido um fato que se estendeu por todo o show: Hayley Williams não canta só com a voz. A artista não fica parada em nenhum momento. Além de muito expressiva, a todo instante ela bate os pés no chão, dá a língua, cospe água, gesticula com as mãos, joga o cabelo, faz acrobacias com as pernas e corre enlouquecidamente. Tudo sem deixar de lado a qualidade vocal.

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Apesar da empolgação da plateia, que provavelmente ficaria animada com qualquer canção, “You First” trouxe um começo meio morno em relação ao repertório apresentado posteriormente, tendo como ponto alto seu refrão, mais explosivo do que o resto da música. “That’s What You Get”, do álbum “Riot!” (2007), veio em seguida e ditou o caráter por vezes nostálgico da apresentação ao lembrar o passado “emo” do grupo. A partir daí, era difícil fazer qualquer mínimo movimento, pois todos pulavam repetidamente.

O hit pop punk foi emendado na emotiva “I Caught Myself” e, para iniciar “Playing God”, Hayley fez sua primeira interação com o público, afirmando que era “muito bom estar de volta” e que “a chuva não conseguiu parar vocês e também não vai nos parar”. Depois, “The News” – uma das músicas mais pop punk do “This is Why” – caiu como uma luva para aquele momento do set e mostrou o quão energética Williams consegue ser. A vocalista fez do pedestal do microfone um cetro e o transformou em uma extensão de seu corpo.

“Vocês já estão molhados?”, brincou ao finalizar, lembrando mais uma vez de que estava feliz em voltar ao Brasil. Após, “Ain’t It Fun” trouxe uma das projeções mais legais do telão, com partes da letra no estilo “karaokê”. “Caught in the Middle” introduziu o “After Laughter” (2017) pela primeira vez na noite, com pedidos de Williams para que os fãs dançassem da maneira mais estranha que conseguissem. Mesmo que tal disco tenha gerado certa polêmica no lançamento, por explorar sonoridades mais dançantes e voltadas ao pop, em contrapartida ao que a banda criou no início, é inegável que seu material funciona ao vivo.

“Eu morreria pela música”

Para “C’est Comme Ça”, diferentemente do Rio de Janeiro – onde Hayley Williams sugeriu que todos ficassem parados com as mãos para o alto –, em São Paulo a proposta foi diferente. A cantora tirou o blazer listrado que usava, ficando apenas com uma blusa da Sade e uma saia, e fez um bonito discurso sobre saúde mental e seu amor por música (transcrito abaixo):

“A vida não é simples. Talvez seja por esse único motivo que eu morreria pela música. A música é a única coisa nesse planeta que faz as coisas ficarem bem por um minuto. Quando você vê a gente tocar, quando canta sozinho em seu carro, quando dança em seu quarto, quando grita, quando chora com nossas músicas, isso é o que fazemos quando ouvimos músicas, é a mesma coisa que sentimos com nossas músicas favoritas. E não há melhor lugar no mundo para sentir isso, estar com as pessoas e aproveitar a música do que no Brasil. Seja assim com vocês ou em casa no Tennessee, vocês sempre lembram a gente do poder da música e a razão por que devemos continuar.

Não importa o que vocês estejam lidando na vida de vocês, o que tenha trazido vocês até aqui ou o que você vai fazer quando for para casa, nós valorizamos que tenha tirado um tempo e gastado dinheiro para estar aqui. Obrigada por deixarem a gente fazer parte disso. Essa música é sobre passar pela depressão, ansiedade e não querer continuar e um dia acordar e perceber que precisa ficar melhor. Mas não é fácil, é cheio de altos e baixos e é realmente complicado. Então, para todos que estão passando por algo difícil, essa é para vocês. Não quero que fiquem parados, quero que sacudam o estresse de vocês.”

Na sequência, inteligentemente o trio emendou dois de seus maiores clássicos: “Still Into You” e “The Only Exception”. Como de praxe, na última citada, muita gente da plateia caiu em lágrimas e a vocalista alterou o último verso para “and I’m so close to believing” (originalmente, “and I’m on my way to believing”). Ainda, um casal estava trocando declarações e um aparente pedido de noivado e, no meio da música, recebeu os parabéns da própria Williams pelo relacionamento.

Com uma pegada mais acústica e diminuindo a energia antes de retomá-la, “The Only Exception” atuou como um respiro, dando então lugar para “Pool”, cuja letra sobre estar debaixo d’água encaixou perfeitamente com a ocasião de chuva. Por alguns minutos, Zac deixou a bateria para cantar “Scooby’s in the Back”, de sua banda HalfNoise. Foi interessante vê-lo de outra perspectiva – enquanto, com animação e participação especial de Gavin McDonald, liderava o público de fato. Talvez substituir o cover por uma música do Paramore, como “Decode”, ignorada e tão pedida, fosse mais atrativo? Sim, mas o simbolismo do momento não deixou de agregar à apresentação.

As referências, primeiro vindas do público e depois de Williams, à volta de Farro ao Paramore foram uma das partes mais bacanas. Ele saiu em 2010 e retornou em 2017, comunicando a novidade por meio de um tweet escrito “I’m back” na conta oficial da banda. Por isso, os fãs levaram plaquinhas com os dizeres “Zac’s back”, notadas pela vocalista.

Em comparação, Taylor é mais acanhado do que os outros membros, mas cumpre bem sua função ao ponto de ser lembrado sempre pelos fãs – recebendo coros de “Taylor, eu te amo” sem ter pronunciado uma palavra sequer e sem ter tido os holofotes em qualquer música.

Antes de “Hard Times”, o show ganhou um caráter mais político devido à seguinte fala de Williams:

“Desde a última vez que viemos ao Brasil, passamos por momentos difíceis. O mundo perdeu a cabeça, a América virou uma tempestade de m*rda e muita m*rda aconteceu por aqui também. Estamos esperando pelo dia em que uma pessoa gay será presidente do mundo. Ninguém está mudando nada, vamos tentar algo diferente uma vez.”

Da busca por Mariah ao hit polêmico

Perto do fim, a banda tocou “All I Wanted”, do álbum “Brand New Eyes” (2009). Durante uma live em 2013, Hayley comentou que dificilmente cantaria a música ao vivo, em razão das inúmeras notas altas e de seu medo de não só desgastar a própria voz, como de “estragar” a canção. Ela pediu para que os fãs paulistas levantassem o dedo mindinho e prometessem que “buscariam a Mariah Carey ou Whitney Houston no fundo de suas almas” e a ajudariam na interpretação. A artista pareceu muito mais segura e confortável do que na primeira vez em que a performou, no festival “When We Were Young” no ano passado.

Enquanto que em Lima, no Peru, “All I Wanted” foi uma “surpresa”, em São Paulo, sem esse fator, com todos berrando junto, a performance antes intimista virou um grande momento de histeria coletiva. Mesmo precisando fazer um grande esforço vocal, Williams comprovou que é capaz de cantar a música impecavelmente todas as noites.

Para o bis, a banda performou “Running Out of Time” e celebrou quem estava indo a um show do Paramore pela primeira vez, desejando boas vindas ao “caos e disfunção”.

Até que o momento mais esperado (e polêmico) da noite chegou: “Misery Business”. No último show do Paramore em 2018, quando iniciaram uma pausa na carreira, Hayley comentou que não cantariam mais a música, disponibilizada em 2007, devido ao caráter misógino de sua letra. No entanto, é a faixa mais popular da banda nas plataformas digitais e musicalmente, a definição de um “hino emo” – fora a tradição de recrutar um fã no palco para as execuções ao vivo.

Não dava para imaginá-la fora dos setlists e a própria banda se deu conta disso. Assim, optaram por mantê-la, de forma que Hayley tapa a própria boca para não falar a palavra “vadia”, presente na letra, e destacando que os fãs são a parte mais importante. Dessa vez, o Paramore não escolheu um único admirador para subir e sim cinco diferentes – mais até do que em solo carioca. O problema foi que, supostamente, alguns deles se envolveram em confusões na fila e receberam vaias do público.

Ao fim da música, Hayley ficou sem entender o que aconteceu e perguntou para quem estava na grade. Em resposta, ela pronunciou, de forma adequada, que, não importava o que tivesse ocorrido, “a menos que envolva homofobia, transfobia, racismo ou ser um pedaço de m*rda, não xinguem seus amigos que subiram no palco”.

Independentemente do momento mais “pesado”, o show foi finalizado de forma leve. Williams destacou várias vezes o seu carinho pela capital paulista – definitivamente, um presente de prato cheio para os fãs que esperaram tanto tempo pelo show, e prometeu que não demorará quase nove anos para voltar – indo para o meio da galera cantar “This is Why”.

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Como explicado em entrevistas, o disco “This is Why” é marcado por contrapontos. Isso, claramente, vale para os shows da era: ao tocar as canções pré-2013, a banda mostra seu lado emo, rebelde, jovem. Nas canções posteriores, também apresenta uma versão mais madura, reflexiva e preocupada com o mundo.

Esse equilíbrio, somado a alegria e carisma, é a chave para a apresentação cativante – que nem a chuva foi capaz de estragar. Agrada os fãs antigos, advindos da sonoridade pop rock feita pelo grupo anteriormente, como também constata, para quem ainda não estava convencido, a força atual do Paramore.

Repertório:

  1. You First
  2. That’s What You Get
  3. I Caught Myself
  4. Playing God
  5. The News
  6. Ain’t It Fun
  7. Caught in the Middle
  8. C’est Comme Ça
  9. Still Into You
  10. The Only Exception
  11. Pool
  12. Rose-Colored Boy
  13. Scooby’s in the Back (cover de HalfNoise)
  14. Hard Times
  15. All I Wanted

Bis:

  1. Running Out of Time
  2. Misery Business
  3. This Is Why

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Maria Eloisa Barbosa
Maria Eloisa Barbosahttps://igormiranda.com.br/
Maria Eloisa Barbosa é jornalista, 24 anos, formada pela Faculdade Cásper Líbero. Colabora com o site Keeping Track e trabalha como assistente de conteúdo na Rádio Alpha Fm, em São Paulo.

1 COMENTÁRIO

  1. Ótima e leve matéria! Parabéns, Maria Eloísa.
    Me levou ao show, mesmo que, infelizmente, eu não tenha conseguido tal feito. Triste.
    Mas, vi que foi forte, verdadeiro e com a certeza de que minha admiração pelo som/banda, não foi algo por acaso. As falas são reais. O sentimento dessa mulher com a música, com a essência, não é algo comum. E quem é músico de verdade entenderá o que quero dizer.
    Que todos tenham tido uma linda noite, para não se esquecerem até a próxima volta, onde com certeza, eu estarei!

    Vida longa, Paramore!

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