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Entrevista: Jeff Scott Soto fala de Brasil, Journey, Talisman e Yngwie Malmsteen

Vocalista ainda antecipa novidades em relação à vindoura turnê brasileira e revela próximos lançamentos de sua discografia

Jeff Scott Soto já pode considerar fixar residência no Brasil; afinal, é dele o posto outrora ocupado por Richie Kotzen de artista gringo que vira e mexe dá as caras por aqui. O vocalista está prestes a desembarcar para uma temporada de dez shows, incluindo um a bordo do cruzeiro Moto Rock Cruise, entre este mês e o próximo.

As apresentações terão diferentes formatos, cobrindo sua carreira autoral, o tributo ao Queen e sets acústicos. Como de praxe, ele será acompanhado pelos brasileiros BJ (teclados e vocais), Leo Mancini (guitarra), Henrique Canale (baixo) e Edu Cominato (bateria), do Spektra.

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No bate-papo que você está prestes a ler, Soto antecipa novidades em relação aos shows e a lançamentos; revisita dois dos títulos mais míticos de sua discografia; comenta recente quiproquó com Yngwie Malmsteen e dá seu parecer em relação à demissão do parceiro David Ellefson do Megadeth e à própria do Journey.

A entrevista também conta com uma versão em vídeo, com legendas em português, que pode ser assistida abaixo.

Entrevista com Jeff Scott Soto

“As pessoas não querem ver o tributo ao Queen”

O fato de a próxima vinda de Jeff Scott Soto ao Brasil ser sua terceira em dois anos diz muito a respeito de como o cara é figura carimbada no mercado brasileiro de shows internacionais. Ele mesmo reconhece que este é o país do mundo em que tem mais fãs:

“Eu não fazia ideia de que tinha fãs na América do Sul ou no Brasil quando estive aí pela primeira vez, em 2002. Só tive noção de o quão grande era a minha base de fãs aí quando entrei nas redes sociais. Quando analiso os insights das minhas redes, vejo que a maioria das pessoas que me segue é do Brasil; não da América do Sul, da Argentina ou da Colômbia, mas do Brasil. É incrível a conexão que surgiu tão rapidamente e tão facilmente. É quase como se eu fosse meio brasileiro, como se eu fizesse parte dessa cultura e dessa comunidade. E é incrível poder voltar todos os anos.”

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Jeff apresentará tanto seu mundialmente famoso tributo ao Queen quanto o chamado JSS Legacy Set, no qual toca músicas de todas as fases de sua carreira. No entendimento dele, os fãs mais clamam por um, mas os promoters locais insistem em contratar o outro show.

“As pessoas que falam comigo pessoalmente ou enviam mensagens nas redes sociais para dizer que não querem ver o tributo ao Queen. Elas querem ver Jeff Scott Soto. Elas querem W.E.T., Talisman e tudo o mais que fiz no passado. Mas sempre que tentamos oferecer apenas o show regular, a maioria dos promoters diz ‘não, queremos o tributo ao Queen’, então você tem que dar a eles aquilo pelo que estão pagando.”

Soto promete novidades tanto num show quanto no outro. Ele inclusive destaca uma data do giro por uma razão especial.

“Estamos vendo de mudar algumas coisas [no tributo ao Queen]. Já nos shows JSS Legacy, como estou usando os caras do Spektra como banda de apoio, quero ajudar a promovê-los. No show que vamos fazer em Nova Friburgo (RJ), sugeri incluir umas quatro músicas deles. Como se trata de um festival [Friburgo Rock Festival], quero que as pessoas conheçam a banda tanto quanto me conhecem. Quero lhes dar exposição. Dito isso, a organização concordou em nos dar um pouco mais de tempo de palco para que possamos tocar essas músicas do Spektra.”

Para Jeff, não só os músicos do Spektra, mas a grande maioria dos músicos brasileiros excede em nível técnico os dos outros países. O vocalista destaca os seguintes pontos:

“Dá pra ver a intensidade, o quanto amam tocar, o profissionalismo que depositam nisso. Não é um lance apenas visual, de se produzir todo e ficar parecido com um astro do rock. Eles se empenham muito em ambos os aspectos: ostentam um visual maneiro, mas também tocam bem.”

“Talvez Mustaine estivesse procurando desculpa”

O mais recente acréscimo à discografia de Jeff Scott Soto é “Vacation in the Underworld”, parceria com o baixista David Ellefson (ex-Megadeth). Para o vocalista, todo o processo de composição e gravação ocorreu com muita facilidade por ambos se respeitarem e se admirarem mutuamente, o que se refletiu na música:

“Acho que essa é uma das razões pelas quais [a parceria com David] realmente funciona tão bem; temos tanto respeito um pelo outro que podemos nos permitir ser criativos e sabemos que vai soar bem no final. O mesmo acontece no show. Quando estávamos ensaiando [para os únicos shows da dupla até o momento, realizados na Itália], tudo parecia ótimo, no primeiro show [em 15 de setembro de 2022, na cidade de Turim], todo mundo ficou tipo: ‘finalmente vamos tocar essas músicas ao vivo pela primeira vez’. E foi ótimo; parecia que estávamos juntos há um bom tempo.”

Em 2021, Ellefson foi desligado do Megadeth, banda da qual foi cofundador, após o vazamento de um vídeo íntimo, e o trabalho com Soto foi seu primeiro lançamento desde então. Perguntado sobre um possível exagero por parte de Dave Mustaine ao gerenciar a crise com o colega de longa data, ele opinou:

“Acho que o clima já não estava dos melhores, creio que já havia algo acontecendo e talvez ele [Mustaine] estivesse procurando um motivo ou uma desculpa para colocar um ponto-final nisso e conseguiu um, basicamente.”

Expulso de show de Yngwie Malmsteen

Em maio do ano passado, Yngwie Malmsteen ameaçou cancelar seu show o Canyon Club em Agoura Hills, Califórnia, se Jeff Scott Soto, que estava presente para assistir a uma das bandas de abertura, não fosse embora da casa. A situação repercutiu após postagem do vocalista nas redes sociais narrando o ocorrido: “Ri por todo o caminho para casa!” O guitarrista foi veloz na réplica: “Meu agente me disse que ele entrou sem pagar, então o segurança o expulsou”, disse sobre seu ex-colega.

É lógico que as impressões de Soto do episódio não poderiam ficar de fora do papo:

“Achei engraçado, mas por dentro, eu estava incrédulo, porque é ridículo. E então ser chamado de mentiroso tornou tudo ainda mais patético para mim. Por que eu inventaria essa história? Por que moveria mundos e fundos para ir ver alguém que não me quer por perto? Eu estava lá para ver a banda de abertura. Eles me convidaram. É um local do qual sou frequentador. Não pensei que haveria problema se eu ficasse ali no canto, mas logo me disseram que, se eu não fosse embora, o show seria cancelado. É a mais pura verdade. Eu iria embora de qualquer maneira; estava lá para assistir à banda dos meus amigos. Quando eles terminaram, eu já estava pagando a conta. Todo mundo é testemunha do que aconteceu. Eu não estava lá para o show do Yngwie, nem entrei sem pagar o ingresso, nada disso. É hilário, mas também lamentável que tenha que ser assim.”

Apesar das rusgas do presente, o trabalho feito pelos dois é atemporal: Soto gravou os dois primeiros discos da carreira solo de Malmsteen — “Rising Force” (1984) e “Marching Out” (1985) —, fez a turnê do trabalho seguinte, “Trilogy” (1986), e participou do disco de covers “Inspiration” (1996). Com “Rising Force” prestes a completar 40 anos de lançamento, as lembranças que o vocalista tem daquela época não poderiam ser mais vívidas:

“Eu tinha 18 anos. Lembro que estávamos todos na casa do Yngwie; os irmãos [Jens e Anders] Johansson e Marcel [Jacob]. Era o fim de semana antes de Yngwie ir ao estúdio gravar os vocais para as duas músicas do primeiro álbum que têm vocais — e que eram altíssimos. Eu nem consigo cantá-los mais. Os caras estavam bebendo e jogando conversa fora até uma hora em que foram para o canto e começaram a falar em sueco. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Eles ficaram lá conversando por 20 minutos, e então 40 minutos. Comecei a me sentir desconfortável, pensei até em ir embora. E então, finalmente, Yngwie vira e diz: ‘Olha, os caras ali me convenceram. Agora você é oficialmente o vocalista da banda, e eles também disseram que você deveria cantar nas duas músicas do primeiro álbum. Eu ia gravá-las amanhã, mas vá para casa com esta cópia da música e aprenda a letra. Apareça no estúdio amanhã. Vamos ver como você se sai. Se mandar bem, vai cantar no disco. Se eu não gostar, então eu vou cantar’. A música era ‘Now Your Ships Are Burned’. Fui ao estúdio no dia seguinte, liquidamos ‘Now Your Ships Are Burned’ em cerca de 25 minutos e ele disse: ‘Ótimo. Amanhã faremos a outra [‘As Above, So Below’]’.”

Talisman e o sucesso que não foi mantido

Outro álbum importante da carreira de Jeff Scott Soto está prestes a completar 30 anos de lançamento: “Genesis”, o segundo do Talisman e, de acordo com o vocalista, o disco responsável por fazê-lo e ao baixista Marcel Jacob decidirem que iam seguir em frente como uma banda:

“O primeiro álbum [‘Talisman’ (1990)] foi meio que para cumprir um contrato solo assinado pelo Marcel com uma pequena gravadora sueca. A única razão pela qual fizemos o álbum foi porque todas aquelas músicas haviam sido escritas para o segundo álbum solo do John Norum [‘Face the Truth’ (1992)]; o Marcel tocava na banda do John. Só que um dia os dois brigaram e o Marcel deixou a banda, levando suas músicas consigo. Originalmente, o vocalista [do Talisman] seria o Göran Edman, mas ele decidiu ficar com o John, então, o Marcel me chamou para cantar. Ou seja, o Talisman nunca foi pensado como uma banda. O Marcel só tinha aquelas músicas, queria gravá-las e lançá-las.”

Dois meses depois do lançamento do álbum, o telefone de Jeff toca. Era Marcel.

“Ele disse: ‘Temos um problema: nossa música está no Top 10. Não no Top 10 do hard ou do metal. Estamos no mesmo Top 10 que o Roxette, e os caras [da gravadora] querem que façamos uma turnê!’ Por essa ninguém esperava. Fizemos um clipe para ‘Just Between Us’, demos as caras num programa de TV e deslanchamos. Fizemos uma turnê. Um ano e meio depois, eu estava conversando com o Marcel, com quem não falava há um tempo. Falamos sobre a tal turnê e eu revelei que gostaria de fazer outra. ‘Sério?’, ‘Sério.’ ‘Achei que você não estava interessado.’ ‘Jura? Pois eu achei que você não estava interessado.’ No dia seguinte, ele me liga. Começamos a falar sobre gravar um segundo álbum. Foi quando decidimos que o Talisman seria uma banda de verdade.”

É unânime entre os adeptos do hard rock mais melódico que o Talisman deveria ter sido muito maior do que foi. Em retrospecto, Soto avalia:

“Aqui nos Estados Unidos, temos uma expressão que diz ‘a day late, a dollar short’. Chegamos atrasados à festa. A indústria fonográfica e a música popular estavam mudando em 1990 e 1991. Como todo mundo sabe, a cena dos anos 1980 estava quase morrendo, o grunge estava assumindo o controle. Se tivéssemos lançado o primeiro álbum do Talisman cinco anos antes, provavelmente teria explodido, teríamos ficado muito maiores. Mas lançamos num momento em que o gênero estava morrendo lentamente. Tentamos levar para uma direção mais divertida e funkeada no ‘Genesis’, mas acabou soando datado. Então, estávamos meio que presos naquele limbo: por um lado, agradando os fãs que ainda estavam apegados a isso, mas por outro sendo incapazes de conquistar novos fãs porque todo mundo só queria saber de grunge e do Pearl Jam.”

Journey e fidelidade a si

Muitos não sabem ou já se esqueceram, mas Jeff Scott Soto integrou o Journey entre 2006 e 2007, esquentando o banco para Arnel Pineda, que segue a bordo até hoje. Soto foi demitido apenas cinco meses após ser efetivado, e isso resultou numa treta entre ele e o guitarrista Neal Schon que durou mais de uma década.

Ano passado, os dois finalmente declararam estar em paz um com o outro. Jeff se recusou a comentar os recentes arranca-rabos entre Schon e o tecladista Jonathan Cain, mas revelou que, caso não tivesse sido dispensado, provavelmente teria pedido as contas num futuro próximo:

“Nem penso mais nisso [na demissão]. Neal e eu estamos numa boa; não ficamos ligando um para o outro o tempo todo, mas temos mantido conversas amigáveis e eu espero que continue assim. Não guardo rancor. Não tenho nada além de respeito pelo meu tempo [no Journey] e, para ser honesto com você, depois de ficar no Journey por quatro ou cinco anos, eu poderia ter saído de qualquer maneira. Porque quando eu estava com eles, ainda tinha em mim uma vontade de não me restringir a cantar o legado de outra pessoa, por mais que eu ame Steve Perry e ame aquelas músicas; para mim, seria como estar em uma banda tributo. Quero cantar minhas músicas. Sei que não o farei em estádios e arenas, mas sinto que, como artista, preciso ser fiel a quem eu sou, então acho que teria saído de qualquer maneira. Mas foi uma grande oportunidade. É ótimo poder incluir no currículo que fiz parte do Journey.”

Em se tratando de um entrevistado que desde os anos 1980 não sabe o que são férias, é óbvio que quando questionado sobre o que 2023 lhe reserva após a vindoura rodada de shows, Soto fornece uma lista do que está por vir:

“Estamos compondo um novo álbum do W.E.T. Também estou com um projeto novo com o Bumblefoot, mas não posso dar mais informações. O álbum está pronto e será lançado em breve. David Ellefson e eu vamos começar a nos preparar para um segundo álbum do Ellefson-Soto. Estou com muitos shows marcados com Jason Bieler [guitarrista do Saigon Kick]. Enfim, meu ano está bem cheio.”

Confira também a versão em vídeo da entrevista, com legendas em português:

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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