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A história de Jeff Healey, um dos guitarristas mais notáveis de nosso tempo

Estilo único de tocar rendeu ao músico canadense cego a reputação de jovem prodígio musical

Entregue para adoção ainda recém-nascido, perdendo os dois olhos para uma forma rara de câncer antes de seu primeiro aniversário e a mãe para o câncer de mama, Jeff Healey poderia dar todas as desculpas do mundo para não estar nem aí. Mas desde os 3 anos de idade, quando colocou um violão no colo pela primeira vez, no que se tornaria seu estilo característico, ficou claro que não era um garoto comum.

Jeff amava a música, amava tocar guitarra e se recusava a usar sua cegueira como truque ou ferramenta de marketing. Ele sempre buscou ser reconhecido por sua habilidade, não por sua deficiência.

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Aos 22, já era contratado de uma grande gravadora, havia lançado álbuns comercialmente bem sucedidos e premiados, feito turnês mundo afora, apresentado programas de rádio e estrelado um longa-metragem de Hollywood.

Conheça sua história.

Uma casa cheia de amor

Jeff Healey nasceu Brian Alan Moody em 25 de março de 1966, no St. Joseph’s Hospital em Toronto, Canadá. Sem nunca ter conhecido os pais biológicos, ele foi deixado em um orfanato e só teve que esperar três meses até que uma família o escolhesse.

Sob a tutela de Percival “Bud” e Yvonne Healey, Brian Alan Moody tornou-se Norman Jeffrey Healey. Casados há oito anos, Bud e Yvonne não tinham filhos. Após muitas tentativas frustradas, os dois finalmente conseguiram.

Na biografia “Out of Darkness: The Jeff Healey Story” (Dundurn Press, 2010), consta o seguinte depoimento de Jeff a respeito da família:

“Mesmo sendo adotado, sempre me senti parte da família e incluído nas atividades planejadas ou espontâneas. Eles [os pais] foram um modelo para mim em respeito às pessoas e em dar o valor certo ao dinheiro. Nunca quebraram uma promessa; eu poderia confiar na palavra deles. Por fim, sempre arranjavam tempo para mim.”

As luzes se apagam

As coisas foram ótimas na casa dos Healey por um tempo. Porém, logo viriam as famosas pedras no meio do caminho.

Um dia, Bud percebeu que Jeff só respondia com o lado esquerdo. Ele tentou chamar a atenção do filho do outro lado, mas não houve resposta. O médico da família os indicou um especialista e, finalmente, veio, para deixar os pais de primeira viagem sem chão, o diagnóstico de retinoblastoma, um raro câncer ocular que ocorre em aproximadamente uma em cada 20 mil crianças.

Os médicos sugeriram que um dos olhos de Jeff, de sete meses, fosse removido. Os especialistas então se concentraram em tentar salvar o outro olho, mas sem sucesso. Aos onze meses, eles foram forçados a remover o outro olho também, levando Jeff a ser aprestado com olhos de vidro.

Um estilo incomum de tocar

O silêncio não fazia parte do dia a dia dos Healey. Antes que pudesse andar, Jeff já agitava ao som de jazz antigo, big bands e dance music.

Ganhou seu primeiro violão com apenas 3 anos de idade. Era tão pequeno na época que não conseguia segurar o instrumento, colocando-o na cama e ficando ao lado dele para tocar. Por fim, Jeff moveu o violão da cama para o colo, posicionando-o sobre os joelhos, usando o polegar como quinto dedo da mão do braço do instrumento, tocando-o quase como um teclado.

Assim surgiu o estilo incomum de tocar de Jeff.

Autodidata, pelo menos no início, ele ouvia música o tempo todo e reproduzia o que ouvia. Enquanto os garotos da sua idade ouviam Pink Floyd ou Led Zeppelin, Jeff ouvia clássicos do jazz — Louis Armstrong e Duke Ellington eram os seus ídolos —, big bands, country — adorava Johnny Cash — e Elvis Presley. Suas habilidades não pararam de se desenvolver. Sozinho, ele aprendeu a tocar violão/guitarra, piano, bateria, trompete e trombone.

Programas de rádio, TV e canjas com mestres do blues

A primeira aparição de Jeff em um programa de TV foi aos 7 anos. Aos 10, ele ganhou um pequeno gravador de rolo e começou a produzir fitas demo no porão de casa. Uma de suas primeiras gravações foi “Shake, Rattle and Roll”; ironicamente, a faixa derradeira de “Mess of Blues”, o último CD que finalizou antes de sua morte.

Enquanto estudante na Escola W. Ross Macdonald para Cegos, Jeff começou seu próprio programa de rádio. Aos 8, iniciou sua primeira banda, recrutando três amigos para tocar os outros instrumentos.

Quando estava no ensino médio, Jeff se envolveu em todas as atividades extracurriculares ligadas à música que pôde. Com apenas 14 anos, tornou-se apresentador de um programa de rádio semanal no qual tocava seleções de sua coleção de discos de jazz.

Também começou sua primeira banda de verdade, o quarteto Blue Direction. Como o nome indica, eles tocavam principalmente blues. Alguns feitos da época incluem subir ao palco para uma canja com Albert Collins e outra com Stevie Ray Vaughan.

“Os dedos mais longos que eu já vi”

Após a separação do Blue Direction em 1983 ou 1984, Jeff começou a The Jeff Healey Band. Inicialmente contando com Jeff, o também guitarrista Rob Quail, o baixista Terry Murphy e o baterista Tom Stephen, o quarteto abriu shows para artistas de renome, como Robert Cray e Albert Collins.

Em algum momento, Stephen decidiu que o formato trio era o caminho a seguir e, no final de 1985, quando procuravam um novo baixista, ele ligou para Joe Rockman. Rockman não tinha certeza sobre entrar na banda; Jeff tinha 19 anos, ele, 29. Mas assim que Jeff se levantou para apertar sua mão, Joe “soube instantaneamente que ele [Healey] tinha o equipamento necessário”, conforme relata à biógrafa Cindy Watson:

“Jeff tinha os dedos mais longos que eu já vi. Ele poderia colocar o dedo mínimo na pestana e com o polegar alcançar a décima segunda casa [do braço da guitarra]. E havia algo mais ali. Ele tinha uma presença, uma aura silenciosa, um ar confiante, certo grau de insegurança e vulnerabilidade — todas as características inerentes a um grande artista.”

No início, a Jeff Healey Band foi rejeitada por todas as gravadoras do Canadá. Felizmente, eles foram um dos poucos grupos canadenses a conseguir assinar diretamente com uma gigante estadunidense, a Arista Records.

As coisas se encaixaram rapidamente para o trio depois disso: ao contrato com a gravadora seguiram-se um single de sucesso (“Angel Eyes”), um disco de platina (“See the Light”, 1988), um disco de ouro (“Hell to Pay”, 1990), capas de revista, indicações e prêmios.

Então veio Hollywood. O filme “Matador de Aluguel” (1989), estrelado pelo galã de “Dirty Dancing: Ritmo Quente” (1987), trazia apresentações na tela e música original escrita e interpretada pela Jeff Healey Band. Tanto o longa quanto a trilha sonora atraíram grande atenção do público, levando a banda a participar de todos os principais late shows da TV norte-americana do final dos anos 1980, como o Late Night with David Letterman, o The Arsenio Hall Show e o The Tonight Show.

Duas esposas e duas crianças para chamar de suas

Jeff casou-se com Krista Miller em 1992 — ano de “Feel This”, terceiro álbum de sua banda e um fiasco em vendas se comparado aos anteriores. Dois anos depois, Yvonne Healey sucumbiu ao câncer de mama aos 55 anos.

Com o nascimento da filha Rachel, em 1994, Jeff passou a ressentir-se ainda mais do tempo longe de casa e a diminuir o ritmo de trabalho. Aos poucos a mídia parou de lhe dar espaço. O álbum de regravações “Cover to Cover” (1995) sequer entrou nas paradas nos EUA. Ele e Krista acabariam se divorciando em 1999.

Com o lançamento do álbum “Get Me Some” em 2000 — o último de estúdio da Jeff Healey Band —, ele passou a se concentrar no jazz. Ávido colecionador de discos, acumulou uma coleção de mais de 30 mil títulos de 78 rpm do gênero.

No âmbito pessoal, Jeff casou-se mais uma vez. Da união com a segunda esposa, Cristie Hall, nasceu Derek Healey, em 7 de março de 2005. O nascimento do segundo filho reenergizou Jeff e reacendeu nele a paixão pela música. À frente do Jeff Healey and the Jazz Wizards, gravou uma série de álbuns e percorreu o mundo.

O câncer de novo e mais uma vez

Jeff Healey morreu em 2 de março de 2008, em um hospital de Toronto, após uma dura batalha contra o câncer. Ele tinha 41 anos e foi enterrado no Cemitério Park Lawn, em Etobicoke, Ontário.

Entre álbuns de estúdio, ao vivos e compilações, sua discografia compreende mais de 50 títulos, muitos dos quais póstumos, como o de covers “Songs from the Road” de 2009 e “Heal My Soul” de 2016, relançado em formato deluxe quatro anos depois.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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